CINCO QUESTÕES AO PS PARA MEMÓRIA FUTURA
03-10-2014 - Alfredo Barroso (*)
Infelizmente, o "socialismo democrático" já não é o que era. Duvido mesmo que seja socialista, ou sequer social-democrata ou trabalhista.
Não pretendo ser exaustivo ao eleger cinco questões cujo debate considero essencial para definir com clareza o que pode vir a ser, ou não, o futuro do Partido Socialista, agora que se defrontam duas candidaturas que ainda não se distinguiram pelas opções programáticas.
Pelo menos no meu caso, a resposta a estas questões essenciais condiciona o meu apoio futuro a quem sair vencedor do actual confronto. Esclareço desde já que vou votar em António Costa, mas, se ele vencer, como espero, o meu apoio será sempre condicionado e não cego.
Claro que o meu apoio futuro é irrelevante, num partido que há vários anos me considera um "perigoso esquerdista" e persona non grata . Mas, como se poderá constatar a partir das questões que levanto, não é a minha posição que está em causa. É, isso sim, a do partido.
Infelizmente, o "socialismo democrático" já não é o que era. Duvido mesmo que seja socialista, ou sequer social-democrata ou trabalhista. De facto, a adopção da terceira via ou a tonyblairização do PS, a partir da eleição de António Guterres para secretário-geral (e depois como primeiro-ministro) causou uma enorme devastação ideológica no partido.
Daí a relevância que hoje atribuo às seguintes questões:
1. O que pensam os militantes socialistas e os seus dirigentes, tanto a nível nacional como local, do pacto de austeridade perpétua contra a democracia consubstanciado no famoso Tratado para a Estabilidade, a Coordenação e a Governação, vulgo Tratado Orçamental , imposto à zona euro (e à União Europeia) pela chanceler Angela Merkel, e prontamente aprovado em Portugal pelo PPD de Passos Coelho, o CDS de Paulo Portas e o PS de António José Seguro?
A União Europeia, muito desunida e nada solidária, está cada vez mais distante dos povos europeus. Mas é exactamente à distância, através de instrumentos como o Tratado Orçamental, que ela desenvolve o seu poder, impõe políticas brutais de austeridade e esmaga os cidadãos em benefício das grandes empresas, do capital financeiro, da plutocracia, em suma: da diminuta classe social dominante;
2. O Partido Socialista vai ou não vai defender, sem ambiguidades, a reestruturação ou renegociação da dívida ? E será capaz de encarar a possibilidade de uma eventual moratória ou mesmo suspensão do serviço da dívida como instrumento de pressão negocial?
Saliento que o Fundo Monetário Internacional, que em 2013 chegou a reconhecer vários erros que cometeu ao impor políticas de austeridade, está a rever a "excepção" que permitiu emprestar dinheiro a Portugal, à Grécia e à Irlanda sem uma reestruturação antecipada das suas dívidas. No início dos resgates houve dúvidas em relação à sustentabilidade da dívida destes países, mas evitou-se a reestruturação. Os técnicos do FMI sustentam agora que existem vantagens em reescalonar as dívidas quando existem dúvidas de sustentabilidade, e que Portugal, a Grécia e a Irlanda teriam ganho com uma renegociação da dívida;
3. O que pensa o Partido Socialista da política de privatizações que o actual governo pôs em prática, designadamente alienando posições do Estado português que foram adquiridas, num processo de "privatização", pelo Estado chinês, curiosamente comunista e neoliberal?
O que pensa o PS fazer no futuro, se for governo, tanto em relação a algumas dessas empresas já privatizadas, apesar de rentáveis, como a outras empresas públicas que este governo ainda não conseguiu privatizar?
4. Qual será a futura posição do PS quanto à política de alianças , que todo o partido democrático que se preze tem a obrigação de avaliar, debater e definir com clareza, e, naturalmente, com flexibilidade?
Concretamente, caso o PS não consiga obter uma maioria absoluta nas próximas eleições legislativas, em 2015, preferirá fazer uma aliança com qualquer dos partidos que estão no governo e que, desde há três anos, só têm empobrecido os portugueses e arruinado o país? Ou considerará seriamente a possibilidade de tentar chegar a uma plataforma mínima de entendimento - não necessariamente a uma coligação pós-eleitoral - com os outros partidos de esquerda (BE e/ou PCP) que viabilize uma solução de governo verdadeiramente alternativa e sustentável?;
5. O que fará uma direcção do PS no futuro para pôr cobro à promiscuidade entre política e negócios , que infelizmente atravessa o chamado "arco da governação" de uma ponta a outra?
Como há dias sugeria a jornalista Ana Sá Lopes, em editorial no i, a propósito da "autofagia que varre o PS", este partido precisa de encarar seriamente "os fenómenos de enriquecimento de alguns dos seus dirigentes e ex-dirigentes mais destacados" e "a promiscuidade entre partido, Estado e interesses económicos", que constitui hoje uma evidência.
Não faz qualquer sentido que gestores e ex-gestores de empresas privadas, advogados de negócios e representantes de conhecidos grupos de interesses e de pressão tenham assento em órgãos nacionais e locais do PS, sob pena de inevitáveis suspeições que desacreditam o partido.
Como comecei por dizer, estas cinco questões não esgotam os temas susceptíveis de reflexão no interior do PS - para definir uma nova política, corajosa e inovadora -, mas são sem dúvida essenciais e bem podem servir de pontapé de saída para o debate profundo e alargado que se impõe.
Publicado no «i» em 1/Julho/2014
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