Os separatismos
26-09-2014 - Adriano Moreira
Quando, no fim da guerra de 1914-1918, o presidente Wilson conseguiu afirmar o princípio de que a relação natural, e justa, era a de a cada nação corresponder um Estado, talvez não fosse apenas uma inspiração de direito natural que o inspirava. A paz abriu a oportunidade de colocar um ponto final na estrutura imperial dominante na Europa, que incluía o Império Alemão, o Império Austro-Húngaro, o Império Turco, o Império Inglês, todos submetendo uma pluralidade de comunidades diferenciadas pela história, frequentemente pela etnia, pela cultura, tendo a fidelidade imperial personificada, mas frequentemente sendo mais visível a submissão forçada do que a fidelidade assumida. O objetivo político, que previsivelmente mais interessava atingir com o princípio, vindo da outra costa do Atlântico, era talvez impedir o renascimento do poder alemão, uma ambição que, se existiu, não impediu a Segunda Guerra Mundial.
Ficou, em todo o caso, até esta segunda guerra, o modelo dos impérios coloniais, com uma complexa semântica a exprimir a relação entre o poder exterior e a submissão, mas nenhuma tradição de exercício do poder democrático exercido pelo colonizador, apenas a recordação dolorosa da agressão que inspirou este grito de revolta: deixem passar o meu povo.
Na Europa é que, e ainda assim sem o transformar em regra geral, o princípio foi venerado. Quando aplicado e respeitado, o que clamorosamente não sucedeu durante a Guerra Fria, não se teve em consideração nem a dimensão dos territórios e do seu povo nem o poder militar que, durante longo tempo, que não parece ter acabado, era o padrão da hierarquia real dos Estados. Alguns encontraram na designação o reconhecimento da hierarquia que em tal escala lhes pertencia, designadamente o Arquiducado do Luxemburgo, o Principado do Liechtenstein, a singularidade de Andorra, a criativa realidade do Mónaco, e, para final da simples lembrança, a solução do Vaticano. Mas se a Primeira Guerra Mundial acabou com o sistema dos impérios europeus, não extinguiu as memórias nem as ambições, o que tem expressão em agitação crescente nas populações dos Estados que formam a União Europeia e na Rússia. Naquela, com exceção da Grã-Bretanha, que em 1914-1918 manteve o império colonial mas teve aqui a sangrenta saga da Irlanda, ou da Polónia, que não pode esquecer a situação de ser a nação mais mal estacionada da Europa, o espírito de unidade, que os fundadores colocaram no lugar da retaliação, enfrenta nesta data de crise financeira e económica o desafio das pequenas nacionalidades que despertam para o princípio de Willson, e pretendem substituir os regionalismos convergentes, de que Portugal é exemplo secular, pelos regionalismos divergentes, acrescentando ao crescente desamor europeu, ao absentismo, ao renascimento de forças políticas que lembram o passado, aquilo que já foi chamado "o regresso das pequenas nações", incluindo, exemplificativamente, a Catalunha, a Flandres, a Córsega, a Escócia, e, no continente americano, o Quebec do entusiasmo distraído de De Gaulle.
Desta feita, é o recurso ao voto o utilizado, o que já representa um enorme progresso, mas o risco para uma União Europeia, sem conceito estratégico, e com os órgãos legais por vezes aparentemente em pousio, são importantes e perigosos os casos de referência que já são a Catalunha e a Escócia. No primeiro caso, o partido Convergência e União (CIU) converteu-se à ideia antiga da independência, desenvolvendo alianças e parecendo disposto a desafiar a constituição. A Escócia, com o rigor democrático esperado, rejeitou a separação, com relevo para a intervenção inesperada de Gordon Brown, quando lembrou o passado histórico comum dos povos do Reino, com a frase encantatória - "que nenhum nacionalismo separe aquilo que construímos juntos".
Uma pregação que a Europa inteira precisa escutar e compreender, mas ainda com dificuldades manifestas na falha de conceito estratégico. E sem poder esquecer que os vencidos perderam o voto, mas não perderam a memória, e podem repetir, assim como o contágio continua a ser um fenómeno não dominado.
Fonte: DN
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