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AFEGANISTÃO: O QUE PENSAR?

27-08-2021 - Francisco Garcia dos Santos

Cerca de uma semana antes dos Talibãs tomarem Cabul, Joe Biden ou alguém por ele, disse perante as câmaras de tv que, ao ritmo a que os mesmos estavam a conquistar “pacificamente” várias capitais de distrito ou provinciais, como Kandahar (a 2ª maior cidade do Afeganistão), os mesmos, em 90 dias, poderiam tomar Cabul.

Ora bem, após tal afirmação proferida pela Administração norte-americana, não foram necessários 90 dias para os Talibãs, sem um mínimo de resistência por parte do exército regular e polícia do Estado afegão, tomaram “pacificamente” a cidade capital do País, mas tão só 6 ou 7 dias.

Antes de mais, pergunta-se: o que durante o progressivo abandono do Afeganistão por tropas de vários países da NATO e outros -entre as quais as portuguesas-, e as americanas que, como soi dizer-se, ficaram “para fechar a porta”, fizeram os vários serviços de informações/secretos dos mesmos, mormente a americana CIA e demais órgãos de inteligence das respectivas Forças Armadas?

Pelo que se vai vendo nas tvs, o que fizeram ou não fizeram resultou em nada!

Incompetência, laxismo, falta de agentes secretos no terreno? Não quero crer que os serviços em causa, sabendo o que se iria passar, não fornecessem informação relevante aos respectivos comandantes dos seus Estados e, sobretudo, ao Comandante Supremo da NATO. Se assim foi, temos de novo duas hipóteses: a incompetência de tais serviços, ou os comandos militares desses países e organização militar, pura e simplesmente, desprezaram tais informações e, propositadamente, não obstante estarem à pressa a retirar do país afegãos que colaboraram com as tropas ocidentais, bem como suas famílias, deixam à sua sorte a maior parte dos mesmos (as imagens de fuzilamentos em massa por parte de Talibãs de ex-colaboradores das tropas ocidentais e da Administração de Cabul, datadas de final de Julho passado e que são virais na internet, são disso um bom mas tristíssimo exemplo).

Seja como for, a verdade é que as tropas norte-americanas se têm vindo a comportar em Cabul da mesma forma como o fizeram em Saigão no fim da Guerra do Vietnam –“salve-se quem puder” e material de guerra deixado para trás e sua capturae uso pelo inimigo, como aliás se tem vindo a ver na tv: Talibãs com armas de assalto (espingardas metralhadoras) ocidentais e a “passearem-se” por Cabul em veículos militares e blindados americanos.

Pois é!

Desde meados do Séc. IV a. C., quando Alexandre o Grande tentou conquistar o espaço geográfico que hoje é afegão, não o conseguiu; só o Império Britânico, ainda que apenas formalmente, conseguiu controlar Cabul e pouco mais, afirmando eufemisticamente que o Afeganistão era uma colónia sua. É que tal território altamente inóspito, quase todomontanhoso e com pequenos vales, habitado por várias tribos com os seus próprios chefes, nunca foi uma unidade nacional.Depois, a generalidade dos “povos” afegãos, devido à pobreza de grande parte dos solos, leva uma vida muito frugal, criando umas cabras e dedicando-se eminentemente ao cultivo da papoila branca do ópio -o Afeganistão é o maior produtor desta substância, que após refinada dá a morfina (fármaco para uso médico) e a heroína, altamente rentável no tráfico internacional de drogas. Assim, o ópio é o “petróleo branco” deste país muçulmano, e financiador dos Talibãs. A frugalidade quase espartanade tais gentes, aliada à sua divisão tribal e à inospitalidade montanhosa do território, tornam praticamente impossível o seu domínio por forças militares terrestres que lhes sejam hostis, já que vivem a sua religião e tradições ancestrais da forma mais pura, sem ambição ou interesse pelo hedonista modus vivendi ocidental, bastando-lhes uma parca ração, um cantil de água, uma manta e uma Kalashnicov ao ombro para lutarem contra o inimigo, ou até mesmo entre si.

Em abono do que se deixou escrito, recorde-se a enorme derrota e fuga “desregrada” do poderoso Exército Vermelho da ex-União Soviética (Rússia) quando se viu “encurralado” em Cabul -como soi dizer-se no “mundo” da defesa e militar, “o Afeganistão foi o Vietnam russo”, do qual, aliás, ainda subsistem muitas “feridas não saradas” em diversos veteranos e suas famílias, hoje Forças Armadas russas de Vladimir Putin. Daí este já ter afirmado que,por ter aprendido com a história desse conflito, não considera a hipótese de enviar um único soldado para o Afeganistão.

