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SANTA SOFIA E O PROJECTO DO “SULTÃO” - II

25-09-2020 - Jorge Duarte

Em Setembro de 2006, o então papa Bento XVI, proferiu, na universidade de Regensburg, na Alemanha, uma palestra sobre religião e violência. Na ocasião, citou um diálogo entre um antigo Imperador bizantino e um persa versado no cristianismo e no Islão. Nesse diálogo, a propósito da guerra santa, o Imperador confronta o seu interlocutor com a relação entre a religião e a violência introduzida aos comandos de Maomé, e as práticas desumanas da expansão da fé, por meio da espada. Finaliza com a asserção de que a violência é incompatível com a natureza de Deus e Este não fica contente com sangue. Foi como se Bento XVI tivesse espoletado uma bomba. A ira e as ondas de choque reverberaram nos quatro cantos do mundo islâmico, envolvendo fiéis, líderes religiosos, organizações muçulmanas. Todos, em uníssono, exigindo um pedido de desculpas público, enquanto saíam à rua e atacando igrejas.

O Papa não disse mais do que a verdade. A rápida e fulminante expansão islâmica, por meio da espada, obedecia apenas a uma obrigação religiosa e legítima da jihad (guerra santa), contra os infiéis, os apóstatas e rebeldes. A sede de despojos, a conquista de mulheres e o poder, fazia destes exércitos um inimigo invencível e fatal; a recompensa era o saque neste mundo e o paraíso no outro.

Maomé morreu no ano 632. Em 691, é erigida, no local do Templo judaico, em Jerusalém, a Cúpula da Rocha, como mensagem a judeus e cristãos sobre a superioridade islâmica. Em 711, apenas 79 anos após a morte do profecta, os exércitos muçulmanos entraram na Península Ibérica para conquistar a Europa, deixando atrás de si a derrota dos persas e anexação dos seus territórios, e o despojo de parte do Império Bizantino, com a captura das províncias cristãs da Síria, Palestina, Egipto, norte de África e parte do sul da Itália. Foi um fogo avassalador. O choque europeu foi tremendo. Como da noite para o dia, a Europa, em pânico, estava a um fio de desaparecer e o papa estremecia em Roma. As peregrinações aos lugares santos bloqueadas, os peregrinos massacrados o Mediterrâneo tomado e os ataques incessantes.

Este foi o cenário que levou mais tarde às cruzadas. Porém, a cruzada não é a mesma coisa que jihad. A cruzada foi defensiva, foi um acontecimento tardio no cristianismo, foi limitada no tempo e não é um apelo bíblico; feita em nome de um deus, mas não a mando de Deus. Pelo contrário, a jihad, passa de um meio a um fim, desde o início do islão. Faz parte das escrituras ditadas por Deus, portanto, eterna e imutável, da vida do próprio profecta e dos seus companheiros e sucessores e continuou ao longo da história até aos nossos dias. A jihad é uma obrigação religiosa, legitimamente regulamentada.

Em Novembro desse ano, ainda no rescaldo dos protestos, o Sumo-Pontífice, visita a Turquia. Erdogan recebe-o brevemente, felicita-o e solicita o seu apoio, no desejo expresso de a Turquia vir a integrar a União Europeia. Mas o Papa não ia em missão política… Enquanto cardeal, Joseph Ratzinger foi contra a entrada da Turquia na EU. “Seria um erro”, disse; “a esfera cultural é muito diferente”.

Sabemos que Ratzinger é um homem culto. Não lhe soará agora nada estranho o júbilo com que milhões de turcos celebram a decisão de Erdogan. Este mesmo honrou a sua presença na oração inaugural da “nova” mesquita, recitando um versículo corânico enquanto assistia à subida triunfante do seu amigo Ali Erbas – o novo mestre da Hagia Sophia – ao mimbar, brandindo um sabre, com um verso corânico inscrito la lâmina, símbolo de conquista.

Erdogan estava consciente da grandeza e valor simbólico do acto que acabava de protagonizar, ou não teria mobilizado 20 mil elementos das forças de segurança. Um desejo antigo, e uma promessa enquanto presidente do município de Istambul, na década de 1990, na fase da ascensão do islão político. Converter Hagia Sophia em mesquita foi um grito de guerra eficaz e mobilizador que se tornou assunto nacional e que três décadas depois, é realizado. Foi um golpe de propaganda populista monumental. Ao mesmo tempo que é aclamado como herói, reforça os poderes da corrente conservadora do seu partido AKP, e dá mais um golpe na herança kemalista, que odeia e regressa ao “caminho recto”. O próximo passo em mente, será a “libertação” da mesquita de Al-Aqsa, no Monte do Templo, em Jerusalém.

Adeus Turquia laica.

A Turquia é uma nação dividida, a lamber ainda as feridas de um passado de derrotas e humilhações – por culpa alheia e por culpa própria -. O pai-fundador e primeiro presidente, Mustafa Kemal Pasa (Ataturk), herói na defesa do Estreito de Dardanelos contra os ingleses, à frente dos seus Jovens Turcos, estabelece, em 1923, a República da Turquia sob as ruínas do Império Otomano moribundo - aliado da Alemanha na primeira Grande Guerra -, que degenerou numa luta de árabes contra turcos. Modernista radical, estudou profundamente a Revolução Francesa e interessou-se mais pela filosofia de Montesquieu, Rousseau, Voltaire, e do positivista Auguste Conte do que pelo Corão e sunnah. Levou a cabo um tão grande número de reformas que deixou o país irreconhecível: Pôs fim às antigas instituições, aboliu o sultanato e as ordens sufis, encerrou madraças, mudou a língua árabe para uma de base latina, substituiu a Sharia por uma cópia do Código Civil suíço, removeu da constituição “ A religião do Estado é o Islão”, impôs o vestuário ocidental aos turcos, proibiu o véu nas mulheres, permitiu o consumo de álcool, mudou o feriado sagrado de sexta-feira para domingo e…converteu Santa Sofia em museu. Morreu exausto com excesso de trabalho nocturno, consumo de álcool e tabaco.

Esta vitoriosa onda secularista que mudou a face da Turquia (mas também muito contestada por multidões furiosas conservadoras com acusações de heresia) saiu das fronteiras e mudou os regimes no Irão com a dinastia Pahlavi, no Paquistão com Jinnah, no Egipto com Nasser, no Iraque e Síria com o baathismo socialista, onde aplicaram os costumes ocidentais. O sistema durou décadas mas terminou em revoluções ou regressão aos valores mais conservadores da sociedade muçulmana, com ódio ao laicismo. Entra a política na religião através de partidos religiosos islamitas. O grande detonador foi a revolução iraniana de 1979; o fermento foi o ódio ao ocidente e o reconhecimento do Estado de Israel pelos EUA; a grande amargura, a humilhação de Nasser e aliados, em 1967, na derrota da guerra dos seis dias contra Israel.

Continua na próxima edição

Jorge Duarte

 

 

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