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O custo crescente do governo de ditadura no Camboja

25-04-2019 - Sam Rainsy

No dia 4 de Abril, um grupo de associações de compradores internacionais das indústrias do vestuário, do calçado, de artigos desportivos e de viagens enviou uma carta ao primeiro-ministro cambojano Hun Sen a expressar preocupações sobre práticas de trabalho abusivo e violações dos direitos humanos. Neste momento, o acesso livre de impostos do Camboja ao vasto mercado da União Europeia, concedido ao abrigo do regime Tudo Excepto Armas, está em risco de ser suspenso (TEA) devido a tais violações.As associações advertiram que, se o país for excluído permanentemente do TEA e de outros acordos comerciais preferenciais, os seus sectores - e a economia do Camboja - sofrerão um duro golpe.

Hun Sen afirma que a comunidade internacional está a criticar injustamente o Camboja. Porém, a verdade é que a intensificação da pressão sobre o país é consistente com uma mudança global mais ampla, na qual o investimento é cada vez mais orientado - senão mesmo ditado - por factores ambientais, sociais e de governança (ASG).

Longe estão os dias em que o desempenho ASG forte era um bónus agradável para os investidores. Os administradores de pensões e os gestores de fundos actualmente insistem em que as empresas nas quais investem operem de forma ética e transparente que limite o risco de reputação. As decisões de investimento em fundos de mercados emergentes são, desta forma, cada vez mais precedidas por exames ASG rigorosos - nos quais, após 34 anos do regime ditatorial de Hun Sen, o Camboja não tem qualquer hipótese de ser aprovado.

O Camboja está actualmente a ser despojado dos seus recursos naturais - incluindo madeira, borracha e areia - a favor dos lucros privados. A degradação ambiental - sobretudo o desmatamento - está a acelerar e a corrupção está a escalar desenfreadamente, com verbas de origens obscuras canalizadas para casinos do Camboja, bancos e mercado imobiliário.

Em Fevereiro, o Grupo de Acção Financeira intergovernamental colocou o Camboja na sua lista “cinza” de vigilância, constatando que nenhum caso de branqueamento de capitais foi julgado no país. O Camboja ficou classificado em 161º lugar de entre 180 países no âmbito do Índice de Percepção da Corrupção de 2018 da Transparência Internacional.

Enquanto que os recursos do Camboja enriqueceram alguns, os trabalhadores do país têm pouca protecção e aqueles que lutam para que haja uma mudança, arriscam-se a um fim violento. Em 1997, um ataque com granadas num protesto pacífico em Phnom Penh que eu estava a liderar, matou 16 manifestantes. Mais de outros cem, incluindo o activista sindical e o líder da oposição, Chea Vichea, ficaram feridos. Em Janeiro de 2004, Vichea foi morto a tiro em plena luz do dia.

Actualmente, tal como as associações internacionais de vestuário fizeram notar na sua carta a Hun Sen, os líderes de sindicatos existentes continuam a enfrentar acusações criminais e condenações por fazerem o seu trabalho. Além disso, a Lei Sindical adoptada em 2016 restringe a criação de novos sindicatos.

Os adversários políticos de Hun Sen enfrentam repressão semelhante. Kem Sokha, o líder do Partido de Resgate Nacional do Camboja (PRNC), do qual sou co-fundador, foi detido em Setembro de 2017 e passou um ano na prisão até ser transferido para prisão domiciliária. Foi detido sem julgamento por mais tempo do que o máximo de 18 meses ditado pela lei cambojana. Além disso, o PRNC, que ganhou cerca de metade dos votos expressos tanto nas eleições gerais de 2013 como nas eleições locais em 2017, foi dissolvido por ordem do tribunal antes das eleições gerais de 2018.

Apenas com partidos de oposição falsos com permissão para participar na eleição, o partido governante, Partido Popular Cambojano (PPC), ganhou todos os assentos na assembleia nacional. Com isso, o povo cambojano foi efectivamente despojado do seu direito à auto-determinação.

Neste contexto, é impossível para qualquer investidor eticamente responsável ter uma justificação para fazer negócios com o Camboja. É por isso que as associações de compradores solicitaram a Sen que estabelecesse um calendário vinculativo para melhorias concretas. Contudo, as hipóteses de que ele considere este pedido parecem ser reduzidas.

Se o Khmer Vermelho alguma vez teve uma justificativa intelectual para os horrores cometidos no Camboja entre 1975 e 1979, estava baseada na sua convicção de que o Camboja não tinha necessidade de participar nos mercados internacionais e poderia, através da pura força bruta, alcançar a autarquia. Hun Sen, um ex-comandante do Khmer Vermelho, parece estar agarrado a uma variante desta suposição.

Isto provar-se-á um grave erro. A capital chinesa nunca será suficiente para compensar o investimento ocidental perdido. Além disso, devido ao facto das mercadorias de exportação do Camboja competirem com a produção doméstica da China, esta importa pouco do Camboja.

Não tem que ser desta maneira. O Camboja exibe atracções turísticas incomparáveis, grandes reservas de recursos naturais que poderiam ser exploradas de forma rentável e responsável e uma das forças de trabalho mais jovem do mundo. Na década de 1960, era uma das economias de mais rápido crescimento da Ásia. Por esta altura, podia - e devia - ter-se tornado uma economia emergente de rendimento médio a par com os vizinhos Tailândia e Vietname.

Quatro décadas após o Khmer Vermelho ter sido expulso do poder, o seu reinado de terror não pode mais ser usado como uma desculpa para o fracasso. Afinal, o Camboja não é a única economia emergente com um passado conturbado. Outros países reconheceram e ajustaram-se de acordo com a mudança das prioridades de investimento ocidental, elevando o seu jogo em termos de sustentabilidade ambiental e direitos humanos. Neste momento estão a atrair capitais estrangeiros geradores de crescimento.

O Camboja precisa fazer o mesmo, com ou sem Hun Sen. Caso contrário, corre o risco de ser deixado para trás definitivamente.

SAM RAINSY

Sam Rainsy, ministro das Finanças do Camboja, de 1993 a 1994, é o co-fundador e presidente em exercício do Partido de Resgate Nacional da Camboja (CNRP). Ele vive no exílio.

 

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