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Memórias (10)

27-02-2015 - Henrique Pratas

Após a minha descoberta e de pois de passar a ser um dos deles a confiança em mim, como também a minha responsabilidade aumentou perante eles e assim se dava o meu crescimento enquanto pessoa.

Nesse mesmo ano o meu pai de acordo com a filosofia que já lhes contei, que era importante conhecer as coisas nãos só dos livros era importante conhecer os locais, levou-me pela primeira vez Espanha, na altura 1 peseta valia 50 centavos, fui a Ávila, Sevilha e a Madrid. Como o meu pai me gostava de experimentar, após eu ter tentado conversar com um espanhol recebi como resposta non intendo, fiquei fulo e disse para o meu pai, como é que eles não nos entendem se eu compreendi tudo o que ele me disse, não obtive resposta, recebi sim umas pesetas e o meu pai disse-me não querias comprar umas calças, aqui tens o dinheiro para ela vai comprá-las e eu que não gosto de dar parte de fraco pensei para comigo, ai é vou-te demonstrar que sou capaz. Na altura as calças de ganga da marca LOIS, vendidas em Espanha eram de excelente qualidade e a um preço muito mais vantajoso do que em Portugal. Entrei nos Preciados, na altura dirigi-me à secção da roupa de rapaz procurei o meu tamanho e lá me entendi através de gestos com o empregado o que é facto é que comprei o que queria, como me sobraram umas pesetas e porque em Portugal nesse tempo não havia Coca-Cola, aproveitei e fui beber uma com limão. Coisas do regime em Portugal não se podia comercializar esta bebida mas comercializava-se uma outra que Canadadry, que era a mesma coisa mas que tinha um sabor semelhante, coisas difíceis para mim de entender porque é que no País de Franco se comercializava um produto que Portugal era proibidíssimo.

Ainda perguntei ao meu pai porquê, mas ele não gostava que eu tivesse respostas fáceis riu-se e disse-me vais entender um dia, espera a seu tempo terás a resposta.

Eu que não gosto de esperar ou de ficar sem respostas às minhas questões enquanto não soube a verdadeira razão não descansei.

Entretanto nesta primeira incursão a Espanha pelos locais que já vos mencionei vi coisas que apenas tinha visto nos livros, fui a exposições, interagi com os amigos do meu pai espanhóis, fui bem aceite, sempre me responderam às minhas questões e não se cansavam com a quantidade de perguntas que lhes fazia, comecei a conhecer os verdadeiros espanhóis, não os de primeiro consumo.

Pela primeira vez vi jogar a pelota basca e achei que aquele jogo era de uma violência a toda a prova. No início do jogo havia um ritual que não entendi, os dois jogadores entravam em campo acompanhados com um padre, estranhei, depois de assistir a uma oração dada pelo referido padre aos dois jogadores fui perguntar a um dos amigos do meu pai para que era aquilo, a resposta veio de imediato é que muitas das vezes na prática daquele jogo um dos jogadores saía gravemente ferido ou até havia a possibilidade de um deles morrer.

Aí comecei a entender a diferença entre espanhóis e portugueses, nós éramos muito mais brandos eles eram violentos, pudera passaram por uma guerra civil, passaram fome e levantaram de novo um País, já na altura muito mais avançado que Portugal aí eu comecei a questionar-me como é que era possível, eles que tinham sofrido tanto, passado mal, se houvesse alguém que lhe pisasse os calos reagiam logo e nós cá aguentámos tudo o que nos quiseram fazer sem estrebuchar.

