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REFLEXÕES SOBRE A DERROTA DO OCIDENTE NO AFEGANISTÃO (3)

04-02-2022 - José Manuel Neto Simões

“...muitas vezes a maneira de justificar um erro, agrava o erro” (W. Shakespeare)

A realidade do que se passou durante vinte anos no Afeganistão traduz-se no desastre geopolítico, militar e, sobretudo, humanitário. A maior potencia militar e a NATO, altamente treinados e equipados, não conseguiram derrotar os talibãs, porque as forças estavam configuradas para operações de imposição de paz e não para fazerem uma guerra de contra-subversão.

É de salientar que para vencer este tipo de conflitos assimétricos, a conquista da população (mentes e corações) é essencial, através das operações psicológicas e de informações.

Por outro lado, o exército e forças de segurança afegãs revelaram incapacidade para conter o avanço dos talibãs, acabando por se render paticamente sem combater. Mas foram organizadas, equipadas, treinadas e certificadas por militares qualificados dos EUA e da NATO, tendo sido gastos milhares de milhões de dólares. Aliás, em 2009, o antigo Comandante da NATO, general J. Jones, afirmava “o Exército Afegão é o pilar mais bem-sucedido de nossos esforços de reconstrução”!

Contudo, estão identificados factores que antecipavam a implosão das forças , sendo de destacar: a falta de equilíbrio étnico; a lealdade pelos chefes tribais sobrepunha-se ao respeito pela hierarquia; a corrupção consentida; a capacidade operacional desajustada às missões e deficiente apoio aéreo; a insuficiente sustentação; a tendência cultural para a deserção e o consumo e tráfico de drogas (polícia).

Neste âmbito, foram utilizadas diversas fraudes, entre as quais a contratação de “soldados fantasma” e o contrabando de armamento. Esta degradação foi utilizada nas acções de subversão dos talibãs para potenciar a disrupção no governo afegão minado por disputas de poder.

Importa sinalizar a importância de alguns relatórios da ONU, a partir de 2008, e outros do Inspector-geral dos EUA (SIGAR), que fazem referência à incapacidade de concretizar a transição política do país, sendo evidentes, desde 2016, as razões que conduziriam ao colapso do governo, do exército e das forças de segurança. Por isso, não deixa de ser inusitado Joe Biden ter afirmado que os “afegãos estavam prontos, treinados para fazer face ao avanço dos talibãs”.

Convém ainda salientar, que a vasta informação existente em fontes abertas permite também reconhecer os níveis de responsabilidades ao nível político, militar, diplomático e serviços de intelligence. A este propósito a investigação relatada em documentos designados “Afghan Papers” (The Washington Post), revelam a forma exasperada como a administração americana e alguns comandantes militares enganaram a opinião pública e os aliados com uma versão distorcida dos acontecimentos, falsificação de dados, adulteração de estatísticas e mistificação da realidade o que prenunciava a derrota.

Nesse sentido, não é despiciendo lembrar que a promiscuidade de interesses entre a elite afegã, entidades e organizações internacionais também foi um factor importante que determinou a duração da guerra. É ainda de salientar a pressão da indústria de armamento dos EUA nos corredores do poder como referido por Sean McFate no seu último livro.

As intervenções militares não servem para impor modelos de organização da sociedade e n ão se afigura possível inverter a tragédia no Afeganistão . Seria prudente que os líderes políticos e militares – incluindo os de Portugal – não insistissem na utilização do mimetismo, quando se trata de assumir responsabilidades . A verdade indesmentível é que não há forma perfeita de perder uma guerra.

José Manuel Neto Simões

Capitão-de-Fragata (Reforma)

 

 

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