| Eleições antecipadas. Marcelo e Santos Silva trocam recados
28-04-2023 - João Pedro Henriques
Dois factos a marcarem as sessões parlamentares do 25 de Abril: os protestos do Chega contra Lula e o grande combate Mudança versus Estabilidade protagonizado por Marcelo Rebelo de Sousa e Augusto Santos Silva.
Marcelo Rebelo de Sousa e Augusto Santos Silva foram só sorrisos um para o outro, mas na verdade passaram boa parte da sessão solene com que o Parlamento assinalou esta terça-feira o 25 de Abril a trocar recados. Os dois produziram discursos que foram o verso e o reverso da mesma medalha. Enquanto o Presidente da República (PR) salientou as virtualidades da "mudança", o presidente da Assembleia da República (AR) salientou o princípio do cumprimento dos mandatos.
"Em democracia, há sempre a possibilidade de se criar caminhos diversos, sempre. Pode demorar tempo a surgir, podem ser insuficientes, podem ser imperfeitos, mas existem sempre, existiram sempre ao longo destes 50 anos."
"Em ditadura, ou se está pela ditadura ou se combate e se derruba a ditadura. Em democracia, há sempre a possibilidade de se criar caminhos diversos, sempre. Pode demorar tempo a surgir, podem ser insuficientes, podem ser imperfeitos, mas existem sempre, existiram sempre ao longo destes 50 anos", afirmou o chefe de Estado.
Augusto Santos Silva contrapôs que "devemos respeitar o tempo de cada instituição, sem atropelos nem precipitações". Ou seja, "devemos preferir a respiração pausada própria de uma democracia madura, à respiração ofegante típica das excitações populistas".
"Todos perderemos no dia em que renunciarmos a distinguir entre erros localizados, ainda que graves, e crises prolongadas e sistémicas, e no dia em que aceitarmos que a vida de um Parlamento ou de um governo - sejam eles quais forem - está dependente do nível de protesto deste ou daquele setor, do favor da opinião publicada, da perceção dos média, do ruído nas redes sociais ou da evolução das sondagens."
Fazendo "uma defesa convicta do tempo democrático, que é o ciclo da conjuntura e não a fugacidade dos eventos", deixou o aviso: "Todos perderemos no dia em que renunciarmos a distinguir entre erros localizados, ainda que graves, e crises prolongadas e sistémicas, e no dia em que aceitarmos que a vida de um Parlamento ou de um governo - sejam eles quais forem - está dependente do nível de protesto deste ou daquele setor, do favor da opinião publicada, da perceção dos média, do ruído nas redes sociais ou da evolução das sondagens." Aproveitou também para referenciar onde deve estar o verdadeiro combate político: "Talvez seja oportuno lembrá-lo. Aqui e agora. Aqui no Parlamento que, nos termos da Constituição saída de Abril, é o coração da representação pluralista e do debate livre, e o centro da dialética entre governo e oposições."
Antes de Santos Silva, já outro orador socialista na sessão, João Torres, tinha dito que "melhorar a democracia é respeitar a vontade popular, a estabilidade, os mandatos que o povo confere".
"Como podemos nós, pátria de emigração - que temos de ser, aliás, mais solidários para com os dramas dos nossos emigrantes - ser egoístas perante os dramas dos imigrantes que são dos outros?"
De resto, o discurso de Marcelo seria elogiado, sobretudo à esquerda, aplaudido até de pé no plenário, quando defendeu a necessidade de tratar bem os estrangeiros que procuram Portugal. "Como podemos nós, pátria de emigração - que temos de ser, aliás, mais solidários para com os dramas dos nossos emigrantes - ser egoístas perante os dramas dos imigrantes que são dos outros?"
"A nossa democracia, não só não está garantida, como vive o momento de maior risco à sua existência desde o período pós-revolucionário."
À esquerda, Rui Tavares (Livre), Manuel Loff (PCP) e a ainda líder do BE Catarina Martins insistiriam em alertas contra a força crescente da extrema-direita. "A nossa democracia, não só não está garantida, como vive o momento de maior risco à sua existência desde o período pós-revolucionário", avisou Tavares. Sente-se "o cheiro do bafio em tantos cantos do mundo", propagando-se "os fungos do ódio nas caves escuras das redes sociais", podendo até existir "manchas de bolor num Parlamento democrático", acrescentaria Catarina Martins. "A democracia está sob ameaça", dramatizou Manuel Loff.
Pelo PS, João Torres, também centrou no Chega a culpa pelos "ataques à democracia", advogando que o melhor combate ao populismo, "fruto da exclusão", é "melhorar a democracia" e "garantir que a democracia política e a democracia social caminham lado a lado".
À direita, Joaquim Miranda Sarmento, líder da bancada do PSD, sublinharia que o empobrecimento, "a degradação dos serviços públicos e das instituições" e "a falta de rumo e de desígnio para o país", têm uma "consequência": "Levam a um desacreditar no Sistema Político e dão campo e margem para o crescimento dos populismos e extremismos, quer de extrema-direita, quer de extrema-esquerda."
Já Rui Rocha, presidente da Iniciativa Liberal, afirmaria a disponibilidade do seu seu partido para combater "todas as formas de populismo", falando ainda de "fenómenos totalitários [que] são uma ameaça à democracia liberal e às sociedades liberais" tais como "as políticas identitárias que subjugam a liberdade individual" e "toda a espécie de controlos, censuras e cancelamentos, que constituem conceções totalitárias da linguagem e do pensamento". Numa nota otimista, concluiria dizendo que "em democracia existe sempre alternativa" e "o vento da mudança já começou a soprar em Portugal".
"Chega de insultos, chega de degradarem as instituições, chega de porem vergonha no nome de Portugal!"
Já o Chega deu prioridade à criação de um incidente no início da manhã parlamentar, quando se estava a iniciar no plenário a primeira das suas sessões solenes programadas, a de boas-vindas ao Presidente do Brasil, Luíz Inácio Lula da Silva. Quando o chefe de Estado se preparava para discursar, os deputados do partido de Ventura levantaram cartazes onde se lia "Chega de corrupção" ou "lugar de ladrão é na prisão" - mantendo-os assim ao longo de todo o discurso de Lula. O presidente da AR exaltou-se ("os deputados que quiserem permanecer na sala têm de se comportar com urbanidade, cortesia e a educação exigida a qualquer representante do povo português. Chega de insultos, chega de degradarem as instituições, chega de porem vergonha no nome de Portugal!") mas em vão.
"Não são os extremos que vão solucionar com moderação os problemas que as pessoas sentem no dia a dia. Isto vale para os extremos direitos e esquerdos."
Mais tarde, Luís Montenegro, líder do PSD, ensaiaria uma espécie de demarcação: "Não vamos alinhar com políticos ou políticas que tenham na ação política a xenofobia, o racismo, o oportunismo ou a demagogia desmesurada" e o PSD não será apoiado por "políticos e políticas que demonstrem imaturidade e irresponsabilidade". Fez porém sempre questão de igualizar os extremismos: "Não são os extremos que vão solucionar com moderação os problemas que as pessoas sentem no dia a dia. Isto vale para os extremos direitos e esquerdos".
À tarde, o primeiro-ministro desvalorizaria a importância do protesto recordando que o Chega só tem 12 deputados em 230. O problema, acrescentou, é que beneficia de "excesso de representação mediática". "Vão entreter-se a bater-me nos próximos dias. Mas [os jornalistas] dão-lhes mesmo uma atenção desproporcionada àquilo que eles representam na nossa vida coletiva."
Fonte: DN.pt
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