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ESPANHA, 40º ANIVERSÁRIO DO “23-F”
Juan Carlos I e a democracia espanhola

26-02-2021 - Francisco Garcia dos Santos

Na passada terça-feira, dia 23 de Fevereiro, completaram-se 40 anos sobre a tentativa de golpe de Estado ocorrido na mesma data de 1981 em Espanha, a qual ficou conhecida por “23-F”.

Com o falecimento do Caudillo e Generalíssimo Francisco Franco em 20 de Novembro de 1975 e a proclamação de Don Juan Carlos de Borbón como Rei de Espanha pelas Cortes em 22 do mesmo mês e ano, tudo em conformidade com a Lei da Sucessão franquista de 1947 e sua indigitação formal em 1969 pelo Chefe de Estado como seu sucessor e Rei, iniciou-sea denominada Transição do regime e sistema autocrático franquista, aliás já uma Monarquia sem Rei, para o regime monárquico constitucional e sistema democrático pluralista, o qual, em termos formais, culminou com a aprovação por referendo popular, universal e livre da Constituição espanhola de 1978vigente; esta aprovação contoucom o voto favorável de 15.706.087 votantes num universo de 17.873.301, correspondendo assim a 88,54% dos votos expressos -de notar que esta foi a única consulta popular em que o Rei Don Juan Carlos I e a Rainha Doña Sofia exerceram o seu direito de voto, o que fizeram com vista a darem o exemplo e a incentivarem os Espanhóis a pronunciarem-se sobre o projecto de Lei Fundamental que lhes era proposto pelas Cortes para ratificação; desde então os Reis de Espanha nunca mais exerceram tal direito por serem símbolo da unidade de Espanha e dos Espanhóis, e assim se afirmarem como estando acima de qualquer disputa político-partidária.

Portanto, de forma claríssima, a maioria dos Espanhóis, mesmo contando com o número total de 26.632.180 recenseados,o regime monárquico constitucional e o sistema democrático pluralista de carácter parlamentar, em que o Rei deixava de ter quase todos os poderes legislativos e a totalidade dos executivos “herdados” de Franco, passando a ter funções eminentemente protocolares, e o poder legislativo e executivo ficava nas, e emanava das, Cortes Gerais (Câmara dos Deputados e Senado) eleitas por sufrágio universal, directo e proporcional, Espanha viu legitimadas pelo voto popular e livre as suas instituições do poder político. Ou seja, os Espanhóis votaram favoravelmente o regime monárquico constitucional, consequentementeconfirmaram como seu Rei Don Juan Carlos I, e o sistema democrático pluralista parlamentar.

Porém, a direita radical franquista, aliás com expressão significativa, que não necessariamente maioritária, nas hierarquias das Forças Armadas e da Guardia Civil (força de segurança militar correspondente à Guarda Nacional Republicana portuguesa), não se “acomodou”. E para tal contribuiu em muito o recrudescimento das acções armadas, ou seja, terroristas,da esquerda extremista independentista basca marxista-leninista, protagonizadas pela ETA militar (Euskadi Ta Askatasuna- Pátria Basca Livre ou Pátria Basca e Liberdade) fundada em 1959e apoiadas politicamente pelo seu “braço civil” e partido político Herri Batasuna (Unidade Popular), fundado em 1978 como coligação de todas as organizações da dita esquerda basca, o qual veio a ser ilegalizado pelo Tribunal Supremo de Espanha em 2003 por ligação à organização terrorista.

Tais acções traduziram-se na multiplicação de atentados bombistas contra pessoas e bens, de assassinatos de membros da Policía Nacional e, sobretudo, militares da Guardia Civil, militares das Forças Armadas de várias patentes, com especial relevo para o Exército, magistrados, civis e políticos tidos por coniventes com, ou representantes do poder políticocentral de Madrid e de empresários bascos que se recusavam a pagar o “imposto revolucionário” extorquido pela ETA com vista ao seu financiamento. Contudo, não obstante estas acções serem predominantemente praticadas em território do País Basco espanhol, composto pelas Províncias de Álava, Biscaia e Guipúscoa, situadas no nordeste de Espanha, as mesmas eram igualmente levadas a cabo noutras regiões, com especial incidência em Madrid, mas também no País Basco francês, correspondente às Circunscrições ou Províncias de Lapurdi, NafarroaBeherea e Zuberroa nos Pirenéus e sudoeste de França.

