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PORTUGAL NA EUROPA

06-03-2015 - Neto Simões

A paz mundial não poderá ser salvaguardada sem esforços criativos que estejam à altura dos perigos que a ameaçam”. Robert Schuman (Primeiro Presidente do PE de 1958 a 1960, condecorado com o titulo “Pai da Europa”) .

Portugal não pode ficar refém da União Europeia (UE) com crise de governança, condicionada pelas decisões da Alemanha, cujo projecto de solidariedade e coesão social – concretizados nos Tratados internacionais e Instituições - foi “subvertido” pela deriva neoliberal. Tratados esses que se devem sobrepor aos acordos inter-governamentais. Sem aprofundar a integração e a democracia – eliminando os efeitos assimétricos da moeda única e a segmentação dos mercados -, será inevitável a desintegração.

Sem a Europa estaríamos condenados a empobrecer, mas agora sabemos que, com esta Europa que é diferente da que foi criada por Schuman, Monet e Jaques Delors – criada à revelia dos cidadãos - estamos condenados a empobrecer. A “nova normalidade” como já lhe chamou o PM.

Os tratados e instituições burocratas da UE foram subvertidos e passou a ser uma entidade disforme e híbrida: não é uma entidade geopolítica porque não tem instrumento militar e nos momentos difíceis depende dos EUA; nem é uma entidade económica sustentável, pois, para isso, precisava de ter uma politica económica e apenas tem politica orçamental imposta pela Alemanha que serve os seus interesses e estratégia mercantilista. Os países pequenos deixaram de ter voz.

Há um défice profundo de entendimento do que é hoje a UE com défice democrático, sem cidadania europeia e com uma zona euro, em que a moeda única foi mal arquitectada por agendas nacionais e egoísmos da Alemanha sem zelar por uma União Económica e Monetária (UEM) com instrumentos para harmonizar a integração de economias com diferentes graus de desenvolvimento. A UE está unida à força pelos tratados que não prevêem a saída do euro, que é a armadilha que alguns povos pagam com a liberdade. O euro pode não acabar mas poderá começar a desmoronar-se caso não haja mais integração.

O que está em jogo é saber como conseguir um novo compromisso, que seja capaz de mudar o paradigma e dar futuro aos europeus. Mas também mudar regras de funcionamento da UE e UEM e que seja capaz de gerar convergência na zona euro. Exige-se uma UE com processos de decisão mais democráticos – sem aquelas estranhas reuniões de joelhos à volta do poderoso Schauble – e duma UEM sem divergência politica, económica e social.

Merkel no seu estilo - de soberba autocrática - continua na governança da UE a impor o pensamento único da política de austeridade que conduziu ao empobrecimento mesmo que tenha de contrariar e afrontar o Presidente da Comissão (Junker), que já assumiu a “ofensa contra a dignidade dos povos e a falta de legitimidade democrática da troika”.

Lá como cá o poder procura desvalorizar a democracia. As eleições são uma perda de tempo! O que importa é o aberrante Tratado Orçamental (TO) que serviu para “engaiolar” os países devedores. O TO aprovado para os países da zona euro é uma "ideia sinistra" e vai ser "um desastre completo". E m 2013 d e acordo com as estimativas da Comissão Europeia (CE), apenas 6 dos 28 países estavam já dentro do patamar exigido.

A chanceler alemã Merkel, defendeu o agravamento de sanções a países da zona euro que não cumpram os critérios de estabilidade. Curiosamente, nada aconteceu quando a Alemanha e França foram os primeiros países a violar a meta do défice do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC).

A UE capturada pelo sistema financeiro internacional e estratégia alemã neo-mercantilista, tem estado a transformar-se num “Império” da Alemanha. Nunca a Alemanha esteve tão forte e não conseguiu pela opção militar o domínio e “subjugação” que conseguiu desde o Tratado de Maastritcht em 1992 com o euroliberalismo conservador. A crise de euro e das dívidas soberanas serviram para resgatar a banca.

Contudo, para a Alemanha foram uma oportunidade para implementar uma politica de austeridade imposta e punitiva – que se revelou como o neo-cofiscalismo - aumentando o seu poder e influência e criando divisões irreversíveis na Europa. Qual é a estratégia dos países do Sul, submetidos a programas de assistência financeira com origem na crise das dividas soberanas?

