DOS ALVORES DO ESTADO NOVO À NOVA DEMOCRACIA
25-07-2025 - Pedro Pereira
No pretérito dia 28 do mês de Maio, cumpriram-se 99 anos em que teve lugar uma sublevação a partir de Braga, chefiada pelo General Gomes da Costa, herói nacional, que marchou com as suas tropas até Lisboa e instaurou uma ditadura militar que abriu caminho à ditadura do Estado Novo salazarista, consolidado em 1933.
Ironicamente, os militares acabaram com a 1ª República, da qual haviam sido progenitores juntamente com a maioria do povo, em 5 de Outubro de 1910.
A passagem de um regime formalmente democrático, para uma ditadura, haveria necessariamente de causar – como causou – sérias convulsões na sociedade portuguesa.
O novo regime era pai, porque proteccionista, mas autoritário, porque os “filhos” só faziam aquilo que o “pai” deixava ou queria que fizessem. A falta de liberdade nos seus múltiplos aspectos: censura, cerceamento das liberdades cívicas, de criação, etc., com os seus limites bem definidos, transmitiam, contraditoriamente, um forte sentimento de segurança, no sentido em que tudo se aparentava imutável. Será com a morte do pai do regime – Salazar – que irão surgir elementos perturbadores na paz podre.
O seu sucessor, Marcelo Caetano, um intelectual, professor universitário, de uma geração mais nova, com menos pulso que o seu antecessor, rodeado pelos ultras do regime, não foi capaz de aguentar a nau tormentosa em que Portugal se havia tornado, com uma guerra colonial em três frentes (Angola, Moçambique e Guiné) agravada por uma crise económica mundial iniciada em 1973, nem tão pouco compreender ou ter tido a coragem de empreender as reformas profundas que urgiam ser feitas.
O regime estava velho, caduco, tal como os seus chefes, mas quem dava o corpo por eles, pelo regime, eram os jovens nas três frentes de combate em Angola, Moçambique e Guiné. Os refratários, aqueles que eram apanhados em fuga ao serviço militar obrigatório, ou os que desertavam quando eram mobilizados para o Ultramar, esperava-os, quando eram apanhados pelas autoridades policiais, os campos correccionais - ou de concentração? - em Elvas ou Penamacor, hoje, propositadamente (?) esquecidos. Os que logravam dar o salto com sucesso além dos Pirenéus, escapavam a um destino mais que incerto, nebuloso.
E a solução não se vislumbrava. Era uma luta sem brilho nem glória, tão só: triste, amarga, envergonhada. Uns quantos milhares de homens, lá por África, tombaram para sempre. Muitos mais, regressaram estropiados do corpo e da mente. Quantas mães ficaram sem filhos, quantas noivas por casar, quantas viúvas sem marido e quantos filhos sem pai ficaram.
De forma estranha, porque havia entrado na Primavera, o velho regime caiu de maduro como se fora Outono, no dia 25 de Abril de 1974. A sua rendição formal sucedeu no Quartel da GNR no Carmo, em Lisboa. Assemelhou-se a um acto de opereta. Cercados por uns quantos militares mal municiados, muitos deles sem recruta feita, montados em velhos carros de combate datados da 2ª Grande Guerra Mundial, armados de canhões e metralhadoras obsoletos, os dignitários do regime renderam-se sem muita dignidade – diga-se de passagem - com excepção do seu chefe, Marcelo Caetano, que fez questão de passar o seu poder ao General António de Spínola.
O Estado Novo caía de podre, de velhice senil. A maior parte dos pides (os agentes da polícia política) recolhiam à prisão, reclamando-se de vítimas, pois se afinal até eram todos “escriturários e por isso, nunca tinham perseguido nenhum cidadão!”.
No Ultramar, as tropas recusavam-se a combater sem objectivos.
As de cá, na metrópole, furtavam-se a rendê-las. Depois, foi a «descolonização exemplar» que se sabe: - Um desastre, uma calamidade que ficará registada, como das nódoas mais vergonhosas nos anais da História de Portugal, quer para os que viviam nos territórios ultramarinos - negros, brancos, e demais etnias - quer para os militares revolucionários e outros “descolonizadores”.
Cinquenta e um anos se passaram. Muitos daqueles a quem os primeiros-ministros da ditadura - António Salazar ou Marcelo Caetano - não reconheceriam competência sequer para lhes engraxar os sapatos, são hoje dignitários do novel regime democrático. Os capitães de Abril acabaram, na sua maior parte, triturados – e alguns maltratados - pela engrenagem da História. Vários pides famosos, com o tempo, viram reconhecidos pelos governos democráticos que se seguiram, à sua destacada actividade profissional no anterior regime, de que é exemplo um ex-inspector que, de acordo com o noticiado no jornal Público de 16 de Abril de 1992, passou a receber uma pensão por «serviços excepcionais e relevantes prestados ao país». Enquanto o mais lídimo e puro representante dos capitães e dos ideais de Abril (Capitão Salgueiro Maia), pouco antes do seu falecimento, após solicitação ao governo da Nação, viu ser-lhe negada essa justa distinção.
Porém, um facto é certo: nada voltará a ser como antes. O Portugal de hoje não é mais o de ontem, antes é, um país mais desenvolvido, no entanto, atascado numa preocupante crise social, económica, política, de princípios éticos e de valores sem fim à vista.
Um país com assimetrias sociais mais profundas do que em 1974, espelhadas numa classe de novos-ricos, incomensuravelmente muito mais numerosa do que no antigo regime, e onde a corrupção campeia.
A liberdade de expressão e de escrita (pese embora não exista uma censura oficial) encontram-se a caminho dos índices de repressão que vigorou até 1974. Enquanto até essa data existia a censura prévia oficial, hoje, existem outras formas de censura, encapotadas, mais sofisticadas… Em nome da democracia. Que o digam os jornalistas sérios, porque os há mercenários e não são poucos, acoitados nos grandes órgãos de comunicação social.
O golpe de Estado militar de 25 de Abril de 1974, assemelhou-se, de certo modo – mau grado as comparações - ao golpe militar de 28 de Maio de 1926, porque, tal como então, o golpe militar de Abril contou com o apoio das classes intermédias e até da classe operária; operários industriais e assalariados agrícolas.
Como seja, a História se encarregará de enaltecer os seus heróis, enquanto que os nomes de todos os políticos de pacotilha e quejandos que têm pululado desde então até hoje, espezinhando a vida e o país como elefantes em lojas de porcelana, acabarão, irremediavelmente, diluídos no limbo dos tempos vindouros, sem direito sequer, a uma nota de rodapé num livro de História de Portugal.
Pedro Pereira
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