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Chegou a altura para um Acordo Verde na EU

25-04-2019 - Michel Barnier

O “Novo Acordo Verde” (NdT: no original, “Green New Deal”) tornou-se motivo de discussão em muitas capitais mundiais. Tendo emergido recentemente nos Estados Unidos, a ideia é tributária do visionário programa de recuperação económica lançado pelo presidente Franklin D. Roosevelt em 1933. Mas a Europa pode – e deve – também aplicá-la.

A Europa tem um compromisso de longa data com o ambiente, tendo criado o seu primeiro programa conjunto em 1972. Em 2005, a União Europeia implementou o primeiro regime de negociação de emissões, que continua a ser o maior mercado de carbono do mundo. E em 2015 a UE tomou a dianteira ao negociar o acordo de Paris sobre o clima, e ao comprometer-se a cortar as suas próprias emissões de gases com efeito de estufa em 40% relativamente aos níveis de 1990.

Mas estas medidas, sendo embora importantes, não são suficientes para a escala do desafio enfrentado pelo mundo. As abelhas e outros insectos estão a desaparecer, enquanto a poluição por micro-plásticos se tornou ubíqua. As temperaturas crescentes podem fazer desaparecer o Árctico até 2050, e piorarão os incêndios, secas e cheias de que a Europa já sofre. E à medida que aumentar a poluição atmosférica, também aumentarão as mortes provocadas por doenças respiratórias.

Porém, também existem motivos para optimismo. Cada vez mais pessoas estão dispostas a agir e a adaptar o seu estilo de vida, como os estudantes e outros que saem para a rua todas as sextas-feiras em Estocolmo, Praga, Bruxelas e Milão. As empresas também estão cada vez mais despertas para os benefícios da nova economia verde. São as políticas e os políticos, tanto nacionais como Europeus, quem está a ficar para trás.

Este é o momento para aproveitar o impulso popular e fazer da Europa Verde a prioridade número um para os anos vindouros. Para fazermos isso, será necessário concentrarmo-nos em três áreas principais.

Primeiro, a Europa deve tornar-se uma economia neutra em carbono até 2050. Se queremos limitar o aquecimento global a 1,5 °C comparativamente à era pré-industrial, não temos outra opção: as emissões líquidas de dióxido de carbono na UE têm de chegar a zero até meados do século. Isso significa investir intensamente na mobilidade futura, em edifícios energeticamente eficientes, em energias renováveis, e em tecnologias essenciais como células de hidrogénio, novas gerações de painéis solares, e a química verde. Também significa aplicar limites rigorosos às emissões de CO 2   dos novos veículos de passageiros, dos transportes públicos, e do transporte marítimo e aéreo comercial. E significa transformar a Europa, juntamente com a sua indústria automóvel, no primeiro continente de veículos eléctricos até 2030.

Segundo, a Europa deve assumir o comando da utilização responsável de recursos e tornar-se uma economia verdadeiramente circular e que minimiza os resíduos. Actualmente transformam-se oito mil milhões de toneladas de materiais em energia ou produtos todos os anos na UE. Só 600 milhões de toneladas – uns meros 7,5% – provêm da reciclagem. Temos de fazer muito mais. Para além de implementar a nossa estratégia para o plástico, devíamos concentrar-nos em quatro prioridades: resíduos alimentares e bioeconomia, têxteis, construção, e bens de consumo de elevada rotatividade. Por exemplo, podemos começar com uma iniciativa da UE para combater a obsolescência planeada de electrodomésticos e de dispositivos electrónicos.

Em terceiro lugar, temos de fazer muito mais para proteger a biodiversidade. Segundo o Fundo Mundial para a Natureza, estima-se que as populações de animais selvagens tenham diminuído globalmente cerca de 60% desde 1970. A conferência das Nações Unidas sobre a biodiversidade em Beijing do próximo ano será decisiva. Mais uma vez, a UE deveria assumir a liderança. Precisamos de fortalecer a legislação da UE sobre a protecção das espécies, bem como de um plano ambicioso para a economia azul e para a preservação dos nossos mares. E temos de lançar um debate real com – e não contra – os nossos agricultores, onde revejamos as nossas normas e modernizemos a Política Agrícola Comum para que acompanhe esta transição verde.

Esta grande transferência não acontecerá se os seus custos caírem desproporcionalmente sobre os que forem menos capazes de suportá-los. Todas as medidas da UE devem por conseguinte ser concebidas para minimizar os custos sociais. Ao mesmo tempo, precisamos de continuar a insistir na colaboração fiscal eficaz, enquanto nos protegemos da concorrência desleal. Não faz sentido existirem regulamentos rigorosos na UE relativamente aos pesticidas ou à gestão florestal se os nossos alimentos e madeira importados forem produzidos de modos não sustentáveis.

Estes três objectivos poderão tornar-se nos pilares de um   Pacto de Sustentabilidade   que esteja no centro do novo ciclo de políticas da UE. Em alguns aspectos, este deverá ser tão importante como o Pacto de Estabilidade e Crescimento aplicável às finanças públicas dos estados-membros. As nossas dívidas ecológicas são tão preocupantes como as nossas dívidas fiscais!

Para alcançar os seus objectivos, um Pacto de Sustentabilidade necessitará de uma acção concertada sobre o clima, comércio, fiscalidade, agricultura e inovação. A UE não deverá recear utilizar as suas competências em termos de regulamentação. Por exemplo, a expansão do âmbito da legislação sobre concepção ecológica e sobre responsabilidade alargada no produtor para a fase pós-consumo da vida de um produto poderia acelerar a inovação pró-ambiental.

Também serão necessários investimentos significativos. A Comissão Europeia estima que a UE precisará de 180 mil milhões de euros (203 mil milhões de dólares) em investimento adicional todos os anos  para cumprir os compromissos que lhe são impostos pelo acordo de Paris. Esta é uma meta alcançável. O Banco de Investimento Europeu já é hoje o maior fornecedor multilateral de financiamento climático do mundo. Além disso, o próximo orçamento da UE e o seu Plano de Investimentos – que possui um historial de aproveitamento do investimento oriundo do sector privado – poderia reforçar ainda mais o poder de fogo verde da Europa.

O sector financeiro também tem um papel crítico a desempenhar: através da divulgação de informações financeiras relacionadas com o clima, podemos estimular as maiores instituições financeiras do mundo – como o fundo soberano da Noruega e a BlackRock – a desenvolverem uma perspectiva de longo prazo e a evitarem o que Mark Carney, o governador do Banco de Inglaterra, apelidou de “tragédia no horizonte”. E, embora os estados-membros da UE possam apresentar alguma resistência, precisamos de um debate sobre os impostos e os subsídios sobre os combustíveis fósseis, e sobre a generalização da sustentabilidade na despesa pública.

Para que um programa verde transformativo como este seja bem-sucedido, temos de definir objectivos inspiradores e de adoptar missões ambiciosas. Ao mesmo tempo, precisamos de definir roteiros detalhados com os estados-membros e o Parlamento Europeu, e de realizar discussões aprofundadas com regiões, cidades, empresas, sindicatos e a sociedade civil.

Nem tudo poderá ser feito de um dia para o outro. Mas não podemos continuar a fechar os nossos olhos e os nossos pulmões para o que está a acontecer com o nosso ambiente. O melhor momento para começar um Acordo Verde na UE foi há anos. O segundo melhor momento é agora.

MICHEL BARNIER

Michel Barnier é ex-vice-presidente da Comissão Europeia e ministro francês dos Negócios Estrangeiros. Actualmente é o principal negociador da UE para o Brexit.

 

 

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