Vivemos para Trabalhar ou Trabalhamos para Viver?
21-03-2014 - Ana Rajado
Belmiro de Azevedo, presidente do Conselho de Administração da Sonae, afirmou na semana passada que “trabalhar não mata, estar quieto é que provoca obesidade”, que “para entrar na Sonae é necessário ter disponibilidade e não arranjar desculpas para não estar no trabalho”, e descrevendo-se a si mesmo como “exigente para os mandriões”, acrescenta que, “se todos fizerem o que devem fazer, não temos problemas”, pois é “igual a qualquer um dos funcionários da empresa”. Finalmente, a cereja em cima do bolo é a sua declaração de intenções austeras: “os salários em Portugal só podem aumentar quando os trabalhadores aumentarem a produtividade”.
É claro que o empresário omitiu que a produtividade dos trabalhadores portugueses tem vindo a aumentar, à custa da intensificação do trabalho e de baixas salariais. Omitiu e ninguém quis saber. Segundo o INE, cerca de 70% da população empregada trabalha mais de 40 horas semanais. Mais de 44 horas semanais trabalham 25% destes. Para colocar no desemprego 1 milhão e 400 mil pessoas intensificou-se o trabalho, e os trabalhadores, com medo de perder o emprego, aceitaram essa exigência.
O aumento da produtividade é possível pela inovação tecnológica ou intensificação do trabalho. Dizer que a produtividade dos portugueses é menor do que a dos alemães não significa dizer que os trabalhadores portugueses trabalhem menos que eles. Basta que a Alemanha utilize mais tecnologia! Em Portugal, o aumento da produtividade só tem sido possível à custa da diminuição do custo unitário do trabalho, seja pela intensificação dos ritmos de trabalho, do tempo de trabalho, ou seja, simplesmente, pela diminuição da massa salarial. O próprio Relatório do Orçamento de Estado de 2013 (ROE 2013) diz, precisa e claramente, que houve um aumento da produtividade no país devido a um aumento do desemprego, o que compensou a queda do produto interno bruto (PIB). E é deste projecto político-económico que Belmiro é um dos rostos.
Contudo, dizer que é “igual a qualquer um dos funcionários da empresa” seria bem chocante se não fosse tão ridículo. Belmiro de Azevedo detém a 3ª maior fortuna portuguesa e é o 687º homem mais rico do mundo. No ranking espectacular dos mais ricos do mundo, segundo a revista Forbes, teve a maior escalada, subindo 337 posições. A sua fortuna actual está avaliada em 2,5 mil milhões de dólares, quando no ano passado era de 1,45 mil milhões.
Este é o engenheiro Belmiro de Azevedo, o técnico que deve a grande oportunidade da sua vida à luta dos trabalhadores portugueses. A sua história está bem contada no livro “Os Donos de Portugal” e não pode ser dissociada do 25 de Abril: a transformação social decorrente do 25 de Abril criaria as circunstâncias suficientes para que Belmiro se tornasse gestor da Sonae. E Belmiro sempre soube aproveitar a suficiência das circunstâncias.
A vida de Belmiro começa a correr-lhe bem quando Afonso Pinto de Magalhães, dono da Sonae − uma holding da família, que parte da banca para muitos segmentos de negócios − é obrigado, com o 25 de Abril, a sair de Portugal. Depois, no momento em que morre um dos administradores da Sonae, proprietário de um lote simbólico de cem acções da empresa, Belmiro de Azevedo compra 17 destas acções, assim como o fazem outros quadros da empresa. As acções da Sonae estão nas mãos da família (80%) e do Banco Pinto Magalhães (20%).
Aquando da nacionalização do BPM, estas acções foram nacionalizadas, juntamente com o banco. Com grande parte do grupo nacionalizado, as decisões de gestão do ramo industrial da Sonae passam a ser tomadas pelos mini-accionistas disponíveis, os quadros que tinham comprado a quota afinal não tão simbólica de cem acções. Belmiro fica à cabeça. Os representantes do Estado na gestão da Sonae abstêm-se nas votações. Durante os anos em que Afonso Pinto de Magalhães vive no Brasil, o seu representante na Sonae é Belmiro de Azevedo.
Em 1982, Pinto de Magalhães está de regresso, quando as propriedades da família foram descongeladas. Mas Belmiro, que comandava a Sonae há 7 anos, tornara-se difícil de substituir. Assim, o velho dono da Sonae oferece ao engenheiro, agora com 44 anos, uma quota de 16%.
Dois anos depois, com a morte de Pinto Magalhães, Belmiro volta a negociar com os herdeiros a sua continuidade. E, como não podia deixar de ser, Belmiro de Azevedo não deixa de lado a grande aposta da economia portuguesa: a exportação.
“Portanto”, dizia também Belmiro de Azevedo na semana passada, esta “é uma maneira de fugir à realidade, porque se não formos igualmente competitivos, não exportamos. E não exportando não vamos a sítio nenhum”. Ora, é preciso compreender que “ir a algum sítio” no cenário actual de queda na produção (o que é expresso pela queda do PIB) significa encontrar meio de escoar uma parte maior da produção que não será consumida no mercado interno, ou seja, tira-se aos trabalhadores portugueses para lucrar no mercado internacional. Assim, converte-se o empobrecimento de uns no enriquecimento de outros, como é próprio de um Belmiro de Azevedo.
Ana Rajado
Investigadora de História das Relações Laborais
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