| Hegemonia global e uso da força
28-04-2023 - Carlos Branco, Major-general e Investigador do IPRI-NOVA
Um estudo conclui que Washington tem preferido, desde o fim da Guerra Fria, empregar diretamente a força militar em vez de ameaças ou demonstrações de força, aumentando assim os níveis de hostilidade.
A reflexão sobre os métodos utilizados pelas grandes potências para fazerem prevalecer a sua vontade na arena internacional é um tema inesgotável.
Robert Kennedy Jr. , sobrinho do ex-presidente John Kennedy e putativo candidato à corrida presidencial de 2024, comentava há uns dias numa rede social que “o colapso da influência norte-americana sobre a Arábia Saudita e a nova aliança de Riade com Pequim e Teerão são símbolos dolorosos do abjeto falhanço da estratégia neocon para manter a hegemonia global dos EUA através de projeções agressivas de poder militar,” o que, na prática, não se distingue da dos liberais intervencionistas, presentemente no poder em Washington.
A estratégica hegemónica norte-americana, recorrendo a estas práticas de sucesso e méritos questionáveis, foi corroborada pelo trabalho de dois investigadores norte-americanos, no qual é feito o levantamento das intervenções militares norte-americanas desde a independência dos EUA, em 1776, até 2019.
Conclui o estudo que os EUA se envolveram em quase 400 intervenções militares desde 1776, metade delas entre 1950 e 2019. Essas intervenções aumentaram de intensidade nos últimos anos, tendo os EUA intervindo militarmente mais de 200 vezes após a Segunda Guerra Mundial. Mais de 25% delas ocorreram no pós-Guerra Fria. “Em vez de disseminarem a democracia, essas intervenções transformaram, na melhor das hipóteses, os estados-alvo em democracias iliberais”, refere o estudo.
Como parte integrante dessa ação hegemónica, os EUA também interferiram frequentemente na política interna de outros Estados através da intromissão em eleições. Contudo, conforme conclui o mencionado estudo, Washington tem preferido, desde o fim da Guerra Fria, empregar diretamente a força militar em vez de ameaças ou demonstrações de força, aumentando assim os níveis de hostilidade.
Essas intervenções incluíram também as operações de mudança de regime levadas a cabo por quase todo o mundo. Como exposto no “vetusto” relatório “Bruce-Lovett” (1956), os golpes de estado patrocinados por Washington na Jordânia, Síria, Irão, Iraque e Egito foram apelidados de antiéticos e opostos aos valores americanos, e responsáveis por comprometerem a liderança internacional da América, a sua autoridade moral, e ainda pelo antiamericanismo desenvolvido nessas áreas do globo.
Como escreveu Kennedy Jr. , os EUA são odiados no Médio Oriente “não pelas suas liberdades, mas pela forma como os próprios EUA traíram essas liberdades – os nossos ideais – nos seus territórios […], como comprometemos os nossos valores, matando milhares de pessoas inocentes, e subvertemos o nosso idealismo em aventuras infrutíferas e onerosas […] que não fizeram nada para promover a democracia ou ganhar amigos e influência.”Madeleine Albright defendeu que a morte de meio milhão de crianças na guerra do Iraque foi “um preço que valeu a pena.”
A China optou por uma estratégia hegemónica diferente. Ainda segundo Kennedy Jr., “a China destronou o império americano através da hábil projeção de poder económico. Na última década, o nosso país [EUA] gastou triliões de dólares bombardeando estradas, pontes, portos e aeroportos. A China gastou o equivalente construindo o mesmo no mundo em desenvolvimento.” Para ele, “a guerra na Ucrânia, que empurrou a China e a Rússia para uma aliança invencível, e que custou 8,1 triliões de dólares no Iraque e na Ucrânia, a chacota do poderio militar e da autoridade moral americana, representa o colapso do sonho neocon do “Século Americano”.
Fonte: Jornal Económico
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