Shemá Israel
22-08-2014 - Francisco Pereira
O título desta coluna de opinião evoca o início de uma das orações principais do culto judaico e quer dizer “Escuta Ó Israel”. O Estado de Israel, ganhou a sua independência a 14 de Maio de 1948, um pouco como forma de alivio das pesadas consciências dos países Aliados que haviam derrotado a Alemanha Nazi e até certo ponto revelaram uma atitude muito permissiva em relação ao Holocausto, facto que era conhecido através dos relatórios de Ian Karsky de 1942 e 1943 que expôs aos aliados toda a verdade acerca dos campos de extermínio, bem como do relatório do Capitão Witold Pilecki, também de 1943 que abordava a mesma temática, ambos estes relatos bem como outros três relatórios conhecidos como Protocolos de Auschwitz, foram ignorados e até esquecidos.
Importa esclarecer que a «Eretz Israel» a Terra de Israel, criada sob o beneplácito das Nações Unidas, não tomou nada a ninguém, excepto a Faixa de Gaza que tradicionalmente pertencia aos Filisteus antepassados dos Palestinos, ainda que amputado de algum espaço geográfico o actual Estado de Israel é herdeiro desse antigo Reino de Israel ali existente desde o início do segundo milénio AC. Importa esclarecer que há cerca de quatro mil anos que naqueles terrenos pedregosos fica o reino dos Judeus, assaltado, conquistado e governado à vez por Assírios, Babilónios, Persas, Gregos e Romanos, expulsões em massa fizeram os Judeus abandonar os seus territórios ancestrais e começarem a espalhar-se pelo mundo. A revolta de Bar Kokhba contra Roma em 132 culminou com a expulsão da quase totalidade dos judeus, Roma aproveitando o facto renomeou a antiga província da Judeia como «Syria Palæstina» na tentativa de erradicar as referências aos judeus naquela região, colocando os muito mais dóceis Filisteus que habitavam a zona da actual Faixa de Gaza como donos da região, é importante que se perceba a história, para que se perceba o conflito.
O pior é que Israel deixou de escutar, depois de mais de dois mil anos de massacres os Judeus, deixaram de ir mansamente para o sacrifício e respondem, prontamente e de forma implacável, por muito violento que isso possa parecer, é preciso entender a memória colectiva de um povo que há mais de dois mil anos sofre massacres atrozes, de quase todos os povos, religiões e ideologias políticas, nos locais para onde foram obrigados a fugir desde os Selêucidas, aos Gregos, aos Romanos, aos Cristãos (Católicos, Ortodoxos e Protestantes), Muçulmanos, Comunistas e Nazis.
Em Portugal os Judeus foram igualmente perseguidos e alvos de constantes massacres, recorde-se a Inquisição que deste a data da sua introdução em 1536 até meados do século XXVIII, estendeu a sua acção aos quatro cantos do Império, recordem-se a Matança da Páscoa de 1506 em Lisboa e os massacres das comunidades judaicas nas possessões da Índia durante todo o século XVII. A Inquisição só foi formalmente extinta em Portugal em 1821, apesar de desde os finais do século XVIII estar em franco declínio. Poderíamos continuar a enumerar outras centenas de eventos similares de má memória, por toda a Europa e Médio Oriente, culminando com a loucura homicida do Terceiro Reich do alucinado Hitler.
Ao longo de todo este tempo os Judeus sofreram quase sempre em silêncio a mortandade, as arbitrariedades e os sacrifícios que lhes foram impostos, os povos que os agrediam habituaram-se a essa não reacção, a essa mansidão quase bíblica. Entretanto Israel deixou de escutar, ou talvez passasse a escutar as vozes dos milhões de fantasmas do seu povo que por razões comezinhas, sendo a inveja e a ganância apenas duas delas, foram barbaramente assassinados ao longo destes milénios que já leva a disputa. E de súbito Israel reage.
A Guerra da Independência, A Guerra dos Seis Dias, a Guerra do Yom Kippur e todos os conflitos em que Israel se envolveu nos últimos sessenta anos, Crise do Suez, Líbano entre outros de menor intensidade, revelam um crescendo, revelam que Israel e que os israelitas já não são o povo manso que se deixa assassinar mansamente. O objectivo deste articulado não é defender Israel, nem as suas políticas militares, o objectivo é despertar as consciências para que se entenda o âmago das coisas, que são por vezes tratadas com uma superficialidade atroz, nada é assim tão simples, arriscamos a dizer que 90% dos problemas que actualmente o Mundo enfrente no Médio Oriente foram provocados pelas potências Europeias nomeadamente a França e o Reino Unido, tudo tem um preço, que mais tarde ou mais cedo é de esperar que seja cobrado.
Há quatro milénios que os Judeus pagam com sangue o facto de serem a primogénita das religiões monoteístas, hoje as seitas dela derivadas Cristãos e Muçulmanos estão a pagar essa factura que Israel finalmente decidiu cobrar. Não cabem neste texto juízos de valor, aqui não cabem conceitos tão redutores e de fronteiras definidas como sejam o Bem e ou o Mal, nunca nada é totalmente bom ou totalmente maligno, diabolizar uns e deificar outros é sempre má política como se viu recentemente na Guerra dos Balcãs, os maus eram os Sérvios e os bons os outros, hoje sabemos que não foi bem assim.
Para que melhor se perceba, ainda hoje muitos Portugueses sentem desconforto em relação a Espanha. No entanto os conflitos e as disputas territoriais e ou dinásticas com o nosso vizinho duraram apenas uns meros sete séculos, interrompidas com grandes períodos de paz, um pequeno nada se comparado com os quatro mil anos que levam os Judeus a serem massacrados, ainda assim a animosidade que muitos Portugueses ainda sentem por Espanha não se explica, excepto claro está pela memória colectiva, agora imagine o leitor que ao invés desses setecentos anos de memórias menos boas, carrega antes quatro mil anos de mortandade infligida aos seus antepassados, como seria a sua reacção?
A violência nunca é solução, no entanto ela existe e precisamos de realmente perceber as suas causas, antes de enveredarmos por explicações simplistas e maniqueístas que apenas contribuem para exacerbar os extremismos.
Obras interessantes Haenel, Yannick. 2010. Jan Karski. Teorema
Pilecki, Witold. 2013. O Voluntário de Auschwitz. Vogais Editora
Schama, Simon. 2014. A História dos Judeus. Temas e Debates
Pereira, Carlos Santos. 1999. Da Jugoslávia à Jugoslávia. Edições Cotovia
Francisco Pereira
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