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BAIXA POLÍTICA E JUSTIÇA ESPECTÁCULO

21-07-2023 - Francisco Garcia dos Santos

Á hora de fecho da edição deste jornal quase coincidirá com o final do debate parlamentar sobre o estado da Nação, no qual se vão enfrentar o Governo -mais propriamente o Primeiro-Ministro António Costa- e os partidos da Oposição, já que o PS e sua maioria absoluta na Assembleia da República “não conta”, pois é o suporte do Executivo e, como diz o povo, apenas lhe pode “tecer loas”; depoisa reunião do Conselho de Estado, por avisada decisão do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, só ocorrerá no dia seguinte ao daquela sessão plenária do Parlamento, ou seja, quando o jornal já estará publicado e disponível para os leitores. Deste modo não é viável escrever algo sobre esses dois importantíssimos momentos políticos, porém poder-se-á apreciar dois assuntos de natureza política e judicial ocorridos na semana passada, aliás ambos muito mediáticos e polémicos.

BAIXA POLÍTICA – Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão política da TAP

Como é sabido, esta Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) teve por objectivo investigar e apurar responsabilidades profissionais e políticas de membros do Governo na gestão da TAP desde a sua renacionalização até ao presente, tudo durante os governos liderados por António Costa. É bom recordar que esta renacionalização e gestão pública de tal companhia aérea já custou aos contribuintes portugueses mais de três mil milhões de Euros, sendo que desde a verba astronómica paga ao investidor privado David Neeleman pela compra da sua posição acionista pelo Estado até à indemnização de meio milhão de Euros recebida por uma ex-administradora da mesma, passando pela aquisição (depois anulada) de uma frota de automóveis de “luxo” para administradores e directores, bem como a reunião da ex-Presidente do Conselho de Administração com o Grupo Parlamentar do PS, a “convite” do Ministro Galamba, ocorrida na véspera da sua audição na CPI, suspeitando-se que tal ocorrência tivesse por fim “afinar” as suas respostas com os deputados do partido do Governo. Tudo isto, entre outros aspectos, altamente polémico, edirecta ou indirectamente da responsabilidade de membros dos governos socialistas de Costa. Por fim, ainda houve o recambolescocaso do alegado “roubo” do computador de serviço do ex-assessor do Ministro das Infraestruturas João Galamba e sua recuperação a altas horas da noite por um agente do “secreto” SIS (Serviço de Informações de Segurança) mobilizado pelo dito Ministro ou por alguém por ele, com alegado conhecimento do próprio Primeiro Ministro; mas também a oportuna perda de memória do ex-Ministro Pedro Nuno Santos, antecessor de Galamba naquela “pasta”, e alegado desconhecimento do Ministro das Finanças Fernando Medina, ambos no que concerne ao pagamento da milionária indemnização à dita ex-administradora da TAP. A “cereja encima do bolo” foi a declaração oficial do Presidente da República perante as tvs manifestando não ter João Galamba condições políticas para continuar no exercício das suas funções ministeriais, mas que Costa persistiu em manter no Governo. De notar que a tutela política da TAP compete simultaneamente aos Ministros das Infraestruturas e das Finanças.

Após centenas de horas de audições públicas de muitas pessoas directa ou indirectamente ligadas à gestão profissional e política da TAP pela CPI, a deputada socialista que elaborou o respectivo Relatório, não obstante múltiplas críticas de toda a Oposição e propostas de alteração do texto inicial por parte de alguns partidos da mesma, sobretudo do PCP, o derradeiro texto do mesmoomitiu declarações e factos comprometedores para o Governo, procurando assim“branquear” e “limpar”a actuação e imagem governamental, culminando com a sua aprovação apenas pelos deputados do PS e votos contra de todos os demais partidos.

Ora, se isto não é baixa política, reveladora do cada vez mais irregular funcionamento das instituições democráticas pela acção de Costa, seu Governo e maioria absoluta “asfixiante” do PS na Assembleia da República, apelidada por vários e insuspeitos comentadores políticos de “rolo compressor socialista”, então o que será!?

JUSTIÇA ESPECTÁCULO – Buscas por parte do Ministério Público e da Polícia Judiciária

Foi com grande surpresa que se assistiu em directo nas tvs às buscas por procuradores do Ministério Público e de inspectores da Polícia Judiciária na residência pessoal de Rui Rio no Porto e, sobretudo, na sede nacional do PSD em Lisboa (entre outros locais) por alegadas suspeitas da prática de crimes de abuso de poder e de peculato, ou seja, em linguagem comum, “desvio” ilícito de dinheiros públicos destinados ao pagamento de vencimentos de assessores do respectivo Grupo Parlamentar da Assembleia da República para o Partido pagar a outros seus colaboradores trabalhadores por conta de outrem, isto é, seus assalariados.

