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É o coração do regime que está em causa

26-02-2016 - Ana Sá Lopes

Ver um procurador da República arguido num processo de corrupção é um choque para o país. A justiça é um dos pilares do regime democrático e só existe Estado de direito – que vive da separação de poderes – quando a justiça é incorruptível. Orlando Figueira tinha feito uma estranha mudança de emprego quando passou de procurador arquivador de processos de altas personalidades do regime angolano para alto funcionário de uma entidade angolana. Essa instituição, o BCP, foi mantida pelo procurador durante muito tempo em segredo. Agora, o Ministério Público encontrou provas capazes de o constituir arguido num processo de corrupção. Do outro lado, indiciado por corrupção activa, está o número dois do Estado angolano, Manuel Vicente.

Manuel Vicente, o braço direito de José Eduardo dos Santos

A questão toca no coração dos dois regimes: o português e o angolano. À justiça o que é da justiça, à política o que é da política mas, politicamente, não vai ser um novelo fácil de desenrolar, tendo em conta as complexas relações entre os dois países e o estatuto de Vicente como braço-direito de José Eduardo dos Santos. É provável que só estejamos a ver a ponta do icebergue.

O Ministério Público teve coragem política ao enfrentar aquilo que parece ser um cancro dentro do seu próprio sistema – que é, afinal, o nosso sistema democrático. Resta saber como é que todos os “bons portugueses” que consideram que a corrupção só existe em Angola e que, em Portugal, o Ministério Público acusa políticos sem fundamento vão reagir a este caso.

É verdade que esse contingente é numeroso, o dos comentadores que saltam de alegria à primeira suspeita de corrupção envolvendo Angola e fecham os olhos se estiver em causa algum português – como, por exemplo, Sócrates.

Este é um bom processo para se entender a teoria dos dois pesos e duas medidas que tem feito o seu caminho perverso na sociedade portuguesa.

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Orlando Figueira. O professor de magistrados angolanos

Por Pedro Rainho

Chegou ao DCIAP em 2008 e especializou-se em crimes económicos e fiscais

Quando Orlando Figueira pediu para deixar o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), para onde tinha sido destacado em 2008, já tinham passado pelas mãos do procurador da República milhares de páginas com informação sensível sobre Angola, o sistema financeiro daquele país e as ligações entre o poder político e a alta finança. Não disse para onde ia – deixando outros procuradores incomodados com eventuais conflitos de interesse – e ainda ficou com a porta aberta para voltar ao Ministério Público mais tarde, se quisesse.

É depois de chegar ao DCIAP, o departamento da Procuradoria-Geral da República que investiga a criminalidade mais grave, que a carreira de Orlando Figueira começou a cruzar-se com mais intensidade com Angola. Além dos processos-crime que teve em mãos, e que envolviam altas figuras daquele país, o procurador fez parte da equipa do DCIAP que deu formação a dois grupos diferentes de magistrados angolanos.

Por essa altura, Orlando Figueira já se tinha especializado no direito penal e na criminalidade económico-financeira – foi, de resto, essa a informação que o magistrado fez questão de colocar no currículo que apresentava na BAS, sociedade de advogados (e que ontem continuava disponível no respectivo site).

O escritório, no coração de Lisboa, perto do Marquês de Pombal, foi uma das moradas profissionais do ex-procurador, depois de se afastar do DCIAP. Acabou por ser alvo de buscas durante o dia de ontem, precisamente no mesmo espaço onde exerce Diogo Lacerda Machado, o advogado que o primeiro-ministro António Costa chamou para negociar com o grupo dos chamados lesados do Banco Espírito Santo e com o consórcio privado que entrou no capital da TAP, e que já tinha sido seu secretário de Estado da Justiça no Governo de António Guterres.

As últimas funções assumidas por Orlando Figueira foram as de assessor jurídico do CEO do ActivoBank (que desempenhava desde 2014), uma instituição do grupo Millenium BCP, com ligações a Angola e de que o ex-procurador era colaborador desde o momento em que deixou o Ministério Público (precisamente a informação que preferiu não mencionar junto da hierarquia).

