Memórias (11)
06-03-2015 - Henrique Pratas
Após o episódio que vos descrevi a partir desse momento passei a ser mais ativo, quero dizer mais provocador, jogar à bola na rua era proibido, provocávamos os polícias jogando em ruas de sentido único para que não nos pudessem apanhar e aí junto do meu amigo Eduardo, do Arripiado, quando lá passava o Verão incrementei a leitura dos livros proibidos na altura de Marx, Engels, Rosa Luxemburg, Lenine e tudo o que me abrisse os horizontes e levasse a questionar o Estado em que vivíamos, entrei para o Ciclo Preparatório e fez-se normalmente os dois anos da praxe. Aprendi alguma coisa nas aulas de trabalho manuais aprendi a lidar diretamente com os materiais que queria produzir, experimentei a sensação de o professor me dar um pedaço de ferro, a meu pedido pois queria fazer um martelo para oferecer ao meu pai, consegui e experimentei a sensação do que é sermos nós a produzir algo que tivesse aplicação prática, não era que já não tivesse essa experiência, porque ao tempo não havia o que há hoje e éramos nós que tínhamos que pensar e construir as nossas formas de brincar, mas foi ótimo, senti-me como um operário metalúrgico quando entreguei o martelo ao meu pai e ele me agradeceu.
Já vos contei que a minha infância foi muito rica em experiências, fui rebelde e depois dos acontecimentos que vos descrevi na última “Memórias”, passei a resolver as minhas contendas todas à pancada, era magro mas muito ágil e quando apanhava um “menino da mamã”, como hoje se diz, que não entrasse nas brincadeiras do grupo e que fosse um marrão, era certinho que lhe dava uma carga de porrada para ele espevitar, recordo-me de um companheiro meu de ciclo, era um marrão, sabia sempre tudo, quando o professor perguntava alguma coisa era sempre o primeiro a responder não dava oportunidade aos outros, um dia passei-me esperei por ele à saída da Escola Nuno Gonçalves, na Avenida General Roçadas e fui atrás dele sempre a dar-lhe pedradas até casa dele porque para chegar a minha casa era rápido bastava descer umas escadinhas e estava em casa, tanta pedrada que ele levou até chegar a casa e quanto mais ele me pedia para parar mais eu lhe dava, ficou todo negro, resultado à tarde a mãe dele vai à nossa casa bate à porta e começa a contar a história à minha mãe, eu que já esperava, esteve sempre em silêncio, quando a minha mãe me confrontou com os factos disse-lhe apenas com o ar mais inocente possível “Oh mãe tu achavas que era capaz de fazer uma coisa dessas ainda por cima ao meu melhor amigo”, escapei-me a minha mãe disse que era impossível que o seu filho tivesse feito uma coisa daquelas, quanto mais a um amigo seu, na altura os meus créditos familiares eram boas e escapei-me a um castigo ou a um ralhete, mas pensei para comigo, deixa gordo que amanhã vais levar para não ires fazer queixinhas, no outro dia a mãe do meu companheiro de Escola e de turma, foi levá-lo à Escola e buscá-lo e eu pensei para comigo mau, não é hoje que tu as levas, porque dentro da escola tínhamos os contínuos que não deixavam que nós nos batêssemos, mas pensei para comigo vão haver mais oportunidades não perdes pela demora e assim foi a mãe dele foi levá-lo e busca-lo algumas três vezes à Escola e eu quando senti o caminho livre, vá de lhe malhar no lombo, que ele tinha, serviu-lhe de emenda nunca mais fez queixas em casa, aprendeu a apanhar e calar, a receita tinha dado resultado.
Lisboa, 04 de março de 2015
Henrique Pratas
Voltar |