| Conselho de Fiscalização das secretas isolado na defesa do SIS
23-06-2023 - Valentina Marcelino e João Pedro Henriques
Vitalino Canas, Abílio Morgado e Jorge Bacelar Gouveia não duvidam que a atuação do SIS foi ilegal e não compreendem a posição do CFSIRP de "defender o indefensável".
Vitalino Canas, constitucionalista e ex-governante do PS, e dois ex-presidentes do Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa (CFSIRP), o jurista Abílio Morgado e o constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia, mantêm que a ação do SIS na recolha do computador do ex-adjunto do ministro das Infraestruturas, João Galamba, foi feita à margem da lei que regula as "secretas".
Esta foi a reação à segunda tomada de posição dos membros do CFSIRP, que alegam o contrário, depois de terem sido ouvidos de novo no parlamento.
Na quarta-feira, os três membros do CFSIRP - Constança Urbano de Sousa (ex-ministra PS), Joaquim Ponte (ex-deputado PSD) e Mário Belo Morgado (juiz conselheiro e ex-secretário de Estado da Justiça no segundo governo de António Costa) - estiveram na na Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, numa reunião à porta fechada para (mais uma vez) falarem da atuação do SIS no resgate do portátil de Frederico Pinheiro (que horas antes tinha sido exonerado por Galamba). SUBSCREVER
Depois da reunião, e "para evitar desinformação", o CFSIRP emitiu um comunicado, que não estava assinado, ao contrário do primeiro que era subscrito pelos três membros, onde reafirmou o que já tinha dito antes, ou seja, "considerou não existirem indícios de uma atuação ilegal do SIS".
Segundo o relato do CFSIRP, "no dia 26 de abril, a chefe de gabinete do ministro das Infraestruturas reportou ao SIS que um computador portátil com documentos classificados, em especial os relativos ao plano de reestruturação da TAP, tinha sido levado do Ministério das Infraestruturas por um adjunto acabado de ser demitido".
E aí, "tendo em consideração um contexto preexistente e os dados naquele momento disponíveis", o diretor do SIS "concluiu que se impunha desenvolver diligências tendentes a prevenir o risco de comprometimento de documentos classificados do Estado e a salvaguardar a sua confidencialidade".
Prossegue o comunicado: "Para o efeito, o SIS não usou meios que lhe estivessem vedados. O dr. Frederico Pinheiro manteve uma conversa telefónica com um funcionário do SIS e disponibilizou-se para lhe entregar voluntariamente o computador, na via pública, como o próprio afirmou em declarações públicas, nos dias 28 e 29 de abril". Protegendo-se de críticas por não ter ouvido Frederico Pinheiro, o CFSIRP considerou que a sua atuação se situa "fora dos modelos típicos de um processo judicial ou disciplinar", não estando, portanto, "vocacionado para fazer acareações e outros atos similares ou para confrontar terceiros com as suas declarações".
"Canto da sereia insustentável"
Este comunicado não fez mudar de ideias os constitucionalistas Vitalino Canas e Jorge Bacelar Gouveia, o primeiro do PS e o segundo do PSD, tal como o ex-presidente do CFSIRP Abílio Morgado, que já consideravam não haver enquadramento legal para a ação do SIS.
Para o socialista Vitalino Canas, o CFSIRP não esclareceu e devia explicar três questões: "Dizer o que se deve entender por praticar "atos ou desenvolver atividades do âmbito ou da competência específica das entidades com funções policiais"; especificar qual a disposição legal que permite dizer que a recolha de um computador alegadamente retirado de forma ilícita de um serviço público por um indivíduo, mesmo que feita com a plena colaboração e concurso da vontade do eventual suspeito (o que é muito discutível, tendo em conta as circunstâncias...), que se afigura qualificável como uma apreensão, não pode ser considerada um "ato ou atividade da competência específica das entidades com funções policiais"; e comunicar à comunidade em geral se, doravante, sempre que se tratar da prática de atividades necessárias para aferir e prevenir riscos e ameaças aos interesses do Estado e a "salvaguarda da segurança interna e de prevenção de ameaças aos interesses nacionais, inclusive na sua dimensão económica", é expectável e legítimo que os órgãos do SIRP, particularmente o SIS, pratiquem atos materiais equivalentes ao praticado em 26 de abril".
Lamenta ainda que "a responsabilidade da decisão seja imputada, exclusivamente, ao diretor do SIS", e fique de fora a secretária-geral do SIRP, embaixadora Graça Mira Gomes.
Como já foi público, foi o seu gabinete o primeiro contactado pela chefe de gabinete de João Galamba, tendo depois o SIS sido acionado.
Abílio Morgado, que antecedeu Constança Urbano de Sousa na presidência do CFSIRP, diz que o comunicado "nada de substancial acrescenta quanto à falta de fundamento legal para a atuação do SIS" e que "ao continuar a tentar justificar o injustificável, o CFSIRP enreda-se agora num canto de sereia incongruente e notoriamente insustentável". Para este jurista, que foi conselheiro para a Segurança Nacional do Presidente da República Cavaco Silva, "é já claro, há muito, que a atuação concreta do SIS de modo nenhum pode integrar-se na única atribuição que a lei lhe comete, que é a de produzir informações. O que o SIS fez em caso algum pode preencher qualquer ação reconduzível ao ciclo de produção de informações. O SIS cometeu um erro, apenas um erro e um erro desculpável, dada a situação caricata que lhe foi comunicada e porque pretendeu fazer o melhor que lhe ocorreu para acautelar as preocupações relativas à informação em causa. Mas acabou por atuar fora do que a lei lhe permite, cometendo um erro de avaliação, que é indisfarçável e que devia ser reconhecido. Só esse reconhecimento permite repor a confiança e credibilidade do SIS, porque só esse reconhecimento nos dá garantias de que o que ocorreu não é prática, nem é repetível. Pena que não se perceba isto e se continue a tentar iludir".
Subscreve o lamento de Vitalino Canas quanto ao facto de que "tudo, no comunicado, incida sobre o diretor do SIS, como se não houvesse outras responsabilidades", e no desafio aos deputados para que assumam "as necessárias ponderações e opções sobre se aceitam ou não que possa conceber-se o que ocorreu como um procedimento normal dos Serviços de Informações em Portugal".
O também ex-presidente do CFSIRP Jorge Bacelar Gouveia, mantém a sua análise num artigo de opinião publicado no DN, onde escreve que reforçou "a opinião que tinha a respeito da ilegalidade da intervenção do SIRP/SIS".
Para este professor catedrático, "a intervenção do SIRP/SIS é preventiva, sim, como é a das polícias, mas é uma "prevenção a montante da intervenção policial", e apenas se expressa na "produção de informações", segundo intervenções concretas que sejam legalmente admitidas, que jamais implicam a limitação das liberdades, podendo por isso fazer vigilâncias nos espaços públicos ou adotar identidades alternativas, o que está previsto, mas nunca essas ações se traduzindo em abordagens de coerção pessoal ou de apropriação de objetos, ou medidas equivalentes".
Fonte: DN.pt
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