Assim, esta onda de violência terrorista separatista, não só criou um sentimento generalizado de insegurança e repúdio entre os Espanhóis pelas acções etarras, como uma “revolta surda” no seio das Forças Armadas e Guardia Civil, e propiciou um clima conspirativo entre as hostes franquistas contra o recémnascido regime monárquico constitucionale sistema democrático pluralista parlamentar instituídos pela Constituição de 1978.

O resultado foi a convergência de várias conspirações civis e militares na tentativa de golpe de estado ocorrida em Madrid a 23 de Fevereiro de 1981.

Às 18,20 horas locais desse dia, uma força de mais de 200 militares da Guardia Civil comandada pelo seu Tenente-Coronel António Tejero Molina ocupou o Palácio das Cortes e sequestrou no seu interior quase todo o Governo e parlamentares da Câmara dos Deputados. Pouco depois, em Valência, o prestigiado Capitão-General Jaime Milans del Boch,Comandante da III Região Militar aí sedeada, sublevou-se e colocou nas ruas da cidade carros de combate (tanques) e declarou o “estado de excepção”, assumindo na mesma o poder civil. Por outro lado, nos bastidores, o General de Divisão LuísTorres Rojas, à data Governador Militar da Corunha e ex-Comandante da poderosa Divisão Blindada Brunete do Exército, concentrada em várias unidades nos arredores de Madrid e comandada pelo General de Divisão Just, tentou reassumir, sem êxito, o comando da mesma, com vista à ocupação militar da capital espanhola, o que, a ter acontecido, teria ditado a quase certa vitória dos golpistas. Mas também o General de Divisão Alfonso Armada, à data 2º Chefe do Estado-Maior do Exército, amigo íntimo do Rei e seu ex-colaboradorna Casa Real, manobrou junto de outras altas patentes militares tentando convencê-las de que o golpe era do conhecimento de Don Juan Carlos I e, de alguma forma, caucionado por ele, o que não era verdade nem logrou conseguir -Armada chegou a ir ao Palácio das Cortes para negociar com Tejero a desocupação e ser ele o próximo Presidente do Governo (Primeiro Ministro), o que foi recusado pelo Tenente-Coronel.

Face ao “vazio político” criado pelo sequestro do Governo e dos deputados, o Rei, ainda que à margem da Constituição, reassumiu de imediato os plenos poderes “herdados” de Franco, constituiu um governo de emergência integrado por secretários e sub-secretários de Estado daquele e chefiado por Francisco Laína, Director da Segurança de Estado (serviços secretos civis), homem da confiança do Monarca, assumindo este a absolutaChefia do Estado e o Comando em Chefe das Forças Armadas.

Às 21,00 horas locais foi divulgado pelo Ministério do Interior um comunicado que informava sobre a constituição do referido governo provisório chefiado por Laína e que o mesmo estava em estreito contacto com a Junta de Chefes de Estado-Maior dos 3 Ramos das Forças Armadas. De igual modo, o carismático Presidente da Generalitat (governo autonómico) da Catalunha Jordi Pujol, cerca das 22,00 horas locais, fez uma alocução ao País via Rádio Nacional e Rádio Exterior apelando à tranquilidade face à situação vivida em Madrd e Valência, colocando-se ao lado do Rei. Esta comunicação terá sido mais dirigida, ainda que subliminarmente, às várias chefias das Regiões Militares de Espanha. E isto porque as mesmas estavam expectantes face ao desenrolar dos acontecimentos e, na sua maioria, aguardando a sublevação da já citada Divisão Brunet e da Região Militar sedeada em Barcelona para, qual “efeito dominó” invertido, também se sublevarem e aderirem ao golpe, como, por exemplo,foi o caso da Região Militar sedeada em Saragoça, Aragão, que aguardava o levantamento da de Barcelona para a seguir, o que não sucedeu em nenhum dos casos.

Entretanto, a partir do Palácio da Zarzuela, o Rei desdobrou-se em contactos telefónicos com múltiplas chefias militares visando assegurar-se da sua lealdade à Coroa, isto é, a si próprio, e em defesa da legalidade constitucional, o que terá conseguido na sua totalidade cerca da 1,00 hora local de dia 24 de Fevereiro, quando, envergando o uniforme de Capitão-General do Exército, dirigiu aos Espanhóis, via TVE em directo, uma breve alocução a partir da sua residência oficial, informando de que tinha ordenado às chefias militares para obedecerem às ordens da Junta de Chefes de Estado-Maior e às demais autoridades civis, sendo que desde início Don Juan Carlos tinha contado com a lealdade das chefias nacionais da Guardia Civil e da Policía Nacional.

