O Estado Imperfeito
15-11-2013 - Humberto Neves
O que conhecemos de Estado Mínimo (ou liberal) e de Estado Providência (ou social) baseia-se em concepções teóricas criadas ao longo dos tempos e que foram postas em prática, com maiores ou menores adaptações. T rata-se de «abordagens normativas» [1] que, por vezes, não correspondem à realidade dos factos. A questão que se coloca é saber se os Estados visam sempre o interesse público ou se, com o poder coercivo que detêm (principalmente na cobrança de impostos), se podem transformar em “monstros” que necessitam cada vez mais de recursos financeiros para se satisfazerem a si próprios.
Um dos exemplos de Estado Imperfeito é o Estado Leviatã, preconizado pelo filósofo inglês Thomas Hobbes na obra Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil, publicada em 1651, e que é considerada como precursora do contrato social abordado mais tarde por John Locke e por Jean-Jacques Rosseau. Hobbes parte do princípio de que, sendo o egoísmo uma característica humana e que todos os homens competem entre si, é necessário a existência de um “contrato social” que assegure a existência de paz e que deve ser uma pessoa ou um grupo de pessoas a zelarem para que o mesmo seja cumprido, punindo quem não o faça, exercendo, assim, uma função de soberania.
No entanto, a análise que Hobbes faz do papel do soberano (ou do Estado) leva-o a concluir que essa personagem terá a tendência para possuir cada vez mais poderes, tornando-se num “monstro” que cresce sem parar, às custas dos impostos pagos pelos cidadãos. Esta visão de Hobbes, ainda que levada ao extremo, assemelha-se em muito ao que se tem vindo a assistir nos últimos tempos. Aliás, já desde os anos 70 do século XX que alguns economistas preconizaram uma versão mais moderada da teoria de Hobbes.
A teoria da Escolha Pública deriva da forma como o processo político funciona, partindo do princípio que os indivíduos nele envolvido procuram satisfazer os seus próprios interesses, ocorrendo, assim, falhas de governo: (i) a atribuição de benefícios fiscais a determinados agentes económicos irá provocar que outros agentes económicos procurem usufruir desses benefícios (rent seeking ou teoria da procura de rendas); (ii) os executores políticos não deterem toda a informação sobre como os dinheiros públicos devem ser gastos eficazmente pela administração pública (teoria da burocracia); (iii) as decisões políticas estarem dependentes de ciclos eleitorais, o que originará uma gestão da economia em função desses mesmos ciclos e não da função estabilização; e (iv) a participação em eleições dos adultos de agora implicarem escolhas públicas que redundem em défices que serão pagos pelas gerações vindouras e que não tiveram participação eleitoral [2].
A teoria da Escolha Pública, enquanto corrente de pensamento, encontra-se nos antípodas da economia do bem-estar, traduzida pelo modelo de Estado Providência. Enquanto esta última defende a intervenção do Estado na economia como forma de colmatar as falhas de mercado, a primeira pretende clarificar “os fracassos de governo” e os limites da intervenção desse mesmo Estado .
O chamado Estado Imperfeito deriva, assim, do facto dos Estados deterem o monopólio «com poderes exclusivos de tributação, de emissão de licenças, de regulação da competição» [3] existindo, ainda, a possibilidade das maiorias eleitas democraticamente nem sempre zelarem pelo interesse comum. Isto irá levar a que os Estados usem do poder tributário que detêm para cobrarem cada vez mais impostos.
Perante estas evidências, vários economistas defendem a instituição de «restrições de natureza constitucional» que limitem, tanto a dívida pública como o défice orçamental, evitando «a tomada de decisão discricionária pelos poderes públicos» [4] . Esta posição assenta que nem uma luva na teoria do Constitucionalismo Financeiro e que, ultimamente, tem sido defendida por alguns políticos europeus como forma de colocar um travão à deterioração orçamental que afecta os países a Zona Euro. Estes autores recuperam, ainda, a ideia de Hobbes de um contrato social a celebrar entre os cidadãos e os Estados, em que haveriam cedências de parte a parte.
[1] Pereira, P., Afonso, A., Arcanjo, M., & Santos, J. C. (2009). Economia e Finanças Públicas (3ª ed.). Escolar Editora, p. 28. [2] idem, p. 32. [3] Ibidem, p. 31. [4] Ibidem, p. 31.
Humberto Neves
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