SOMOS TODOS PORTUGUESES
A DISCRIMINAÇÃO NEGATIVA DOS EMIGRANTES
18-03-2022 - Francisco Garcia dos Santos
Face à situação de guerra na Ucrânia e suas consequências a nível mundial, aqui no nosso “Torrão” já quase ninguém se lembrará que no espaço de um ano tivemos três eleições: em 2021 para Presidente da República e Autarquias Locais, e já em 2022 para a Assembleia da República. Porém, é bom que todos se lembrem desses actos eleitorais e das condicionantes de todos os Portugueses neles participarem.
Com efeito, em Portugal existem quatro tipos de eleições: para o Presidente da República, Assembleia da República, Autarquias Locais e Parlamento Europeu; mas uma parte significativa de Portugueses não pode votar em todas.
Devido à “vocação” universalista de Portugal, iniciada com a expansão e descobrimentos João II e D. Manuel I - não esquecendo o grande impulsionador e promotor dos mesmosInfante D. Henrique, filho de D. João I e irmão de D. Duarte), até aos dias de hoje, passando pelos grandes fluxos migratórios do Séc. XIX, início e segunda metade do Séc. XX para o Brasil, Estados Unidos da América, Venezuela, Canadá, França, Alemanha, Suíça e Luxemburgo, entre outros, Portugal tem há muito Comunidades Portuguesas e Luso-descendentes (estes com dupla nacionalidade e outros não) espalhadas pelo Mundo com direito de voto, mas limitado.
De facto, a Lei Eleitoral do Presidente da República, Decreto-Lei nº 319-A/76 de 3 deMaio, no seu artigo 1º (Capacidade eleitoral activa) prescreve:
“1. São eleitores do Presidente da República os cidadãos portugueses recenseados no território nacional e os cidadãos portugueses residentes no estrangeiro inscritos como eleitores nos cadernos do recenseamento eleitoral nacional”.
Isto significa que os emigrantes portugueses e luso-descendentes com direito de voto, para exercerem o mesmo têm de estar recenseados em território nacional e deslocarem-se ao mesmo para votarem.
Não deixa de ser aberrante tal normativo, já que no artigo 120º (Definição) da Constituição da República vigente reza o seguinte:
“O Presidente da República representa a República Portuguesa, garante a independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticase é por inerência, Comandante Supremo das Forças Armadas”.
Ora se o Presidente da República é o primeiro órgão de soberania do Estado, e o Estado-nação, como é o caso de Portugal, é constituído pelo próprio Povo português, aquele é o representante de todos os Portugueses, por que motivo existem muitas centenas de milhar, senão mesmos milhões de cidadãos que vêem limitado o seu direito de voto, ou seja, não podem eleger o Presidente da República?
No que concerne à eleição de deputados para o segundo órgão de soberania de Portugal, a Assembleia da República, donde decorre o terceiro órgão de soberania que é o Governo, não se entendem todas as dificuldades técnicas e logísticas que a respectiva Lei Eleitoral e o Ministério da Administração Interna, mas também o Ministério dos Negócios Estrangeiros, responsável pela “rede” consular, ------- impõem aos emigrantes e luso-descendentes, mais o facto de nos dois círculos eleitorais externos, o da “Europa” e de “Fora da Europa”, cada um deles apenas tenha 2 deputados que representem os nossos concidadãos da diáspora.
Estima-se, embora sem qualquer certeza, que existam cerca de 5 milhões de Portugueses e Luso-descendentes com direito de voto. Urge, pois, que o Governo, via Ministério dos Negócios Estrangeiros, promova um censo que, com a maior fiabilidade possível, apure a efectiva totalidade dos emigrantes e luso-descendentes com vista a que os respectivos círculos eleitorais elejam mais deputados para a Assembleia da República, e na justa medida da respectiva proporcionalidade face ao todo nacional. É que é incrível que em território nacional residam pouco mais de 10 milhões de habitantes, no qual são eleitos 226 deputados, e que os outros 5 milhões de portugueses residentes no estrangeiro apenas elejam 4 deputados.
Quanto às eleições para as Autarquias Locais, a respectiva Lei Eleitoral, Lei Orgânica nº 1/2001 de 14 de Agosto, determina no seu artigo 4º (Direito de voto)
“São eleitores dos órgãos das autarquias locais os cidadãos referidos no artigo 2º, inscritos no recenseamento da área da respectiva autarquia local”.
E o artigo 2º (Capacidade eleitoral activa) da mesma Lei no seu nº 1 e al. a) estabelece que
“1 – Gozam de capacidade eleitoral activa os cidadãos maiores de 18 anos a seguir indicados:
a ) Os cidadãos portugueses ”.
Ora decorre da conjugação destes preceitos que os cidadãos emigrantes não podem votar para os órgãos autárquicos das suas localidades de origem e que com elas mantenham uma estreita relação, até por, não raramente, nelas terem património imobiliário.
Já quanto à eleição de deputados para o Parlamento Europeu, Lei nº 14/87 de 29 de Abril, dispõe no seu artigo 3º (Capacidade eleitoral activa)
“1 – São eleitores dos deputados ao Parlamento Europeu eleitos em Portugal:
b ) Os cidadãos portugueses inscritos no recenseamento eleitoral português, residentes fora do território nacional, que não optem por votar em outro Estado membro da União Europeia.
2 – Os cidadãos referidos na alínea b) do número anterior exercem o direito de voto directa e presencialmente… ”.
Ora, como se vê, a eleição de deputados europeus portugueses pelos seus concidadãos que residem no estrangeiro é extremamente difícil.
Por fim, em termos de eleição de deputados à Assembleia da República, na próxima revisão da Constituição, o “método de Hondt” previsto no nº 1 do artigo 149º da mesma, deve ser abolido e substituído por outro que garanta a real proporcionalidade, proximidade e responsabilidade dos eleitos face e perante os eleitores. É que, como se viu nas últimas eleições legislativas, o CDS, tendo recolhido a nível nacional mais votos do que o Partido Livre não elegeu qualquer deputado, mas este último, com menos votos mas concentrados no círculo de Lisboa, logrou eleger um parlamentar -nada de mais destorcedor da pretendida proporcionalidade e injusto!
Assim, tal sistema deverá ser misto, isto é, parte dos candidatos serem eleitos por maioria simples em círculos eleitorais uninominais, e os restantes candidatos eleitos mediante aproveitamento dos votos sobrantes daqueles círculos e proporcionalmente num único círculo nacional. Deste modo garantir-se-á que os candidatos eleitos não dependam única e exclusivamente dos directórios partidários, mas sim de quem os eleger.
É certo que a situação presente interessa, e muito, aos partidos “institucionais”, ou seja, os que sempre tiveram assento na Assembleia da República, pois assim “põe e dispõem” dos candidatos por si nomeados, mantendo-os “reféns” das suas lideranças e pouco ou nada representativos e defensores dos direitos e legítimos interesses do eleitorado, ou seja, dos Portugueses, uma favorece o atual sistema de “castas” partidárias oligárquicas e seu negócios privados a coberto do poder ou influência que têm nos órgãos de soberania e nas altas esferas da Administração Pública, cujos cargos também são de nomeação política, logo sendo os seus titulares militantes dos ditos partidos e obedientes à sua elite dirigente, o que está na base da endémica corrupção e tráfico de influências.
Por fim, não conheço nenhum partido que defenda o que acima fica escrito, com excepção do Partido da Terra – MPT.
Francisco Garcia dos Santos
Deputado municipal de Lisboa pelo Partido da Terra - MPT
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