Memórias (7)
23-01-2015 - Henrique Pratas
O ensino primário agora chamado como ensino básico correu sem acidentes de percurso, tirando os que vocês conhecem do ter que saber na ponta da língua os rios, as linhas de caminho-de-ferro, as montanhas, de Portugal Continental, das ilhas e das então Províncias Ultramarinas, não serviu de muito que passado este tempo todo já não me recordo de nada, acho que as coisas têm que ser entendidas, percebidas e vistas, sobretudo, caso seja possível.
Daqueles tempo guardo os métodos de trabalho, a organização e a capacidade de trabalho que nos era incutida durante os 4 anos de escolaridade básica, o que ficou foi a organização, o método, o querer saber estar interessado em conhecer saber, este maneira de ser também me foi incutida pelos meus avós e pelos meus pais, nunca sai de uma sala de aulas com dúvidas quando não sabia levantava o braço e questionava o professor ou professora sobre as minhas incertezas.
Como sabem os erros ortográficos não eram permitidos, na aritmética, tinhas-mos que saber tudo sem sequer pestanejar senão lá trabalhava a régua ou a “menina dos sete olhos”, nos dias de hoje olho para trás e vejo que ocorreram alguns exageros mas acho que consegui interiorizar o que era mais importante, os valores, a educação, o não ter medo de dizer que não sabia, ser responsável, estas às vezes da pior maneira, mas se os trabalhos eram para amanhã tinham que ser feitos hoje, para que o professor pudesse ver o que tínhamos feito, criou-se aqui, a responsabilidade do ter que fazer que mais tarde se tornou no fazer com prazer ou por gosto. Aprendi também que não devia-mos dizer que sim quando a minha opinião era não, nisso teve sorte tive um professor que me acompanhou desde a 1.ª até à 4.ª classe e acho que ele tinha respeito por mim embora não o demonstrasse, desenvolveu o espirito critico que ainda tenho hoje e o facto de pensar pela minha cabeça, fiquei-lhe grato por isso.
As provas como devem estar recordados eram uma dor de barriga, anexo uma de 1966, para vos avivar a memória, para aqueles que tiveram o mesmo tipo de ensino e para aqueles que não o tiveram ficam a saber o que era bom para a tosse.
Guardo daqueles tempos o que foi bom e que já mencionei anteriormente e hoje acho que este País devia investir fortemente no chamado ensino básico e considero que devam existir bons professores porque é neste fase da nossa vida em que nós aprendemos as coisas básicas e que poderá fazer de nós melhor ou piores cidadãos, não importa que os meninos tirem boas notas o que é importante é que aprendam a saber ser e estar, o resto vem por acréscimo.
Mas voltando ao tema no percurso da instrução primária estava sempre deserto que chegasse as férias grandes para ir para o pé dos meus avós, onde com eles e devido à minha curiosidade, associado ao facto de querer fazer tudo o que via os adultos fazer, queria experimentar, por isso aprendi a cavar, a sachar, a regar, a podar, a colher, a tratar das árvores de fruto, dos animais, a semear enfim tudo relacionado com a agricultura que naqueles tempos não existiam máquinas era tudo feito à custa da força de trabalho humano, existiam umas máquinas para sulfatar de cobre que pesavam muito quando eram colocadas às costas, cheias de, como se chamava na altura, calda para sulfatar as árvores ou os produtos que eram semeados, chegava-se ao fim do dia perfeitamente derreado., mas como sempre fui antes torcer do que quebrar e apesar dos meus avós não queriam que eu fizesse nada, eu não lhes ligava e apesar de ralharem comigo eu lá ia fazendo o que era necessário.
Este meu comportamento levou-me a merecer o respeito de todas as pessoas que tinham hortas e que as amanhavam para tirarem da terra os produtos que serviam para se alimentar ou para trocar com outros que não tinham terras mas tinham por exemplo animais a moeda de troca eram os produtos obtidos na agricultura.
Para mim regar era o que mais gostava de fazer, chegava cedo com os meus avós cedo e de imediato punha um burro que tinham à nora para ir começando a tirar água para um tanque até que ele enchesse e depois abríssemos as bocas o tanque, para que a água chegasse através de regos cavados na terra ao milho ou às árvores de fruta. Adorava porque andava descalço como as outras pessoas, apesar dos avisos da minha avó para calçar uns botins de borracha, não o fazia porque me sabia bem sentir a terra entre os dedos no meio daquela amálgama de água e terra, adorava. Quando era regar as árvores dava mais trabalho, porque tinha que se abrir uma entrada no aceiro que onde as árvores estavam colocadas e não se podia deixar entrar nem pouca nem muita água, para que estas dessem frutos em condições. Quando era para regar o milho em pleno calor, porque na altura o milho só se plantava em pleno Verão para que o milho crescesse e nos princípios de setembro se pudesse colher o milho que era desfolhado e malhado numa eira com um pano, que eu não me recordo como se chama mas era composto por um pau comprido que tinha uma ligação com um outro de menor dimensão que servia para os homens baterem no milho, no feijão para que se soltassem do carolo ou da casca.
