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Memórias (6)

16-01-2015 - Henrique Pratas

Entretanto chegou a altura como se dizia na altura para entrar para o Ensino Oficial, face à experiência estava uma tanto céptico mas como não havia volta a dar lá vai o rapaz no primeiro dia de escola de bata branca com o nome gravado no lado esquerdo da bata, acompanhado da mãe e lembro-me que nesse dia éramos muitos e aí veio de novo à tona, isto vai ser uma brincadeira pegada. Na minha Escola da Instrução Primária, situada na Praça do Ultramar, hoje Novas Nações, porque nós vivíamos no designado Bairro do Ultramar, hoje Novas Nações, acompanhado pela minha mãe os meninos não podiam entrar enquanto não fossem chamados pelo seu nome esperei, mas fui reparando que as meninas tinham uma outra escola igual à nossa mas do lado esquerdo de quem entra e que ao meio havia um muro que separava rapazes e raparigas, achei estranho, não percebi, mas se era assim era porque alguém queria que fosse assim, fiquei logo a pensar porquê, não entendia.

Quando chamaram o meu nome lá fui eu, separei-me da minha mãe e entrei na escola e estranhei logo eu que estava habituado a ser tratado com alguma delicadeza, consideração e de forma afável, comecei logo a ser tratados aos gritos por uma continua que tinha a reputação e que se orgulhava da maneira de ser, austera, rude e assim que não cumpríssemos de acordo com o que ela achava correcto, vá de vardascada nas pernas, comecei a não gostar da coisa, depois fui metido dentro de uma sala de aulas, entrámos um por um e pelos nomes, esperava que tivesses algum professor dentro da sala de aulas, mas não estava, tivemos que receber ali logo as noções básicas e impostas de como nos deveríamos comportar numa sala de aulas e com o professor, comecei a minha vida a entrar para trás, mas não tinha outro remédio tive que aguentar.

Da minha descrição já devem ter inferido que não fui rapaz de ficar fechado muito tempo, sempre fui habituado a andar à solta tinha sido até aí livre como os pássaros.

Bem entretanto o professor chega e como nos tinham dito levantámo-nos todos e só após a ordem do professor nos voltámos a sentar e lá iniciámos o nosso processo de aprendizagem tendo em conta o método utilizado há época se não vai a bem vai a mal. Foi-nos apresentada menina dos sete olhos e o ponteiro que viriam a fazer estragos e alguns danos colaterais de efeito desastroso.

A disciplina era mais do que muita não podíamos falar uns com os outros não nos podíamos ajudar dentro das aulas, isto estava ficar mau como o tempo para o recreio demorasse, cá o rapaz que já se estava a sentir preso há muito tempo, coisa a que não estava habituado, muito menos a uma disciplina férrea, pensou à é querem guerra vão tê-la. Levantei-me sem autorização do professor, o que de imediato me conferiu o direito de levar umas reguadas e vá de tentar sair da sala de aulas, mas a porta estava fechada à chave e a minha saída ficou vedada imediatamente, não contente com isso comecei aos pontapés à porta pois não estava habituado a portas fechadas, chorei baba e ranho e não parei de dar pontapés na porta, por causa de isso privei-me a mim e aos meus colegas de infortúnio do merecido recreio, mas não desarmei, continuei a chorar e a dar violentos pontapés na porta, mas nada me valeu, fiquei assim até ao final do dia, e quando tocou para a saída fui impedido de o fazer todos os outros saíram menos eu. Assisti à saída de todos os rapazes que tinham entrado para a escola nesse dia e fui o último a sair, que situação mais humilhante, aprendi da pior maneira as novas regras que não eram conversadas ou consensualizadas se quiserem, eram simplesmente impostas.

Quando saí a minha mãe estava à minha espera, para me levar para casa, já sabia do que se tinha passado, o seu menino tinha esperneado por tudo quanto era sítio, confirmou-se a experiência traumática que outrora tinha tido a Escola não era o que eu pensava.

