Memórias (8)
13-02-2015 - Henrique Pratas
O rapaz cresceu e chegou a altura de fazer o chamado exame da 4ª classe que contrariamente aos dias de hoje todos tinham que provar o que sabiam, erros nem vê-los quanto mais escrevê-los, redigir era a prova onde podíamos dar asas à imaginação mas condicionados por um tema que nos era dado. Este exame constituía para muitos de nós u cabo muito difícil de dobrar conforme já vos ilustrei em texto anterior, para vosso conhecimento e para verificarem o grau de dificuldade a que éramos sujeitos, dei a prova da 4ª classe a um licenciado mais novo do que eu, apesar de achar muita graça levou-o para casa para o fazer em conjunto com a mulher que é enfermeira e no que diz respeito à parte relativa à História, disse-me ele nem uma acertaram, não faço comentários tirem a s ilações que entenderem por convenientes.
Na minha opinião o nível de exigência era demasiado, nós não conseguimos ter meio-termo, porque a maior parte de nós não é responsável é o deixa andar e depois logo se vê é assim em tudo, mas sem trabalho não há nada. Apesar de achar um exagero não me dei mal, antes pelo contrário ganhei hábitos de trabalho, aprendi a saber ser e saber estar são estas as características que faltam à maior parte da população. Aprendi a dar importância às coisas mais insignificantes, não esqueço uma máxima dos meus avós em que em diziam que mais vale ter um pedaço de terra do que dinheiro. Com terra nós podemos semear produtos, colhê-los e alimentarmo-nos, é certo que dá trabalho mas sem este nada se consegue se por outro lado se tivermos dinheiro podemos comprar os produtos que necessitamos, mas este esgota-se, é muito importante saber dar importância às coisas, quem não sabe o trabalho que dá produzir os produtos agrícolas, não sabe dar valor ao trabalho que se gasta na produção dos mesmos por isso quem nos Des) Governa, não tem aderência nenhuma à realidade, eles sempre tiveram do lado em que tinham dinheiro e bastava irem a um local de venda e comprar, não sabem, nem estão interessados em saber o trabalho que dá a produzir os produtos agrícolas, isto não basta ir a um terreno e dizer Ah, sim muito bonito, para mim é necessário estar lá, não estar apenas de passagem.
Se assim fosse quando negoceiam com outros Estados bater-se-iam com mais fulgor por aquilo que é produzido em Portugal o mesmo raciocínio é válido para a indústria e para alguns dos sectores de prestação de serviços. Onde existem pessoas a trabalhar deve haver pelo menos respeito por aquilo que fazem.
Estes valores foram por mim absorvidos por quem mos transmitiu, avós, pais, professores e também por aquelas pessoas que vos fiz menção em textos anteriores que apesar de não terem o exame da 4ª classe feita e terem como única coisa para vender a sua força de trabalho, sabiam estar, respeitavam e impunham o respeito, sabiam porque aprendiam à sua custa e quem manifestava interesse em absorver os seus conhecimentos eles transmitiam-no, mas primeiro éramos “testados”, estávamos na era em que era preciso provar para merecer.
Passei por isto tudo e hoje escrevo-o ainda bem, conheci pessoas espetaculares, disponíveis, solidárias, afáveis e muito simples.
Partilhavam o que tinham e não tinham era assim, o que havia colocava-se à disposição de quem estava, ninguém escondia nada.
Feito o exame da 4ª classe onde passei com distinção, apesar da nervoseira.
Iniciava um novo período na minha vida ia entrar par o Ciclo Preparatório e foi nesta altura já com 10 anos que comecei a ver outras coisas que até agora não me tinha apercebido.
As férias grandes como de costume foram passados no Arripiado, onde podia andar à solta e era respeitado por todos tinha conseguido atingir o estatuto de ser respeitado por todos e reclamarem a minha presença quando não aparecia espontaneamente, era feliz coisa que hoje não sou, não que o não seja em termos mais restritos, isto é familiares, em termos de sociedade é que não consigo ser porque vejo, oiço e sinto coisas que não deviam ocorrer, as pessoas estão mais fechadas, desconfiadas, descrentes e ainda não se deram conta que estamos neste Mindo de passagem e há que aproveitar os momentos bons da vida e partilhá-los com mais pessoas, que por timidez, por falta de educação não são capazes de o fazer.
1966 foi para mim um ano riquíssimo em termos de aprendizagem, a primeira coisa que me apercebi foi que um belo dia muito cedo vim um homem a correr a mim parecia-me um homem ao longe, a colocar um objeto nos ramos das árvores, oliveiras, laranjeiras entre outras mas não os colocava em todas, eram colocadas de uma forma aleatória e com um cuidado de ninguém, a não ser o destinatário se apercebesse onde estava colocada a “encomenda”. Fiquei curioso isto aconteceu de madrugada, porque eu sempre fui de me levantar cedo e observei o que vos descrevi, perguntei para mim o que era? Dei voltas e voltas mas aproximar-me para tentar verificar o que era, não o fiz porque a minha educação tinha sido dada no sentido de não mexer naquilo que não me pertencia.
A curiosidade era muita e a minha cabecinha não parava o que seria?
Uns dias depois voltei a levantar-me cedo e aí sim já levado pela curiosidade, fui colocar-me devidamente agachado para não ser visto no campo onde tinham sido colocadas as outras “encomendas” e voltei a reparar que foram colocadas novas “encomendas” da mesma forma, com a mesma rapidez, nas mesmas árvores, devidamente escondidas em galhos mais interiores e com a mesma eficiência.
A minha curiosidade aumentava, tanto mais que nesse dia vi passadas umas horas os donos das referidas terras dirigirem-se certeiramente às árvores onde tinham sido colocadas o que para mim eram “encomendas”, mas que não eram distribuídas por todos, aí fiquei mais curioso o que seria. Entre as pessoas que recolheram “as encomendas” consegui distinguir um amigo do meu pai, tinham a mesma idade e tinham ido às sortes ao mesmo tempo eram amigos, mas eu não o sabia, deixei-me estar para que não fosse visto e esperei que se retirassem todos.
(Continua)
Henrique Pratas
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