A novidade desta justiça espectáculonão é o facto de antes das diligências judiciais, que, nos termos da lei, supostamente deveriam ser sigilosas, pelo menos quanto ao seu início, os meios de comunicação social, mormente as tvs, já se encontrarem nos locais onde as mesmas tiveram lugar, o que infelizmente é há muito uma prática reiterada sempre que os visados são figuras públicas, sejam da esfera económico-empresarial, do mundo da política ou pessoas colectivas (empresas, ipss, clubes de futebol, etc.) conhecidas da generalidade dos cidadãos, independentemente de o serem a nível nacional, regional ou local. E isto já para não mencionar a constante violação de segredo de justiça, o que é crime (artigo 383º do Código Penal), “saindo” nos meios de comunicação social cópias dos processos de inquérito, sendo que nem os advogados dos arguidos podem aceder a grande parte do teor dos mesmos enquanto estiverem em curso, mas sim juízes de instrução, procuradores do Ministério Público, funcionários judiciais encarregues deles estão encarregues e membros de órgãos de polícia criminal neles envolvidos, mas sempre sem apuramento de responsabilidades e consequências para quem comete tal crime. Antes,a “novidade” consiste no facto de o principal alvo de buscas ter sido a sede nacional de um dos dois maiores partidos políticos, hoje na Oposição, como é o PSD, que alterna no Poder com o PS.

Esta prática, para além de alimentar sentimentos mórbidos da populaça,e contribuir para o aumento de audiências de estações televisivas e de leitores da imprensa, tantas e tantas vezes desviando as atenções de assuntos políticos verdadeiramente relevantes para os cidadãos, também levam, o que é muito mais grave, a prévios “julgamentos e condenações em praça pública” e a “assassinatos de carácter”. Por fim, não raras vezes, tal prática visa“afagar egos” e alcançar protagonismos por parte dealguns magistrados que dirigem e/ou tutelam as investigações. De notar que, por vezes, essas investigações mediáticas acabam sem que nada se descubra ou prove como ilegal e criminoso, culminando no arquivamento dos inquéritos ou na absolvição dos arguidos após julgamento e trânsito em julgado da decisão judicial, ou seja, definitiva -veja-se, por exemplo, o famoso processo do “furto de armas do paiol de Tancos”, em que em sede de recurso o Tribunal da Relação de Évora absolveu todos os arguidos com fundamento na obtenção ilegal de provas pelo Ministério Público, o que, nos termos legais, torna as mesmas nulas e sem nenhum efeito; mas entretanto o então Ministro da Defesa Nacional teve de se demitir, o então Director da Polícia Judiciária Militar e outros arguidos foram sujeitos a prisão preventiva, e por último o pedido de passagem à reserva de oficiais generais do Exército e da própria demissão (a seu pedido) do então Chefe do Estado-Maior deste Ramo das Forças Armadas, o que definitivamente não só prejudicou as respectivas “imagens” perante a opinião pública, como, pior ainda, as respectivas carreiras em termos políticos e profissionais.

Ainda quanto a buscas por parte de juízes de instrução, procuradores do Ministério Público e de inspectores da Polícia Judiciária ou da Autoridade Tributária, não podem deixar de se referir as cada vez mais frequentes efectuadas a escritórios de advogados sempre que aqueles não conseguem obter material probatório pelas vias normais relativamente a suspeitos clientes destes últimos. Como a lei não permite tais buscas devido ao sigilo profissional a que os advogados, tal como os médicos (entre outros), estão sujeitos pelos Estatutos das respectivas Ordens Profissionais, que são leis da Assembleia da República, então, para tornear a lei, os primeiros são indiciados e constituídos arguidos pela “suspeita” da prática de um aleatório e hipotético crime, o que permite a realização das mesmas nos seus escritórios, apenas visando a eventual obtenção de prova incriminatória dos seus clientes, sendo que na esmagadora maioria dos casos os advogados vêem os respectivos processos de inquérito criminal liminarmente arquivados pelo Ministério Público.

Tal como estabelece o artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, designado por “Princípio da igualdade”, e cita-se, “…todos são iguais perante a lei…”. Mas também a mesma Constituição consagra o princípio da legalidadee o da proporcionalidademediante a conjugação do prescrito em alguns dos seus artigos, como por exemplo os 18º a 22º, sendo que no nº 3 do artigo 20º está expressamente previsto o “segredo de justiça”.

Portanto, por este motivo, mas também por outros, como o referido caso das buscas em escritórios de advogados, muito bem esteve Rui Rio na entrevista que deu a uma estação televisiva quando alertou para o perigo duma judicializaçãodo sistema político democrático pluralista e para a urgente necessidade duma verdadeira reforma da Justiça latu senso. Mas também o actual Presidente do PSD Luís Montenegro se insurgiu contra a desproporcionalidade das buscas, dirigindo uma carta/exposição à Procuradora-Geral da República que tutela hierarquicamente os procuradores do Ministério Público, a qual se viu obrigada a efectuar um comunicado dizendo que iria apreciar o assunto; e ainda Pedro Santana Lopes, que há alguns anos deixou de ser militante do PSD, “saiu a terreiro” para dizer que ninguém está acima da lei e que, cita-se de memória, “…não há ´vacas sagradas´, mesmo nas Magistraturas ou na Justiça, sob pena de grave violação dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos” consagrados na Constituição da República Portuguesa.

Agora, se tais práticas ocorrem contra pessoas com importância e visibilidade pública e ou social, atingindo já um dos maiores partidos fundadores desta III República democrática e pluralista, imagine-se o que se passará relativamente ao mais incógnito cidadão comum sob a “capa do silêncio” mediático…

Assim, quer quanto à “baixa política”, como no que respeita à “justiça espectáculo”, será bom que pensemos seriamente, a começar por todos os dirigentes políticos, e se aja em consequência, sob pena de, caso nada seja feito, ser o próprio regime republicano democrático pluralista se desmoronar.

Francisco Garcia dos Santos

 

 

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