O golpe tinha fracassado!

Seguiu-se a rendição e detenção de Milans del Boche em Valência por ordem do próprio Rei, cerca das 5,00 horas locais, e a de Tejero Molina em Madrid cerca das 12,00 horas locais.

À laia de curiosidade, o hoje Rei Don Felipe VI, à data com 13 anos de idade, acompanhou o Pai no seu gabinete de trabalho durante a maior parte do tempo até ter adormecido num sofá do mesmo. Esta revelação foi efectuada por sua Mãe, a Rainha Sofia, numa auto-biografia mediante entrevistas concedidas a uma reputada biógrafa, tendo justificado a presença do adolescente Príncipe das Astúrias no gabinete de seu Pai por este pretender que o filho começasse a aprender como se lidava com dificuldades extremas. Parece que neste e outros aspectos Juan Caros I teve êxito quanto à educação e formação de seu filho, o que tem sido demonstrado pelocomportamento exemplar de Don Felipe VI, quer em termos pessoais como enquanto Rei de Espanha.

Nos dias que se seguiram ao “23-F” milhões de Espanhóis manifestaram-se nas ruas de Madrid e doutras cidades espanholas em apoio a Don Juan Carlos I e em preito de homenagem ao mesmo por ter assegurado a continuidade do sistema democrático pluralista parlamentar. E um dos testemunhos mais significativos desse reconhecimento foi o discurso do já mítico Secretário-Geral do PCE Santiago Carrillo efectuado na tribuna da Câmara dos Deputados na primeira sessão plenária realizada após o frustrado golpe. Aliás, o líder comunista, ao longo da sua vida demonstrou sempre grande apreço e consideração por Don Juan Carlos I, chegando a afirmar numa das suas últimas entrevistas televisivas que, sendo comunista era republicano, mas, como homem e Espanhol, era “juancarlista”.

Ironicamente, quando Espanha comemora os 40 anos sobre o “23-F” e a consolidação da Monarquia constitucional democrática, pluralista e parlamentar, turbas de desordeiros, saqueadores de lojas de marcas de luxo e vândalos de património público assim agem em defesa de um rapper condenado três vezes pelos tribunais espanhóis, a última a prisão efectiva de 9 meses, por reiterada reincidência na prática de crimes de injúrias contra a Coroa e toda a Família Real, desde o Rei Emérito Don Juan Carlos I a seu Filho e Rei Don Felipe VI, ignorando que se hoje se podem criticar livremente as instituições políticas espanholas e seus titulares, o devem ao Rei que ora é insultado.

A título de epílogo, refira-se não se poder estranhar que injúrias proferidas contra o Rei em Espanha sejam consideradas crime, como o é qualquer injúria dirigida a um Espanhol comum; e em Portugal também a injúria é crime previsto e punido pelo artigo 181º do Código Penal com pena de prisão até 3 meses ou multa até 120 dias, sendo a pena agravada ou elevada em metade nos seus limites mínimo e máximo, isto é, até 4 meses e 15 dias de prisão ou multa até 180 dias se a pessoa injuriada for, entre outros, o Presidente da República, tudo nos termos do artigo 184º e alínea l) do nº 2 do artigo 132º do mesmo Código.

Portanto, é tão aceitável, compreensível e justificável ser criminalizada e punida a injúria dirigida ao Rei em Espanha, como o é em Portugal quando dirigida ao Presidente da República Portuguesa, pois ambos são Chefes de Estado.

Face à notícia de que em Portugal houve umas quantas pessoas a assinar um documento de indignação e solidariedade para com o rapper espanhol por ter sido vítima de um “atentado” àliberdade de expressão, tal só pode ter mesmo saído de “cabeças iluminadas” dos “costumeiros pseudo-intelectualoides” cá do Burgo, sempre lestos,em Terras Lusas, ou a partir delas, a acusar de delito de opinião, até perante a Justiça, quem expressa ideias diferentes das suas.

Bibliografia: JUAN CARLOS Biografia, de Paul Preston, QUETZAL EDITORES; ANATOMIA DE UM INSTANTE, de Javier Cercas, D. QUIXOTE (investigação exaustiva e considerada a melhor obra sobre o “23-F”), entre outros.

Francisco Garcia dos Santos

 

 

 

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