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NEM ESTRATÉGIA, NEM CONTRA A CORRUPÇÃO

28-04-2023 - Rui Verde

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Muito fraquinha é a designação mais adequada ao conteúdo da Proposta de Estratégia Nacional de Prevenção e Repressão da Corrupção (2023-2028), apresentada pelos poderes públicos na semana passada.

Contudo, primeiramente, há que referir os aspectos positivos da proposta. É importante haver uma estratégia articulada e anunciada a nível nacional contra a corrupção, envolvendo todos os actores políticos e sociais, bem como é de aplaudir a ideia de proceder a uma consulta pública. Este artigo é a nossa resposta a essa consulta. De facto, num tempo em que se tornou hábito colocar em causa a legitimidade das instituições, a melhor forma de as reforçar é aumentar os mecanismos de democracia deliberativa, isto é, colocar os cidadãos a participar directamente nas decisões. Congratula-se, nesta medida, as autoridades por esta iniciativa.

A proposta de Estratégia Nacional contra a corrupção é um documento com 50 páginas, dividido em seis capítulos: enquadramento; missão, visão e valores; prevenção; detenção; repressão; gestão da estratégia. Contém cerca de 100 medidas de naturezas muito diversas.

Não ficam claros quais os trabalhos preparatórios que deram origem às opções estratégicas agora apresentadas. Lembremo-nos que, em 2018, a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou um Plano Estratégico de Prevenção e Combate à Corrupção para 2018-2022. Na análise que na altura fizemos a esse plano chamávamos a atenção para a falta de recursos humanos (magistrados e peritos), e também para a necessidade de introduzir mecanismos de justiça premial e negociada. Verificou-se, entretanto, que a falta de meios é uma constante que tem dificultado ou mesmo impedido uma eficaz luta contra a corrupção. E sobre a falta de mecanismos de direito premial, isto é, prémios para a colaboração de arguidos, nem vale a pena falar.

Isto quer dizer que a nova estratégia deveria ter sido edificada com base nas falhas do anterior plano da PGR. Na realidade, o que parece ter acontecido não foi o uso de qualquer metodologia sistemática, mas a recolha de uma lista de intenções, que tudo cobrem e nada abarcam.

Se repararmos, até à página 26 do actual documento temos o que se chama “palha”, um misto de declarações grandiloquentes sem conteúdo e enumerações maçadoras de legislação ou objectivos óbvios. Quer isto dizer que metade do documento é inútil.

Na segunda parte, da página 26 à 50, temos então as medidas e acções propostas. Como já foi salientado nalguns órgãos de comunicação, algumas medidas são interessantes, como a proposta de aumentos salariais, a alteração do regime de declaração de bens e a limitação dos contratos por ajuste directo.

Todavia, nenhuma destas propostas tem um carácter imperativo, nem sequer demonstra qualquer alteração estrutural no combate à corrupção; o verbo que mais surge na enumeração das acções é “promover”. Acontece que “promover” quer dizer fomentar, estimular, impulsionar, são fórmulas intencionais, mas não concretizadoras. Ficamos no âmbito das intenções, o que, mesmo se forem boas ou pias, não adianta muito.

E esta é a fraqueza da Estratégia Nacional agora apresentada. Não avança com reformas efectivas nem medidas concretas imediatas e imperativas para combater a corrupção; fica-se nas platitudes burocráticas que não metem medo a ninguém.

O combate à corrupção tem de ser visto de outra forma e com outra dinâmica. Bastariam três grupos de medidas para o encarar seriamente.

Ao nível da educação, justifica-se a criação de uma disciplina transversal de Educação Cívica que explique bem os efeitos no atraso político, económico e social que a corrupção tem no país. Este tipo de disciplina escolar muitas vezes não é efectivo, mas pelo menos seriam um sinal para todos os jovens. E não se trataria de “promover”, mas de a implementar já no próximo ano lectivo. Tal disciplina não seria leccionada apenas para as escolas, mas em todas as formações, como a da Polícia Nacional, dos Serviços Prisionais, da Diplomacia e outras que o Estado providencie.

Ao nível dos negócios, a grande forma de combater a corrupção é abolir as barreiras de entrada nos mercados: licenciamentos, alvarás, burocracias, vistos e vistorias, todos deveriam ser reduzidos ao mínimo indispensável.

Finalmente, e o mais importante, é a reforma que tarda na justiça da corrupção. Temos defendido com persistência que é fundamental criar um órgão com poderes alargados para combater a grande corrupção, que devem ser instituídos tribunais próprios e também um processo penal com elementos de negociação e celeridade. Naturalmente, tais medidas talvez implicassem uma revisão constitucional, dependendo das soluções formais encontradas, mas o certo é que o actual sistema de justiça é impotente para combater a corrupção. Se este é um combate sério, a primeira estratégia tem de começar pelo sistema de justiça. O voto final é de que a consulta pública seja participada e leve a uma reavaliação profunda da Estratégia, optando-se por um documento sustentado e arrojado e não uma mera lista de desejos de Natal.

Fonte: Maka Angola

 

 

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