Merkel e Schauble a quem os governantes portugueses estão em permanente submissão e subserviência para assegurar a sobrevivência política nem que para isso tenham de fazer de “emplastro”. Até se sujeitam à repugnante imagem pública de Portugal ser utilizado como “troféu” do sucesso da austeridade. Ninguém teve reacção igual que revela ser profundamente anti-patriótica como a aparição da Ministra das Finanças - “marioneta”em completo deleite - junto ao sinistro Schauble para demonstrar o sucesso do programa de ajustamento que todos sabem ter sido um profundo fracasso com uma saída “encardida” que as agências de ratting certificam e a CE confirma.

Afinal Portugal é arrasado por fortes criticas de Bruxelas, que o coloca sob vigilância devido aos “desequilíbrios macroeconómicos excessivos” (Irlanda de fora) – enquanto os ministros andam em alegre campanha nas feiras a fazer provas de vinhos - não só em termos orçamentais mas também da economia. A coreografia Europeia alimenta-se muito de eufemismos e cinismo político. Porque foi a troika - e a obsessão do “além da troika” - que nos obrigou a um programa de austeridade que destruiu a economia, agravou a recessão e conduziu à inaceitável degradação social com um trágico nível de desemprego (20%) , queda do PIB não estimada (2002)e agravou substancialmente o nível da divida (18%). “Portugal está diferente para melhor”! Só que os 25% de portugueses que vivem na pobreza ainda não perceberam.

Pelos vistos, “permanecem riscos importantes ligados ao elevado nível da divida (interna e externa) e elevado desemprego” (real é cerca de 20%). São precisamente os dois indicadores que mereciam constantes elogios do Governo. A ilusão do sucesso criada por um discurso criativo com distorção da linguagem e uma nova semântica que o PM sabe ser mistificação. E a dissimulação sistemática dos erros escamoteando a realidade e manipulando a opinião pública tem permitido a manutenção do poder sem poder e sem a autoridade da legitimidade que deixou de estar em exercício.

Quase por ironia do destino depois do que se passou entre as posições politicas assumidas por Portugal em relação à Grécia, acabamos por criar um patamar de perigo e alerta da CE. Se Portugal precisa de procurar novas alianças – em vez de andar a fazer o “escárnio e mal dizer” de outros – para tentar resolver o problema da divida, num contexto europeu, como já demonstraram os sábios e avisados conselhos de Vítor Bento (taxas de juro, maturidades e deferimentos). Porém, estarem todos contra a Grécia pela manipulação da Alemanha não resolve o problema.

O grito de insubmissão do novo governo grego tornou-se um grito europeu. E, nessa medida, como um grito que serve o próprio interesse nacional português. Em qualquer negociação existem perdas e ganhos. Mas o mais importante é que a Grécia consegui, finalmente, introduzir, no meio da discussão de burocratas esquizofrénicos, a Política e acabar com a troika situando a o diálogo ao nível adequado das Instituições.

O peso geoestratégico da Grécia já tinha tido peso negocial em anteriores negociações com a UE e a Alemanha sabe que assim é desde a II Guerra Mundial. Os EUA mais preocupados com a realidade geopolítica, que as levianas lideranças europeias, enviaram os seus recados. Foi isto que deixou furiosos Merkel e Schauble. Ninguém sabe se teremos força e talento na UE para mudar uma rota estreita – gerada pelo aberrante TO -, que adia, mas não parece capaz de evitar o eventual colapso do euro e produzir um novo caos europeu.

O Governo não devia condicionar o debate como tem feito sistematicamente. Nem a oposição se deve isentar de alternativa patriótica e credível ao exercício do poder. O que bloqueia a alternativa não é a disponibilidade para governar, são as escolhas mais lúcidas, das grandes opções politicas para a governação de Portugal na Europa com uma visão estratégica mais integrada e racional.

A Europa e Portugal necessitam de um novo paradigma de desenvolvimento enquadrado por uma Estratégia Nacional e Europeia, no médio prazo, que não ignore as realidades socioeconómicas e culturais e seja pensado em conjunto ao nível político e empresarial, com os sindicatos e universidades. Grande parte da inovação e competitividade – crucial na atracção de investimento - é fruto da tradução do pensamento científico dado pelas universidades e da sua ligação às empresas, bem como da qualificação dos recursos humanos.