Entendi também porque é que os espanhóis são muito mais solidários do que nós eles tratam-se no trabalho por companheiros, em Portugal é por colegas e como sabe quem foi à tropa colegas são as senhoras de mau ou bom porte, para além disso eles ao final do dia juntavam-se todos na tasca, na cervejaria, no café como quiserem, partilhavam entre si e discutia os problemas do local onde viviam, para além de beberem umas cervejas ou qualquer outo tipo de álcool e depois não faziam destrinça ente os participantes, estava o médico, como o varredor de ruas, o advogado, o vendedor de cautelas, o juiz e o lavador de automóveis, o problema era que cada um pagava uma rodada às tantas havia alguém que dizia parou, as mulheres estavam presentes os filhos também, conviviam uns com os outros não se fechavam em casa como fazíamos e fazemos.

Um dia ouvi da boca de um Alcaide, o equivalente a um Presidente de Câmara, aqui mando eu em Madrid manda o Governo de Madrid, fiquei baralhado face à promiscuidade existente em Portugal, mas havia que esperar para continuar a entender tudo e a razão das diferenças.

Uma outra coisa que estranhei foi o facto de eu ter podido ter comprado livros que ensinavam a jogar xadrez e que tinham todo o tipo de aberturas do jogo, como sabem na altura a maior parte eram de origem russa, assim como outras jogadas e em Lisboa eu não conseguia comprar um livrinho de xadrez. Curioso não é para mim também foi não imaginam como fiquei baralhado, mas era assim.

Anos mais tarde viria a entender tudo, mais depressa do que eu esperava.

Estávamos em 1966, jogava o Campeonato Mundial de Futebol, como a televisão era recente, como sabem apareceu em 1956, ano brilhante escrevo eu porque foi nesse ano que também nasci e logo em abril e como nós não tínhamos televisão em casa em Lisboa, ou tínhamos e eu já não me recordo, mas como a rapaziada ia toda para o café eu também preferia ir para o café ver o futebol e como não posso estar calado, jogava-se o Portugal com a Checoslováquia e o narrador a certa altura do jogo que a seleção portuguesa eram composta apenas por portugueses e eu de imediato disse em alto e bom som portugueses, não também tem angolanos e moçambicanos.

Apesar das doses maciças e massacre de nos obrigarem a fixar uma coisa que não era verdade a existência de Portugal e as Colónias, como se devem recordar tínhamos que saber tudo das colónias, províncias, rios, montanhas etnias tudo e eu inocente desboquei-me com aquela afirmação, de imediato um PIDE agarrou-me pelo cachaço e levou-me à António Maria Cardoso, este foi o primeiro susto que os meus pais apanharam, só saí de lá às tantas e levei o devido tratamento, não vou agora armar-me em herói, produzi a afirmação de forma inocente com 10 anos não tinha consciência politica nenhuma, mas primeiro que fizesse com que os PIDES entendem-se esta minha explicação foi o cabo dos trabalhos e a pergunta foi sempre a mesma o que é que eu queria dizer com a minha afirmação e isto durou até às 2h da manhã, os meus pais estava aflitos mas nada podiam fazer. Foi duro, quando saí de lá tive que ir a pé até a casa, porque souberam levar-me mas trazer-me de volta nada vivíamos numa época em que só havia bilhete de ida. Saí revoltado, indignado e sentia-me mal tratado pois não tinha produzido a afirmação com nenhuma outra intenção a não ser que para além de portugueses, também existiam angolanos e moçambicanos, fui sincero, não disse por mal, só depois do tratamento que me deram é que tomei consciência do que tinha dito, aí sim comecei a odiar o sistema e por outro lado ganhei consciência politica, por estranho que vos pareça, tenho que vos escrever que devo isso à PIDE, estou-lhes grato por isso aprendi a lição mas a partir dessa data quando participei noutras ações já o fiz com intenção, se não tivessem tomado a atitude que tomaram comigo provavelmente não tinha despertado para o que era de facto, este País cinzento, sem direito a opinião e não mão de bufos, engraxadores e maus cidadãos, como costumo dizer, aprendi da pior maneira, mas aprendi e a partir dessa data ganharam mais um ”amigo”.

Lisboa, 19 de fevereiro de 2015

Henrique Pratas

 

 

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