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Segunda-feira 29 de Abril de 2024  
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Vai à cunha a carroça de Dom Martelo.

12-04-2024 - Francisco Pereira

Naquela solarenga tarde, seguia Dom Martelo ensimesmado com os seus botões, a caminho da praia da Cascalheira onde gostava de se banhar, estava então mui clara a tarde, antes estava era uma torreira dos demónios, era estio profundo e nem os sacripantas dos volantes dos telhados se arriscavam a queimar as remiges naquele braseiro, quedavam-se pois escondidos no remanso ocioso da benéfica sombra dos salgueiros. O muar seguia em passo ronceiro, provocando um embalo que fazia com que Dom Martelo de quando em vez soltasse um bocejo enfastiado, - ah ainda bem que trouxe este largo chapeirão – pensava pra consigo Dom Martelo – com este braseiro ainda apanhava uma insolação na moleirinha e teria de ir logo ver o boticário Real para me dar algo, Dom Martelo era conhecido pela sua hipocondria persistente, o homem não podia dar um espirro que ia logo a correr à botica aviar uns unguentos, umas purgas e ou umas beberagens quaisquer, fazer o quê!

Seguia então Dom Martelo neste manso passo, quando lhe saiu ao caminho um pagem real, o Lacerda, o secretário do Real Boticário, vindo de um pequeno atalho, o homem surgiu do nada, todo descomposto com as penas do chapéu de veludo preto em completo desalinho, ofegante e mais encarnado que um tomate chucha.

- Majestade, majestade – gritou o Lacerda com a voz ofegante – majestade, atentai por favor…- grita o esbaforido pajem enquanto Dom Martelo puxa as rédeas à mula ronceira, indagando pelos porquês daquela emboscada. É que pode ter havido uma gafe, diz-lhe o pajem, acabrunhado, cofiando o chapéu enquanto desarranja ainda mais as plumas.

- Gafe, mas que gafe, com milhões de sacarrabos homem, que raio está vossa mercê para aí a algaraviar?

O coitado do Lacerda, um mero barbeiro sangrador, não sabia onde se meter, começou pelo início da narrativa, ao que parece, o príncipe Dom Beltrão Baltazar, terá dito a uns seus amigos lá das terras da Veracruz, que iria – falá com papai – o príncipe que andava por aqueles lados há décadas, já tinha apanhado no seu linguajar aquele sotaque doce dos trópicos – mas falar com papai o quê? Não querem lá ver mais esta, não me basta o grão-vizir a fazer das dele, agora ainda mais este! - lamentava-se Dom Martelo, enquanto a mula ruça trilhava umas azedas empoeiradas para matar o fastio.

Ao que parece Dom Beltrão Baltazar terá enviado umas cartas para que o real serviço dos passaportes, fizesse a burocracia andar mais depressa para conceder a titularidade de cidadão deste Reino, a umas crianças, filhas de uns amigalhaços lá da terra da cachaça, crianças essas que posteriormente seriam tratadas pelos serviços gerais de saúde do Reino.

- O pior sua majestade é que parece que já me implicaram a mim – diz choroso Lacerda o real pajem. Se bem que o próprio tivesse chutada a responsabilidade para a aia, Dona Aldegundes, que secretariava a Real Botica.

- E eu que não me lembro do meu filho ter falado comigo – disse Dom Martelo, piscando o olho ao bisonho Lacerda, isto porque Dom Martelo bem sabia que os espiões estavam por toda a parte e a malta dos jornais, essas pestes, estavam sempre de atalaia a ver se davam com alguma galfarrice.

- Tendes mácula no olho vossa majestade – inquire o Lacerda – talvez possa preparar um unguento que lhe aplaque a maleita. - Valha-me São Anacleto Prestamista – pensou suspirando Dom Martelo, aquele pajem era pior que um asno e mais asno que o dito, ele ali a fazer de conta que se tinha esquecido do pedido do príncipe que ele havia encaminhando encapotadamente para o Real Boticário, naquilo que for mais uma, triste e sem pudor, cunha.

Não teriam, o poveco, a sociedade, os três estados até, de estar podres. Não teria o próprio Reino de estar malsão, carcomido, bafiento e trilhado pela verrumosa bandalheira, quando viam que as elites a começar pelo próprio Monarca se davam ao despautério de recorrer a coisas tão miserentas como seja a “cunha”, a mais torpe e miseranda instituição deste Reino, que punha em causa tudo o que sejam preceitos de Democracia, de ética e de deontologia, mais medíocre que isto não existia, e ele Dom Martelo era a peça chave desta “cunha”, apesar de tentar de tudo para que o rabo não lhe aparece-se, cada vez mais se percebia, que podre está o Reino onde até o Rei promove “cunhas”.

Ia assim à “cunha” a carroça de Dom Martelo, mas não temam, o povo é sereno, como dizia o outro, para não dizer que é manso. E assim vai este Reino do Disparate.

Francisco Pereira

 

 

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