A minha mão com a sua paciência lá me foi explicando o que era susceptível de ser explicado, mas eu cabeça dura como era e que sou não queria que a escola fosse assim, queria uma local simpático, com um professor disponível, conhecedor e que respondesse às questões postas pelos alunos era assim que entendia o ensino, um local aprazível onde os meninos iam aprender, conhecer, adquirir novas experiências e conhecimentos de uma forma interactiva. Nada disto a minha mãe explicou-me tudo como era e não era e eu com ela sempre lhe fui perguntando porque é que as coisas não são diferentes, ela poucas ou nenhumas respostas me deu, as coisas eram assim ponto final.

Sempre tive uma grande dificuldade em aceitar as coisas desta maneira é assim porque sim, mas não podia fazer nada perante esta realidade teria que arranjar a melhor forma de passar pela Instrução Primária.

Ah, não vos contei mas chegado a casa e depois de ter conversado com a minha mãe, estávamos em outubro de 1962, ainda era dia e como estava furioso pedi à minha mãe par ir à rua, como a escola ficasse a 50 metros de casa se tanto, meti uma fisga no bolso e zumba vá de partir uns três vidros da escola, não sabia eu o que estava a arranjar.

Voltei para casa vingado, satisfeito, mal sabia o que me esperava, no dia seguinte a ida à escola obrigatória correu nos moldes do dia anterior como se iria repetir até completar a 4ª classe, os meninos foram entrando e canalizados para as diferentes salas de aulas e a primeira ocorrência foi os contínuos passarem por todas as salas de aulas a perguntar quem é que tinha partido os vidros da escola os outros não sabiam quem tinha sido e calaram-se, eu que sabia muito bem o que tinha feito calei-me que nem um rato e fiz o ar mais desentendido do que se pretendia saber, apurar quem tinha partido os vidros ninguém disse nada e eu muito menos.

Sentença, enquanto não se soubesse quem tinha partido os vidros ficávamos todos impedidos de ir ao recreio, quero dizer que as aulas não teriam interrupção nenhuma para espalharmos a nossa energia até que o acusador de tais danos se denunciasse. Pensei para comigo lixei os meus colegas, fiquei com um peso na consciência mas não podia dar o flanco, havia que aguentar e cara alegre que tristezas não pagam dívidas, nem resolvem a situação, temi que me denunciassem, poeria ter sido visto por alguém a praticar tais actos, andei uns dias com o rabinho entre as pernas mas dar o passo em frente está quieto.

Passou uma semana e nada e nós sem recreio e eu pensei isto vai ser o inferno, entretanto esta cabecinha pensante e bem visto pela vizinhança vá de influenciar o padeiro, que possuía uma padaria com forno a lenha, onde diariamente iam descarregar lenha pela madrugada, no sentido de ir à escola dizer que tinha passado ali os dias e que não se tinha apercebido que nada tivesses acontecido vendo do exterior que provavelmente os vidros se tinham partido por razões que decorriam da dilatação das madeiras e que através da compressão realizada nos vidros estes tivessem estalado.

Como gozava de boa reputação e ninguém acreditava que eu pudesse ter feito uma coisa como a que retracto, o testemunho do padeiro foi decisivo e na semana seguinte iniciou-se o nosso momento de liberdade o recreio.

Tinha sido convincente e o padeiro tinha sido solidário comigo, não me denunciou e ajudou-me a solucionar o problema que tinha criado.

Independentemente de ser muito rebelde, eu era respeitado por toda a gente, porque falava com todos cumprimentava-os e ajudava-os quando era necessário, isto permitia-me fazer tudo ou quase tudo porque ninguém acreditava que tivesse sido eu que praticasse tais actos, gozava de imunidade popular.

Lisboa, 2 de janeiro de 2015

Henrique Pratas

 

 

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