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Não é o ficar em casa

01-05-2020 - Armando Alves

Não é o estar fechado em casa que nos derrota a alma. É a adaptação e o que ela de nós, exige. Quem não pensou antes “quem me dera não ter de sair de casa”. Quem não penso antes “estou farto disto, daquilo, deste e desta”. A verdade é que íamos muito depressa, acelerados a correr de um lado para o outro como pombos quando se espalha o milho, sem grande noção de onde queremos chegar. Resolve isto, trata daquilo, atende o telemóvel, responde ao e-mail. Ter um plano costumava significar alguma coisa, tinha-se um plano e cumpria-se.

Agora um plano é mais um rascunho do que se pretende fazer ao longo do dia, da semana, do mês. A quantidade de vezes que somos interrompidos a todos os momentos vindo dos mais variados meios, atrasa, atropela e muta o plano como uma criatura viva.

O plano passou a ser uma ideia. Um ponto de partida antes de assuntos se empilharem com as suas constantes necessidades de repriorização de tópicos. Isto é urgente, agora isto é mais urgente, afinal isto tem de ser feito antes, mas para fazer isto preciso daquilo, do outro, e de mais o raio que os parta. Irra, que uma pessoa perde-se neste maldito século.

E agora, parou. Temos de ficar em casa. Temos de parar. Temos de respirar fundo, arranjar o que fazer. E agora parece impossível, parece que não há o que fazer, mas a verdade é que há o que sempre houve para fazer, o que não há são as interrupções que se atropelam e dão lugar ao falso sentido de produtividade de penicar neste assunto, naquela tarefa, falar com este e aquele. Não.

O que já não sabemos é produzir calmamente. Começar, enfrentar, continuar, ter momentos de desmotivação e ultrapassar, sem a desculpa de que surgiu esta ou aquela urgência. Não temos onde ir, temos de ficar.

Não quero com isto dizer que estejamos melhor assim, claro que não, falta-nos o convívio, a família, a amizade, o ar fresco e a segurança de olhar nos olhos do próximo e apertar-lhe a mão. A questão é, andávamos nós a valorizar estes regalos da vida? Passam-se por vezes meses sem ver aqueles que me são queridos, mas a mente distraída com o que é “importante” lá deixa passar mais um e outro dia e nem um telefonema me lembro de fazer-lhes.

E agora fazem-me falta. Será que é por não os poder ver? Uma birra que declara que sofro por não ter o que quero? Ou será que abrandei, que acalmei, que parei de distrair-me com “coisas importantes” e começo a ver com clareza o que realmente me causa saudade agora que sou forçado a enfrentar-me a mim próprio na minha calma.

Não julgo que o trabalho não seja de facto importante, ou de priorizar, mas há que ter calma. Não é sempre necessária a corrida, pelo contrário, por vezes é a paz e a calma que trazem os melhores resultados. Porque é que hoje em dia se pensa pouco profissional estar incontactável? E se o meu plano exigir a minha atenção? E se eu dedicar a minha atenção ao meu projeto? Porque serei eu pouco profissional se não me deixo distrair por constantes “urgências”. Sempre a apagar fogos e a dar continuidade ao plano nos intervalos.

E engana-se a si próprio quem acredita que voltar ao estado mental de concentração se recupera após desligar uma chamada ou enviar um e-mail.

Não, esse estado exige horas de dedicação a submergir naquilo a que nos dedicamos. Assim se alcançam peças únicas.

Desde o arquiteto, ao advogado, ao escritor, ao calceteiro. Uma tarefa torna-se arte quando nos dedicamos de tal forma que somos absorvidos por ela. Talvez seja isso que nos pese na alma, a incapacidade de nos dedicarmos. A falta da constante e justificável distração que nos arranca do nosso plano.

Talvez tenhamos de reaprender.

Armando Alves

 

 

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