PS – A Mudança que Tarda
04-07-2014 - Carlos Ademar
DECLARAÇÃO DE INTERESSES: o autor destas linhas é português, daqueles que gostam de o ser sem demagogias patrioteiras, mas nunca ignorando que é herdeiro de uma forma de estar na vida que levou Portugal a ter um papel incomensuravelmente maior do que aquele que a sua dimensão e localização geográfica poderiam levar a supor. De resto, falta-lhe paciência para dogmas ou certezas absolutas. Não se tem em grande conta, é verdade, e por isso, no que lhe diz respeito as expectativas são baixas. Contudo, acredita que o homem caminha todos os dias para a felicidade e, apesar de algo insistente lhe fazer chegar que esse é um porto de abrigo impossível de alcançar, com avanços e recuos, vai cumprindo o caminho, porque, e isso sabe-o bem, é apenas este e o que dele se extrai, que verdadeiramente conta. Costuma conduzir-se pela esquerda, mas por vezes pisa o risco fronteiriço. Admite que cada vez com menos convicção, particularmente em eleições legislativas, vota quase sempre no Partido Socialista. Dito isto, que considera importante, sente-se legitimado a abordar a matéria que deseja partilhar com quem o lê nesta plataforma.
O primeiro-ministro prometeu (e para desgraça dos portugueses desta vez cumpriu) ir mais longe do que impunha o acordado com a Troika. Vamos ver: para que Portugal mantenha o que resta das conquistas que chegaram com o 25 de Abril, é absolutamente vital expulsar Passos Coelho e a sua política ultraneoliberal, que apenas favorece os mais ricos. Se assim é, sejamos pragmáticos: para atingir esse objectivo o povo português só pode contar com o PS, ainda que lhe exija alianças à esquerda e uma política mais consentânea com o nome e programa do Partido. Para o melhor ou para o pior, assim tem sido ao longo do regime democrático e não se anteveem razões que mexam nesta tradicional alternância.
Contudo, nos últimos três anos verificamos que a actual liderança do PS não consegue fazer descolar o Partido da coligação governamental nas intenções de voto, malgrado o enorme desgaste que esta tem vindo a sofrer, fruto da desmesurada austeridade que o Governo implementou. O resultado das últimas eleições europeias fala por si. O eleitorado português castigou a coligação com o pior resultado de sempre, sem deixar de castigar o PS ao dizer-lhe que para ser alternativa é imperioso que mude a liderança. Os 31,5% que recebeu dizem o que falta. Ganhou as eleições, é certo, mas com uma das mais magras vitórias da democracia portuguesa, quando o panorama político interno indicava condições para uma diferença sem equívocos. Venceu assim com menos de quatro pontos de vantagem sobre a coligação, o que para esta abre perspectivas de vitória em 2015, bastando para tal que o Governo amenize a austeridade e dê algumas benesses típicas de período pré-eleitoral, como aliás já foi anunciado nos últimos dias.
O povo português não pode suportar esta coligação por mais quatro anos, sob risco de regressar a índices de desenvolvimento civilizacional anteriores ao 25 de Abril. Tem de surgir um PS forte, coeso, que dê mostras de possuir ferramentas que o transforme na alternativa que o povo ainda não descortinou na actual liderança, mas que paute a sua política por critérios que beneficiem quem tanto tem sido prejudicado nos últimos anos: a classe média e os mais desfavorecidos.
Acredito que António Costa, sem ser o homem providencial de que alguns falam, seja capaz de protagonizar tal mudança. António José Seguro após três anos de apagado cinzentismo, depois de Costa se mostrar, saiu da sua zona de conforto e arreganhou os dentes. Porém, o que mostrou está longe de ser edificante para alguém que almeja assumir os mais altos lugares na hierarquia do Estado. Percebendo que não tem qualquer hipótese de manter a liderança tendo Costa como opositor, tenta retardar o mais possível a transferência do poder ao inovar e exigir eleições primárias – o que sempre recusou quando outros as pediram -, e ao agendá-las apenas para finais de Setembro. Entretanto e curiosamente (ou talvez não) voltou a pedir que Cavaco Silva se pronuncie, regressando, sem o dizer, à exigência de demissão do Governo, quiçá, por acreditar que ao longo deste extensíssimo impasse no PS, alguma decisão possa surgir de Belém e comprometa a pretensão de Costa. No combate político surgem posturas e atitudes por vezes pouco dignas, bem o sabemos, mas deste tipo, por ter objectivos tão evidentes e tão pouco recomendáveis, fica escancarado que António José Seguro não merece o lugar que ocupa e muito menos o de primeiro-ministro, que tanto ambiciona.
PINN
Voltar |