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Termina a vida e começa a sobrevivência.

21-07-2023 - Maria do Carmo Vieira

Roma, Florença, Bolonha vivem entre 40 e 44 graus Celsius, nestes últimos dias, na Sicília anuncia-se 48, temperaturas nunca vistas e sentidas, em Itália e não só, situação que se repete noutros países da Europa e noutros continentes. Mas continuamos a ouvir medusados a triste ignorância da extrema-direita madrilena, por exemplo, e outros por esse mundo fora, inclusive Portugal, que menorizam o indesmentível caos climático fruto da perfeita aliança entre extrema ignorância e desmedida ambição. Por alguma razão o Homem se tem distanciado da Natureza como se não a integrasse, como se dela não fizesse parte, orgulhando-se de a encarar como adversário a defrontar, em nome do seu famigerado progresso que nos conduz alegremente para o abismo.

Dizer que a «Natureza está zangada» parece-me demasiado ligeiro, tendo em conta o volume de acontecimentos inesperados e de considerável dimensão que regularmente vão acontecendo. Não está «zangada», mas profundamente desequilibrada, desorientada com tanta variedade de mudanças rápidas que o Homem na sua voracidade destrutiva ocasiona. Nessa acção predadora, ignora-se a voz da razão e do conhecimento, troçando-se vilmente das contínuas preocupações de cientistas que anunciam a catástrofe, em maiúscula, que, aliás, se tem vindo a manifestar em diversos ensaios: secas, temperaturas excessivamente altas, incêndios de dimensão gigantesca, desertificação, falta de água, chuvas de intensidade excessiva e consequentes inundações diluvianas, diminuição da produção agrícola e de terrenos férteis. Tudo isto faz parte da experiência de qualquer um de nós, soframo-la ou não directamente, mas a dureza de ouvido de políticos de todo o mundo e os blá-blá-blá de quem finge fazer e intervir neste caos são superlativamente flagrantes.

E vejamos em Portugal: destruição da biodiversidade, bem expressa na desfiguração de serras (a de Carnaxide é um exemplo), culturas já não só «intensivas», mas designadas de «super-intensivas», proliferação de campos de golfe em lugares onde a água escasseia ou começa a escassear, construção em terrenos impróprios, sobre leitos de cheia de rios e de ribeiras ou sobre terrenos férteis, a não opção pela floresta de árvores autóctones, mais de acordo com o ambiente, ou o seu criminoso adiamento privilegiando eucaliptos e pinheiros, e um sem fim de exemplos que grassam de Norte a Sul, tudo em nome da Economia e do Turismo, dois Diktats que governam o país em estreita e nauseante cumplicidade com o Poder político, nomeadamente ministros e presidentes de câmara, somando-se acções que ecologistas e população em geral pretendem contrariar mas cuja relação de forças é, por vezes, insuperável.

São muitas as baboseiras que vamos ouvindo ou os discursos hipócritas que pretendem esconder o pior dos males - o não cumprimento das leis que se aprovam. Para as baboseiras escolhi a intervenção do ex-ministro da Agricultura, Capoula Santos, no Programa Conversa Capital, na Antena 1, de 12 de Fevereiro de 2023. A dada altura, e perante a seca no Alentejo, afirmou, sem reacção adequada das jornalistas: «Temos que relativizar o problema da seca», uma «situação cíclica» que «já acontecia no séc. XV.» - iluminada demonstração de que a actual crise climática a nível global não passará de uma invenção de cientistas para amedrontar o mundo. São ciclos!...

Isaltino Morais, o Presidente da Câmara de Oeiras Valley, designação provinciana numa imitação do Allgarve que não resistiu ao ridículo ( Valley parece estar a resistir um pouco mais, assim como o seu Presidente) é o exemplo de um município, entre tantos outros, convenhamos, que não cumpre as leis estabelecidas e não tem o mínimo de vergonha pelo facto de ostensivamente não as cumprir. Refiro-me a este presidente porque esteve muito em foco televisivamente aquando das terríveis cheias de Dezembro de 2022, na parte baixa de Algés e em Porto Salvo (Paço de Arcos). Este senhor condoeu-