Ainda que com dúvidas, até se compreende a intervenção norte-americana, e por “arrasto”, da NATO e de outros países no Afeganistão, pois este país albergava a Al Qaeda de Bin Laden; depois, ao que consta,também outras organizações radicais militares islâmicas, como o Daesh/ISIS. Mas uma coisa é selectivamente destruir as suas bases e eliminar fisicamente os seus líderes, como foi o caso de Bin Laden, e outra uma tentativa de conquista de um país com as caraterísticas geográficas, culturais-religiosas como o Afeganistão, pretendendo pôr e manter em Cabul uns quantos políticos altamente corruptos, que se apropriaram em benefício próprio dos biliões de dólares americanos que deveriam ter sido empregues em programas de combate à pobreza, escolarização e formação de quadros superiores e dirigentes da administração pública afegã, subtraindo centenas de milhar ou de milhões de afegãos à pobreza, ao obscurantismo e ultra radicalismo medieval fundamentalista islâmico, ainda que respeitando as suas tradições e religiosidade islâmica, mas contrariando fundamentalismo radical.

Portanto, se a NATO (leia-se EUA) esteve durante 20 anos no Afeganistão para sustentar políticos pró ocidentais corruptos, exército e polícia cujos efectivos eram puramente movidos pelos dólares que recebiam (“mercenários”), sem quaisquer motivações interiorizadas de defesa e combate por um ideal ou pela pátria, jamais pretendendo ser verdadeiros “soldados”, mas tão só funcionários públicos pagos a “peso de ouro”, com vista a, sem terem de disparar um tiro, usufruírem de um modo de vida hedonista ocidental, as chefias militares ocidentais (da NATO) não se podem queixar dum chorrilho de cobardes e desertores que, sem a mais ínfima resistência, permitiram um verdadeiro passeio dos Talibãsdesde as mais inóspitas e recônditas montanhas até Cabul.

Como diz o Povo, “cada um colhe o que semeia”!

Olhando para dentro das nossas Forças Armadas, as quais em 20 anos, no âmbito da NATO, mobilizaram esquadrões de Cavalaria para reconhecimento e protecção de tropas Comandos e Pára-quedistas, assim como alguns membros da Força Aérea para controlo aéreo do respectivo espaço e do aeroporto internacional da Cabul, num total de cerca de 4.500 efectivos, dos quais o sargento Comando João Paulo Roma Pereira faleceu devido à explosão duma mina anti-carro, e o soldado Pára-quedista Sérgio Pedrosa devido a acidente com um veículo militar, pergunta-se se este esforço valeu a pena.

Qualquer leigo, mas interessado em história militar, tática, estratégia, geopolítica e geoestratégia, ciência política, filosofia e sociologia políticas, facilmente entenderá que, no “caso afegão”, a NATO apenas deveria ter aniquilado ou neutralizado bases de insurgentes radicais islâmicos, como as da Al Qaeda e outras,bem como os seus líderes, como sucedeu com Bin Laden, quer por meios aéreos, como por cirúrgicas incursões terrestres de tropas de assalto e especiais, mas nunca se envolvendo em “guerra perdida” almejando a conquista e manutenção impossível dum território e população milenarmente agreste e insubmissa.

Porém, parece que os “gurus” militares e políticos ocidentais com responsabilidades na área da Defesa (guerra) não leram, ou não souberam interpretar, a História: leia-se por todos “A Arte da Guerra” de SunTsu; “Código de Honra dos Samurais –Bushidô Shoshinshû” de Taïra Shingésuké; “Da Guerra” de Carl von Clausewitz; “O Príncipe” de Maquiavel, e, só para não deixar para trás dois eminentes portugueses civis e militares, geopolíticos e geoestrategas, vários livros do Prof. Doutor Adriano Moreira e do saudoso General Loureiro dos Santos.

O futuro do Afeganistão a Deus (ou a Allah) pertence , mas não creio que o resultado do que foi feito pelo “Ocidente” ao longo de 20 anos, bem como esta deplorável e humilhante debandada das tropas americanas, augure o que quer que seja de bom para a minoria “civilizada” afegã, e muito menos para os países árabes/muçulmanos da bacia do Mediterrâneo, Israel, África sub-sahariana e europeus, nos quais, é bem possível, que, a breve trecho, neles recrudesçam acções terroristas islâmicas, já não a partir do Daesh/ISIS, já quase banido da Síria e do Iraque, mas sim do seu renovado ”santuário” que voltará a sero Afeganistão.

Francisco Garcia dos Santos

 

 

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