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DA PANDEMIA AO RETORNO DOS ESTADOS-NAÇÃO

08-05-2020 - Pedro Pereira

Relativamente às consequências incontestavelmente desgraçadas por via do coronavírus (já existem coronavírus com variantes, desde 1930) em todo o mundo, a pandemia que assola a maior parte dos países, sintomaticamente representa o fim da globalização.

Todas as instituições, todos os mecanismos que deveriam ter impedido a propagação do vírus, reagindo rapidamente de forma a localizar, neutralizar e travar a sua disseminação, para além de curar a doença; as instituições nas quais a humanidade deveria confiar, nomeadamente a Organização Mundial de Saúde (OMS), todas elas falharam de uma maneira completamente vergonhosa.

A globalização não pode fazer nada contra o coronavírus. É impotente. No início, a tentativa de deixar tudo como estava, de não mudar nada e de reagir simplisticamente ao vírus, deu resultados catastróficos, e todas as sociedades, incluindo as mais abertas, as mais liberais, as mais globalistas - europeias e americanas – foram forçadas a encerrar as suas fronteiras, a implementar estados de emergência, a decretar o confinamento forçado de milhões de pessoas, retidas à força nas suas casas transformadas estas numa espécie de prisões domiciliárias, repelindo as instituições globais que demonstraram a sua completa ineficácia, impotência e nulidade, a sua incapacidade de responder a qualquer catástrofe, delegando autoridade para resolver esta pandemia nos governos dos estados-nação.

Na verdade, o que aconteceu em França com Macron, nos Estados Unidos com Trump, na Alemanha com Merkel, em Itália, em Espanha, em Portugal e até com Boris Johnson no Reino Unido, na prática é um retorno aos estados-nação, imposição do estado de emergência que, de acordo com Karl Schmitt*, “o estado de emergência é necessariamente seguido pelo estabelecimento da ditadura”.

Para Karl Schmitt, o chefe político é aquele que toma decisões em estado de emergência. Ora o coronavírus trouxe-nos a necessidade de estados de emergência e, a autoridade suprema que toma decisões, a instância soberana são os estados-nação sob a chefia dos seus líderes políticos.

Por outras palavras, assim que a globalização colidiu com algo que representa uma ameaça real para as vidas humanas, todas as questões sobre fronteiras abertas, sobre tecnocracia, sobre Ilon Mask, voos para Marte, carros sem motorista da Tesla, Greta Tunberg, todos os projetos globalistas desapareceram de um momento para o outro.

A verdade é que a China nesta cena tem agido sozinha desde sempre, tanto mais que este país foi a primeira vítima da propagação da pandemia, embora, talvez, a pandemia em outros países: EUA, Europa e Itália já existissem antes, apenas não tinha sido detectada.

Assim, a China acabou por ser o primeiro pais que foi identificado como estando a braços com uma epidemia de coronavírus. A partir de então outros países descobriram o coronavírus, mas é óbvio que a escala e o escopo que a disseminação do coronavírus adquiriu na Europa ou nos EUA significa que esta estirpe viral existe há muito tempo.

A China, que colidiu numa escala bastante aterradora com esta epidemia, lidou com ela apenas graças à sua proximidade. Devido ao facto deste país manter uma estrutura política governada por uma ditadura Comunista, e porque possui uma sociedade bastante disciplinada, foi instantaneamente implementado o modo de isolamento. Fecharam Wuhan e outras províncias, bloquearam pessoas, proibiram toda a circulação e movimentos públicos, impuseram o estado de emergência numa parte dos seus territórios e, dessa maneira, localizaram o vírus suprimindo-o ao máximo. Essa acção rigorosamente coordenada do modelo chinês deu um exemplo de como trabalhar com coronavírus.

Assim que os casos de covid-19 começaram a multiplicar-se na Europa e América, rapidamente os países chegaram à conclusão de que as medidas aplicadas pelos chineses eram as únicas que se aparentavam eficazes para combaterem esta estirpe viral.

Entrementes, personagens fanáticas do globalismo, como Bill Gates, tentaram de todas as formas convencer a opinião pública de que a melhor forma de combater o vírus é toda a gente infectar-se rapidamente, mantendo as fronteiras abertas e todo o sistema globalista a funcionar a pleno. Num certo sentido tem razão de ser, porque morre muito mais gente e mais rapidamente.

Na semana em que a propagação do vírus atacou fortemente o Reino Unido, Boris Johnson ainda tentou mover-se na direção liberal-globalista, mas face à escala aterradora da tragédia, rapidamente mudou de rumo e foi obrigado a implementar o mesmo regime já adoptado por imensos países, inclusivamente europeus, de isolamento, encerramento de fronteiras, confinamento dos cidadãos e quarentena.

