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O muro de Berlim

14-11-2014 - João Vasconcelos-Costa

A comunicação social celebrou estridentemente a derrota do campo soviético na guerra fria, iniciada, simbolicamente, com a queda do muro de Berlim. Começando por declarar interesses, não sou simpatizante da forma burocratizada de socialismo que se vivia, negando o humanismo marxista que continua a guiar-me. Também que, apesar disso, me desgosta ainda mais o mundo unipolar que os EUA, a NATO e o capitalismo neoliberal conseguiram impor. Que, hoje, alguma resistência contra o imperialismo seja protagonizada por políticos, como Putin, distantes dos valores que perfilho (mas é a política!).

Nestes dias, tem sido difundida uma posição oficial do PCP, publicada no Avante. Creio que, historicamente, e principalmente em relação à vitória “ocidental” na guerra fria, está correcta. No entanto, principalmente pelo estilo, dá azo a muitas críticas. A linguagem é velha e saudosista e recorre a alguns chavões que, mesmo que eventualmente correctos, não pegam em relação a tanta gente matraqueada em sentido oposto. O PCP continua fechado numa linguagem de “langue de bois”.

Veja-se só um exemplo, sempre antes repetido à exaustão: o muro foi erguido para defender Berlim/RDA das provocações e acções de espionagem por parte dos aliados ocidentais. Claro que a resposta de contra propaganda foi óbvia e conquistou as pessoas: o muro foi erguido para impedir os milhares de alemães de leste "amantes da liberdade" de fugirem para o ocidente (como se não houvesse milhares de quilómetros de fronteira menos defendida, fora de Berlim).

Para mim, tenho como mais provável que o muro foi só uma jogada menor, de disposição de peças, num jogo de xadrez de que Berlim era o tabuleiro (até para conversações secretas e troca de espiões).

Outra passagem notável do artigo do Avante afirma que “manifestações, nomeadamente em Leipzig, que na sua essência reclamavam o aperfeiçoamento do socialismo e não a sua destruição, ganhassem a dinâmica contra-revolucionária que conduziu à precipitação dos acontecimentos e à anexação forçada da RDA pelo governo de Helmut Kohl.” Para mim, é talvez a mais discutível das afirmações deste texto do PCP. Nada a sustenta. Aceitemos, mas com muitas dúvidas minhas, que os levantamentos populares (mas com infiltração CIA/fascismo local) da RDA em 1953, da Hungria em 1956 e da Polónia de 1981 (o da Checoslováquia de 68 é radicalmente diferente, impulsionado pelo partido) defendem o aperfeiçoamento do socialismo tal como estava estabelecido segundo o modelo soviético.

Em 1989 nada indica um desejo de aperfeiçoamento, mas sim de rotura. Quem andou por esses países, quem encontrava por cá muitos dos seus cidadãos, sentia uma descrença profunda e, pior, o domínio ideológico do adversário em relação aos valores de vida e ao formato da democracia, para além do que agora é tão sentido entre nós, o domínio e o privilégio de uma burocracia dominadora do estado (se fosse militante do Podemos escreveria “a casta”).

É verdade que Cunhal, num congresso do PCP, fez uma análise brilhante da crise final do sistema soviético (mas sem aprofundar as suas raízes no estalinismo). Mas, depois disso, o PCP voltou a embrulhar-se ideologicamente, a ponto de tolerar expressões de neoestalinismo.

O PCP diz também que “não esquece que o povo português encontrou sempre na RDA e no Partido Socialista Unificado da Alemanha (PSUA) solidariedade para com a sua luta contra o fascismo e para com a Revolução de Abril”. Quanto a isto, estou plenamente de acordo. A gratidão ainda é parte do carácter.

João Vasconcelos-Costa

Fonte: moleskine

 

 

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