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Pegar no copo.

10-04-2020 - Armando Alves

Esta mão não é minha. Estão a ler o que estou a escrever? Quer dizer, o que esta mão está a escrever? Confesso que de facto transpõe o meu pensamento à letra, não digo que não. Mas não é minha!

Pegar no copo.

Que raios? Não estou a pensar em escrever “pegar no copo” maldita mão. Estou a ordenar-te que pegues no copo!

Para de escrever. Ordeno-te que pares de escrever!

Não é assim que as mãos funcionam, tenho-o eu cá para mim. Pois a outra coça-me o queixo neste momento tal como a mando fazer. Ou nem mando, penso e coço. Agora que penso nisso, se a comichão não for intensa nem penso, ela coça e pronto. Age sozinha. Tal como esta. Será que também não é minha? Oh meu deus! Não tenho mãos, as minhas mãos é que me têm a mim.

Escreveste deus com letra minúscula.

Fizeste-o outra vez. Não vou ficar com as culpas disto. Se alguém se ofender és tu que respondes pelos teus atos.

Será que tenho o resto do corpo? Os olhos piscam quando bem lhes apetece, o nariz espirra sozinho. E bem posso evitar não esvaziar a bexiga mas se ela assim o quiser, aí que as pernas correm para a casa de banho, isso correm.

Não tenho corpo. Têm-mo ele a mim. O que não é assim tão descabido. Quando quem me conhece pensa em mim, surge-lhe na mente a minha cara, ou a cara a quem eu pertenço, neste caso. E o que tenho eu a ver com esta cara? Tirando o facto de ter nascido com ela? “Tens um sorriso bonito” costumava ouvir quando era mais miúdo. E ficava todo contente, mas a verdade é que isso não vale nada. Fico contente, sorrio, tenho lá culpa que seja bonito ou feio? Isso não sou eu, é a minha boca, os meus dentes. Talvez um elogio mais pessoal fosse “é bonito que tal coisa te faça sorrir”. Continua a ser algo de involuntário, mas pelo menos demonstra algo sobre mim, e não sobre os dentes que na boca me foram surgindo. Posso muito bem ter um sorriso lindo e estar a rir da desgraça dos outros. E se tivesse os dentes mais tortos, ou me faltassem alguns? Perdia esses elogios! Mas eu sou o mesmo, não é justo. Andam a elogiar-me a coisa errada.

Imagino quantas caras e corpos lindíssimos andam por aí, ocupados por pessoas de egos inchados pelos elogios que julgam ser acerca de si. Não quero cá dizer que não devamos admirar lindos olhos, caras, corpos e sorrisos, mas talvez devêssemos trata-los como apenas isso, coisas bonitas. E talvez nos devêssemos habituar a dar mais elogios às pessoas que às coisas. Quantas pessoas lindas andaram por aí sem saber o seu valor porque os seus olhos não são esteticamente mais agradáveis de olhar do que outros quais queres? Talvez se nos focássemos para onde olham tais olhos, descobríssemos mais sobre a pessoa e até sobre o verdadeiro significado de beleza.

Mão, podes parar um bocadinho e segurar no copo?

Armando Alves

 

 

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