Também experimentei, algumas vezes apanhei com o pau na cabeça mas na altura não fazia diferença o que eu queria era fazer, aprendi também a crivar, na eira, para que os produtos secos como o feijão branco entre outros produtos que se consumiam ou vendiam secos ficassem sem qualquer espécie de palha ou detrito, pois a qualidade do produto tinha que ser bem apresentada para que fosse bem vendida.
Nesta vivência toda eu passei dias nas hortas, onde os meus avós e pais me diziam que não se podia entrar o tocar em qualquer coisa que não fosse nossa e assim sempre fiz.
Naquela altura as propriedades não estavam vedadas porque as pessoas respeitam o espaço de cada um e se houvesse alguém mais atrevido que quebrasse estas regras era punido de imediato às vezes da pior maneira consoante fosse o grau de relacionamento com o intruso. Nunca se atravessava de uma propriedade para outra atravessando no meio de uma outra propriedade que não fosse nossa, apenas o podíamos fazer se o dono tivesse presente e lhe pedíssemos autorização e ele consentisse que se realizasse a passagem, enfim outros tempos onde o respeito era uma prática comum e não o vandalismo que é hoje.
Introduzi esta explanação para vos contar que quando passava os meus dias de férias, no Arripiado, andava sempre com os meus avós, para onde quer que eles fossem, como eles falavam coma outras pessoas e sempre para ser bem-educado e pelo menos saudar as pessoas pelas quais passava, ou estavam nas hortas, comecei a ser “convidado” para almoçar com as pessoas, primeiro era tímido e cumpria à risca o que me tinham dito depois e à medida que a confiança ia aumentando, quando me desencaminhavam para almoçar com as pessoas que por lá andavam, comi muitas couves com feijão, sardinhas assadas, com salada de tomate, penino e cebola colhidas na hora, queijo secos, presunto, chouriço assado, bogas apanhadas no Tejo, temperadas com um molho que aprendi a fazer composto por alho cortado em círculos pequenos, azeite, vinagre, colorau, depois colhe-se salsa faz-se um raminho de salsa e rega-se o que está a assar, peixe, frango, que delicia os cheiros ficaram-me até aos dias de hoje.
Depois de estar bem “instalado”, como eu gosto de falar com toda a gente e gostava de fazer perguntas às pessoas sobre o que estavam a fazer e porque é que o faziam daquela maneira e não de outra, eles com uma paciência de santo, o meu meio de transporte era a bicicleta que cedo aprendi a andar, como queria imitar os homens, tinha que fazer o dobro do esforço, mas como era franzino, muito se riam eles do esforço que eu fazia para os acompanhar mas dar parte de fraco tá quieto.
Foram tempos de muita aprendizagem a todos os níveis com gente simples, aprende-se muito com elas bastava estarmos atentos e ter curiosidade. Nos tempos de hoje é coisa rara porque a rapaziada nova já não se interessa por coisas que não sejam informatizadas ou de cariz mais tecnológico, naquela altura tinha que se utilizar a cabeça para que com os parcos meios se conseguisse fazer muito.
Ao tempo a maior parte dos produtos eram obtidos através da intervenção manual dos HOMENS, caso dos cestos, que se tinha que ir apanhar os vimes deixar secar q.b. e depois com a arte certa faziam-se os cestos que serviam para transportar os produtos.
Não quero de deixar de fazer menção ao Tejo que como sabem banha a aldeia do Arripiado, cedo me fui aproximando do rio porque a única forma de chegar a Tancos onde passa o comboio era fazer a travessia através de barcos existentes ao tempo, feitos em madeira, devidamente calafetados e pintados com alcatrão, por isso todos eles eram pretos, como ao tempo algumas das pessoas trabalhavam como se dizia no Caminho-de-ferro (CP), no Entroncamento e o comboio operário passava muito cedo, não tinham outra alternativa que não arranjar forma de terem um barco onde muitas das vezes davam “boleia” a outras pessoas que também lá trabalhavam, mas não tinham posses para ter um barco, utilizavam aquele em que conseguiam espaço. Estas travessias faziam a desoras, ou muito cedo ou muito tarde porque alguns deles trabalhavam por turnos, que normalmente começavam muito cedo e quando começavam a horas normais acabavam muito tarde e chegados a Tancos tinham que passar para a outra margem , fosse ele noite escura que nem breu ou manhã cedo.
Fui-me aproximando dos que tinham estes barcos, agora desaparecidos e como sou atrevido, pendurava-me quando podia num deles para a prender a remar, os remos eram pesados eram feitos de madeira, quando experimentei a primeira vez fiz tanta força que fiz bolhas nas mãos, mas não disse nada a ninguém, aguentei-me à bronca, toma que é para aprenderes, como já referi aprendi cedo a não dar parte de fraco, mas provoquei muita risada em alguns homens e mulheres que viam o miúdo querer fazer aquilo que só os adultos faziam, mas tentei e não desisti até ao dia em que um deles me deixou levar o barco até à outra margem do Tejo, senti-me capaz, cresci na altura, pensei para comigo já o posso fazer sozinho, mas nunca cheguei a concretizar a minha ideia porque nunca ninguém me confiou o barco para eu poder experimentar e bem, porque senão ia parar ao meio dos salgueiros levado pela corrente do rio.
Lisboa, 19 de janeiro de 2015
Henrique Pratas
Documento do exame da 4ª classe »»
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