As eleições europeias foram a oportunidade perdida para o debate. Urge definir um quadro de alianças sólidas tanto na UE, como fora dela que evite dependências excessivas e unívocas, sejam dos credores, dos vizinhos ou dos protectores. A liderança política tem de saber reforçar o peso negocial compensando a perda parcial de soberania. E influenciar a participação nas soluções, designadamente a resolução das assimetrias, competitividade e mutualização de algumas despesas sociais.

Além do mais, também é necessário restaurar a confiança dos Portugueses em si próprios e no seu País. O País tem de conseguir a defesa dos seus interesses fora da UE e revalorizar a sua posição geoestratégica no sistema internacional. Mas para isso é preciso uma politica externa e um Conceito Estratégico para a EU. “ Portugal será na Europa o que conseguir ser fora dela ” (Luís Amado).

Portugal tem de se libertar da submissão do absurdo dogma neoliberal se quer continuar a ser uma comunidade com consciência da identidade nacional, assumindo a vontade colectiva dos cidadãos e a necessidade permanente da defesa de valores e interesses rele­van­tes para a continuidade da Nação.

A democracia reclama um modelo de sociedade assente na vocação cívica e escolhas de cidadania mais lúcidas. É essa que justifica, para os cidadãos, os direitos e os deveres de participação democrática. A cidadania tem que incutir estas responsabilidades, ou seja, o sentimento de comunidade que fundamenta direitos e deveres recíprocos e não o inverso.

Neste contexto, urge que os partidos políticos tenham capacidade de responder às seguintes questões sobre a UE:

  • Por onde vamos, o que temos de fazer e como negociamos com os outros parceiros face ao espartilho do TO? Continuaremos com a submissão da geofinança e da UE apesar do foguetório sobre a recuperação da autonomia sobre o processo de decisão?
  • O montante do serviço da divida é compatível com o TO? (o rácio 132% PIB, cresceu cerca de 50 mil milhões de euros e peso dos juros (30 milhões euros/mês)
  • Em caso negativo, qual a proposta dos partidos em relação à renegociação dívida?
  • Prevendo o caso da renegociação da divida falhar e não haver outra (ou melhor) alternativa senão a saída da zona euro, qual a posição dos partidos?
  • Qual a posição face à identificação de falta de democraticidade nas decisões europeias?
  • Que políticas para o crescimento económico, emprego, procura interna e investimento são necessárias e qual o montante dos recursos públicos exigidos?
  • Tendo em conta as condicionalidades do TO (“austeridade perpétua”) qual a posição sobre as “parcerias com as autoridades comunitárias” que vão interferir na legislação económica, financeira, laboral, sistema educativo e estado social?
  • A falta de politica externa da UE conduz a um isolacionismo muito perigoso em relação aos países emergentes. O pacifismo levado ao extremo conduz à indiferença das ameaças negligenciando a capacidade militar e de defesa. Como são encaradas pelos partidos a politica comum de Segurança e Defesa na UE e o seu reflexo nos Estados-membros, considerando que os EUA reorientaram o seu principal esforço para a região Ásia/Pacifico e tendo em conta o ambiente estratégico prevalecente e futuro?

A construção europeia só pode ter futuro se as decisões europeias forem aceites como legitimas pelos povos. Aquelas decisões requerem o melhor da política: esforço de negociação e compromissos, porque partem duma grande diversidade de interesses. E, por isso, têm de ser percepcionados como vantajosos pelos Estados-membros envolvidos.

Enfrentamos um momento crítico. Temos de decidir o caminho a escolher. Os órgãos de soberania e agentes políticos devem tomar consciência, que a pobreza e o flagelo do desemprego provocam enormes fracturas na sociedade e, por isso, são ameaças à coesão social e ao regime democrático. A ruptura só poderá ser evitada com estabilidade política e económica. E os portugueses vão ter que exigir aos partidos que entrem neste debate europeu sério se querem ter futuro.

As divisões políticas internas persistem intactas, a recuperação económica parece demasiado frágil e os extremismos populistas antieuropeus crescem por toda a parte. Para inverter a dinâmica de fragmentação regional, os responsáveis políticos portugueses e europeus precisam de reinventar a aliança entre a democracia liberal, a inovação económica e a integração regional. O Ocidente está em decadência e o declínio da UE não é inevitável.

Neto Simões, Capitão-de-Fragata SEF (Res)

 

 

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