Cavaco enviou veto fora de prazo (e a culpa é do porteiro)
29-01-2014 - Zap
Os vetos de Cavaco Silva aos diplomas da adoção por casais do mesmo sexo e das alterações à lei do aborto foram entregues com possíveis dias de atraso por terem ficado quatro dias na portaria do Palácio de Belém antes de serem apreciados pelo Presidente da República.
O chefe de Estado aponta a data de receção dos diplomas como o dia 4 de janeiro, mas o documento da Assembleia da República que comprova a receção pelo Palácio de Belém dos dois diplomas tem data de 30 de dezembro.
De acordo com a Constituição, Cavaco Silva tinha 20 dias para vetar ou promulgar as alterações. Ao dar a sua resposta a 23 de janeiro – um sábado -, o prazo é ultrapassado se iniciarmos a contagem a 30 de dezembro, e respeitado apenas no limite tendo em conta que o início da contagem a 4 de janeiro terminava no dia das eleições presidenciais.
Os diplomas foram entregues em mão por um funcionário do Parlamento, mas o assessor de imprensa da Presidência da República José Carlos Vieira, explica ao Diário de Notícias que apesar de os diplomas terem dado entrada no Palácio de Belém a 30 de dezembro “no portão exterior” – o que consta no documento que comprova a receção -, tal ocorreu “às 18h12, quando a Secretaria da Presidência que receciona a correspondência do Presidente estava já fechada”.
No dia seguinte, “sendo 31 de dezembro, havia tolerância de ponto e a secretaria esteve também fechada, assim como no dia seguinte, sexta, 1 de janeiro, feriado, e no fim de semana”, descreve o assessor do PR.
Assim, de acordo com a Presidência a secretaria só recebeu os diplomas na segunda-feira, dia 4, e daí os vetos referirem essa data. Do ponto de vista da Presidência, este deve ser considerado o ponto de partida para a contagem dos 20 dias – e assim os vetos, datando de 23, estariam dentro do prazo.
Sem consequências
O caso foi abordado esta segunda à noite, no programa Prós & Contras, da RTP.
O constitucionalista Jorge Reis Novais, a primeira pessoa a levantar publicamente a questão, considera trata-se de “uma manipulação ostensiva das datas” da parte da Presidência.
“O Presidente usou 27 dias em vez de 20, o que é um escândalo”, sublinha.
No entanto, considera que a Assembleia não deve “levar isto para a discussão jurídica, o que seria um erro. Deve desvalorizar os vetos com base na sua inconstitucionalidade mas confirmar os diplomas”.
Paulo Otero, outro constitucionalista, frisa que “tal como não existe nenhum mecanismo previsto para o caso em que o Presidente deixa passar o prazo constitucional para veto ou promulgação, também não existe um que o obrigue a promulgar caso ele não queira; não existe qualquer sanção”.
O professor catedrático conclui que “sendo o Presidente da República o garante da Constituição deve respeitá-la, mas se a desrespeitar não acontece nada.” Assim, “em termos práticos, a Assembleia poderia notificá-lo por ter deixado passar o prazo mas nada o obrigava a promulgar”.
Jorge Reis Novais fez, no entanto, um reparo: “23 de janeiro, a data do veto, foi sábado. Para receber não podia ser mas para vetar já pode ao sábado?”
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