Mais distantes dos contactos internacionais de alto nível, Orlando Figueira começou a carreira como consultor jurídico da Associação de Jovens Agricultores de Portugal, entre 1985 e 1988, logo depois de acabar o curso na Faculdade de Direito de Lisboa. Durante esses três anos, Figueira foi professor do ensino secundário e fez uma pós-graduação em Estudos Europeus e passou pelo Centro de Estudos Judiciários, porta de entrada na magistratura.

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Orlando Figueira. Ex-procurador mudou declarações de IRS

Por Pedro Rainho

Figueira comunicou alterações ao documento para incluir alegadas ‘luvas’. Vice-presidente de Angola será suspeito de corrupção activa.

Precisamente no ano em que o Ministério Público recebeu uma denúncia sobre os alegados actos de corrupção de Orlando Figueira, o ex-procurador decidiu pedir às Finanças para fazer uma rectificação à sua declaração de IRS referente ao ano de 2012 – quando entraram na sua conta bancária milhares de euros para pagar alegadas ‘luvas’. O vice-presidente de Angola terá também sido indiciado por corrupção activa agravada no processo.

Orlando Figueira estava há dois anos fora da magistratura. Tinha pedido uma licença sem vencimento com efeitos práticos a partir de 1 Setembro de 2012. No seu currículo pós-Ministério Público (MP) passou a constar a sua colaboração com o Millenium BCP – um banco com forte intervenção angolana. Nessa instituição, logo em 2012, o ex-procurador assumiu as funções de consultor na área de compliance (que garante o cumprimento das regras no combate ao branqueamento de capitais). A partir de 2014 passou a ser também assessor jurídico do administrador do Activo Bank (instituição também ligada a Angola, através do BCP).

Foi já nesse contexto profissional que, apurou o i, as Finanças receberam, há dois anos, de Orlando Figueira um pedido: queria alterar a declaração de rendimentos que tinha apresentado ainda enquanto procurador, para acrescentar verbas que tinham ficado de fora (por declarar), no documento original.

Investigava vice de Angola Segundo a investigação à “Operação Fizz” – que levou, esta terça-feira, à detenção do antigo magistrado por suspeitas de corrupção passiva na forma agravada, branqueamento de capitais e falsidade informática – , Figueira terá recebido ‘luvas’ para deixar cair um processo em que o vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, era investigado por branqueamento de capitais. No mesmo caso estavam a ser investigados Leopoldino Nascimento (general da Casa Militar do Presidente de Angola) e José Pedro Morais Júnior (governador do Banco Nacional de Angola).

Os procuradores encarregues de investigar o antigo colega descobriram que no mesmo dia em que o procurador arquivou um processo contra Manuel Vicente, a 16 de Janeiro de 2012, alegando “ausência de provas”, caíam na sua conta 170 mil euros provenientes da sociedade Primagest, onde a Sonangol (de que Vicente tinha sido presidente) tem participação. Antes, já teriam sido transferidos outros 130 mil euros, levando a que as ‘luvas’ pagas para arquivar o processo contra Manuel Vicente chegassem aos 300 mil euros.

Segundo o MP, esse arquivamento ter-lhe-á valido os cargos que veio a desempenhar nos anos seguintes, como forma de pagamento do favor enquanto procurador do DCIAP e, segundo o i apurou, terá já levado os procuradores a indiciar Manuel Vicente pelo crime de corrupção activa agravada.

Afastamento suspeito

Mas a saída de Figueira do MP ficou envolta em suspeitas (só ao fim de longos meses ficou claro para onde tinha ido trabalhar). Suspeitas que se agravaram, como o i adiantou ontem, com a denúncia anónima recebida pelo MP em 2014 e, logo a seguir, com a investigação feita às contas do ex-procurador do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP).

Ontem, depois de passar a noite no estabelecimento prisional anexo à Polícia Judiciária, Orlando Figueira esteve a ser ouvido pela juíza Maria Antónia Andrade para primeiro interrogatório. Apesar de estarem em causa suspeitas da prática de crimes de natureza económico-financeira, a instrução do processo não passa pelo Tribunal Central de Instrução Criminal porque os factos em investigação se circunscrevem à zona de Lisboa.

Fonte: Jornal I, 2016.02.25

 

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