-se muito com o que viu, com a morte de um munícipe, com as lágrimas de quem assistiu à quase perda de uma vida de trabalho, largando, numa mímica estonteante de activo salvador, promessas de apoio, de rapidez nas várias recuperações a fazer, deixando por onde passava um rasto de esperança que nauseava. A mesma náusea que senti ao tomar conhecimento da reportagem intitulada: “Duplo suicídio”. Oeiras ignora riscos de cheias e agrava-os com desenvolvimento urbanístico», dos jornalistas João Cunha e Rodrigo Machado, de 20 de Março de 2023, Rádio Renascença. Em vez de parafrasear o que li, optei pela transcrição que não deixará dúvidas sobre a hipocrisia e a negligência gritante que reinam não só nesta Câmara, mas em muitas outras, bem como as jogadas em que se envolvem, impedindo que as leis se cumpram. Na verdade, os estudos tantas vezes solicitados fazem parte da estratégia carnavalesca, que muitos destes senhores encenam para emoldurar a sua imagem. Leia-se: "Atendendo aos cenários de alterações climáticas estudados, projetam-se um aumento dos eventos extremos de precipitação com consequência para as áreas de risco de inundações, associadas às ribeiras de Oeiras. Neste sentido, a extensão das áreas inundáveis tende a ser maior e a altura da coluna de água tende a aumentar. Devido à ocupação urbana, são de particular relevância as áreas terminais das ribeiras de Algés (Baixa de Algés) e de Porto Salvo (Vila de Paço de Arcos), bem como a área do Dafundo, devido à interação da pluviosidade com a subida do nível médio do mar. No entanto, o risco está presente em todas as linhas de água, e por esse motivo as medidas propostas incidem sobre as bacias do Rio Jamor e das Ribeiras de Algés, Barcarena, Porto Salvo e Laje". Segue-se a explicitação: «Este alerta consta do Plano de Identificação de Riscos e de Vulnerabilidades, de 2019, levado a cabo por uma equipa da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, liderada por Filipe Duarte Santos. Alertas idênticos constam do Plano Metropolitano de Adaptação às Alterações Climáticas, da Área Metropolitana de Lisboa, elaborado em julho de 2018.» Também o Professor Carlos Antunes, «professor da Faculdade de Ciências de Lisboa e especialista em alterações climáticas», afirma: É um duplo suicídio porque estamos a atuar contrariamente ao que é desejável e aconselhável pelos estudos e pela evidência científica.

E o que faz Isaltino Morais?

Promove e autoriza a construção bem perto da ribeira de Algés, em Miraflores, de uma «mega-urbanização» junto ao Parque dos Cisnes, cujas irregularidades serão tantas que deram já azo à intervenção do Ministério Público. Entretanto, todos os lotes do empreendimento foram vendidos. Resta-nos ver como terminará mais uma aventura de Isaltino Morais, sempre bem acompanhado pelos do costume!...

É forçoso que termine com um extracto do discurso profético do Chefe, ameríndio, Seattle: […] os Brancos acabarão um dia, talvez antes que as demais tribos. Contaminem os vossos leitos e uma noite morrerão afogados nos vossos próprios detritos. Caminhareis para a vossa destruição cheios de glória, inspirados pela força do Deus que vos trouxe a esta terra e que, por algum desígnio especial, vos deu o domínio sobre ela e sobre os Peles-Vermelhas. Esse destino é um mistério para nós, pois não percebemos por que razão se exterminam os bisontes, se domam os cavalos selvagens, se saturam os mais escondidos recantos dos bosques com a respiração de tantos homens e se mancha a paisagem das exuberantes colinas com os fios do telégrafo. Onde está o matagal? Destruído! Onda está a águia? Desapareceu! Termina a vida e começa a sobrevivência.

Assim termina o sublime e sapiente discurso do Chefe Seattle, dirigido ao Presidente Franklin Pierce, em 1854, que lhe propunha a compra das terras do extremo noroeste dos EUA, actual Estado de Washington. A ONU adoptou-o aquando das comemorações do Dia Mundial do Ambiente, em 1976. A sua leitura integral é obrigatória!

Maria do Carmo Vieira

 

 

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