Assim, graças à pandemia, o mundo actualmente está em conformidade com todos aqueles que queriam fechar as suas sociedades, as suas fronteiras e confinar o seu povo, que queriam impor um estado de emergência e transferir a autoridade para o estado nacional como o mais alto exemplo de soberania. As circunstâncias da pandemia propiciaram a realização dos seus desejos. É claro que dadas as contingências da pandemia, quase todos os países afectados agiram da mesma maneira: fronteiras fechadas, encerramento de pessoas e transferiram o poder das autoridades supranacionais para nacionais.

Quando a epidemia começou, antes da disseminação do coronavírus, lidávamos com a sociedade aberta e, mesmo que essa sociedade não fosse completamente aberta à escala mundial, todas as elites, todas as lideranças de todos os países: a Rússia, a China e até o Irão, em grande parte, além dos países ocidentais, eram reconhecidos por possuírem padrões de sociedade aberta. A sociedade aberta é, se não for algo realizado, como na Europa ou na América, um objetivo a ser seguido depois, como em outros territórios e, portanto, na realidade ninguém questionou que de qualquer forma, a democracia liberal e a sociedade aberta são o objetivo para o qual toda a humanidade se estava movendo. Ninguém questionou isso.

Chegou o coronavírus e descobriu-se que esse objetivo, essa orientação fracassou completamente. Em seguida assistimos ao colapso total da sociedade aberta, porque o coronavírus é incompatível com a sociedade aberta, na medida em que devemos escolher entre o coronavírus ou a sociedade aberta.

Eis o que sucedeu: assistimos ao encerramento de sociedades abertas, à mudança de autoridades transnacionais e abordagens para processos económicos, sociais e políticos para padrões nacionais. O coronavírus fechou a sociedade aberta, eliminou completamente o processo de globalização, minou a economia global e retornou os povos às fronteiras nacionais.

Muitos vão dizer que, “essas medidas são temporárias, até que surja uma vacina…” … Isso é um erro. Primeiro, a epidemia vai durar entre seis meses a um ano. Depois, segundo alguns, ainda não contaminou toda a humanidade e pode haver recaídas da doença, ou novas variantes… De todas a formas, o precedente, a caixa de Pandora foi aberta, o que evidencia o completo fracasso do projeto globalista.

Se um problema sério, com a magnitude do que se encontra em curso, pode ser efetivamente manejado pela humanidade apenas no contexto do encerramento dos cidadãos em suas casas, no encerramento das fronteiras nacionais, significa que a globalização chegou ao fim e que entrámos no mundo pós-globalização. Nesse sentido, sob o aspecto ideológico, atualmente estamos a passar pela transição de uma sociedade aberta para uma sociedade fechada, e quanto mais tempo essa luta durar nesse contexto, e somente nessas condições ela poderá ser conduzida, mais profundamente as instituições da ordem pós-globalização se enraizarão.

Entrámos na pandemia de coronavírus como sociedade aberta, como mundo global e vamos sair dela como mundo multipolar, com os estados-nação como autoridades superiores de soberania. Esta é obra da pandemia. Dia após dia vai-se aprofundar a irreversibilidade desse processo. Aqueles que acreditam que tudo voltará ao que era dantes, estão profundamente enganados: não há caminho de volta, os horizontes são totalmente novos, a nova ordem mundial diferente da anterior está em frente. No mundo multipolar, do estado de emergência, à suspensão da democracia e revogação temporária de direitos e liberdades civis ou, pelo menos, restrições – esse regime passa a ser dominante na ordem mundial que tomará forma dia após dia rapidamente. Assim, durante o coronavírus, estamos mudando uma ordem mundial: de sociedade aberta, de sistema global para outro: para uma sociedade fechada, um mundo multipolar com prioridades completamente diferentes, outros sistemas de valores e outras estruturas de governança política.

O estado de emergência (ou estado de calamidade) é muito sério e quem está no poder em tal situação, provavelmente não o abandonará voluntariamente a ninguém.É importante sobreviver, mas o leitor não pode reduzir tudo à solução de problemas puramente técnicos; é essencial pensar no futuro. E na saída desta pandemia, encontraremos uma realidade pós-globalização completamente nova. Pode acreditar.

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* Carl Schmitt foi um jurista, filósofo político e professor universitário alemão. É considerado um dos mais significativos e controversos especialistas em direito constitucional e internacional da Europa do século XX.

Pedro Pereira

 

 

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