Cidades para as pessoas
19-04-2019 - Abhas K. Jha
A Divina Comédia de Dante descreve um nível de inferno (a Cidade de Dis) como a “cidade miserável de Satanás… cheia de aflição e tormento terrível”. Ele poderia muito bem estar a descrever muitas metrópoles modernas”.
O mundo, principalmente a África Subsariana e a Ásia, está a vivenciar uma onda massiva de urbanização. E no entanto, em grande medida, está a ocorrer sem qualquer planeamento urbano. E mesmo os municípios que tentam criar planos, não conseguem muitas vezes aplicá-los de forma eficaz ou atender adequadamente às necessidades da maioria. O resultado são cidades superlotadas, sujas e desordenadas que prejudicam a saúde e a felicidade dos residentes.
Ao planificarmos as nossas cidades, colocámos as necessidades dos carros acima das necessidades das pessoas, enfatizando muitas vezes a acessibilidade para veículos particulares (ao mesmo tempo que penalizamos pedestres e ciclistas por praticarem jaywalking ) – uma estratégia que cria engarrafamentos quase permanentes e forte poluição. O condutor médio em Los Angeles gasta 102 horas por ano nas horas de ponta. Em Jacarta, o condutor médio “para e arranca” mais de 33 mil vezes por ano .
Devido, em parte, a esses engarrafamentos, as cidades são responsáveis por 70% da poluição global causada pelo carbono. A Organização Mundial de Saúde estima que cerca de 90% das pessoas em todo o mundo respiram ar poluído. Nos países de baixo e médio rendimento, 98% das cidades com mais de 100 mil habitantes não cumprem as diretrizes de qualidade do ar da OMS.
No que diz respeito ao alojamento, o mau planeamento do uso de terrenos significa que o que devia equivaler a um salário digno em muitas cidades fica muito aquém do que é necessário para pagar habitações decentes. De acordo com o Programa de Estabelecimentos Humanos das Nações Unidas, quase mil milhões de pessoas vivem em condições idênticas às dos bairros de lata e esse número pode duplicar até 2030. Além disso, tal como mostram as pesquisas recentes, os bairros são frequentemente segregados por raça, etnia e rendimento - um grande obstáculo à mobilidade social, ao longo das gerações.
Mas temos uma oportunidade de mudar isso. Nos próximos 20 anos, o mundoconstruirá tantas habitações urbanas e infraestruturas relacionadas, como todas as que foram construídas em toda a história da humanidade. E muitas cidades em países ricos e pobres já oferecem exemplos de design urbano sustentável, inclusivo, habitável e bonito.
Singapura implementou o que Jan Gehl apelidou de “design à escala humana”. O projeto de construção ascendente dos bairros fortalece os cidadãos e enfatiza a diversidade, evitando assim o surgimento de guetos de pobreza através de habitações para vários níveis de rendimento, juntamente com o acesso a transportes públicos, saúde e educação de elevada qualidade.
Da mesma forma, apesar da forte resistência, o então presidente da câmara de Nova Iorque, Michael Bloomberg, e a comissária de transportes, Janette Sadik-Khan, investiram em ciclovias protegidas e transportes públicos. Londres, Singapura e Estocolmo há muito que utilizam a fixação de preços nos engarrafamentos para desencorajar a condução. Em março, Londres vai dar um passo em frente neste assunto - tal como Chengdu, Madrid, Paris e outras cidades já fizeram - proibindo completamente a circulação de carros em áreas centrais da cidade, criando zonas com níveis de emissões ultrarreduzidos. Amesterdão, Tóquio e Copenhaga mostram-nos que projetarestradas urbanas mais estreitas diminui o tráfego, aumentando a segurança de pedestres e ciclistas.
De Bogotá, na Colômbia, a Dar es Salaam, na Tanzânia, cidades em todo o mundo implementaram o sistema de autocarro rápido, que funciona essencialmente como um sistema de metro, mas é mais barato e rápido de construir. Há corredores urbanos densos a surgir ao longo das designadas vias destinadas a autocarros.
Algumas cidades também introduziram os tipos de reformas de estacionamento há muito defendidas por Donald Shoup, da UCLA. Estas incluem a abolição dos requisitos mínimos de estacionamento para edifícios e a introdução de preços dinâmicos que mantêm 5-10% dos lugares de estacionamento livres e canalizam as receitas para os bairros.
Enquanto isso, as habitações não precisam mais de estar posicionadas e ser promovidas como um ativo de investimento; em vez disso, pode-se dar prioridade às habitações para arrendamento, para todos os segmentos de rendimento, mas especialmente para aqueles que precisam de um teto acessível, como acontece na Alemanha, Áustria e Suíça. Além disso, a subdivisão em zonas e as barreiras regulatórias para a construção de novas habitações a preços acessíveis devem ser desmanteladas, com áreas de uso misto de alta densidade desenvolvidas próximo de transportes públicos. Para esse fim, seguindo a liderança de Copenhaga , mais cidades podem usar parcerias público-privadas para explorar a grande reserva de terrenos não utilizados, que são propriedade de entidades públicas. Os projetos cuidadosos dos edifícios podem torná-los energeticamente positivos, para que produzam mais energia do que consomem. A Noruega é pioneira nesta área.
Por fim, para financiar esses investimentos, as cidades precisam de fontes de receitas estáveis. Muitas vezes, as cidades não aproveitam todo o potencial do financiamento baseado em terra, principalmente o imposto sobre propriedade. No entanto, imagens de satélite e mapeamento de drones podem agora produzir para as autoridades fiscais um cadastro “adequado ao propósito” - mostrando como a terra é ocupada e usada - em questão de semanas.
Com um planeamento cuidadoso, colaboração, comunicação e consenso, as cidades podem transformar a vida dos seus residentes. Iniciativas como aPlataforma Global do Banco Mundial para Cidades Sustentáveis do Banco Mundial e os Laboratórios de Planeamento Urbano estão a apoiar os esforços das cidades, ao facilitarem a partilha de conhecimento e o planeamento urbano baseado em evidências. Se fizermos o que for preciso agora para garantir uma urbanização inclusiva, resiliente e sustentável, a Cidade de Dis de Dante pode permanecer no seu inferno imaginário.
ABHAS K. JHA
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Abhas K. Jha é Gerente de Prática, Desenvolvimento Urbano e Gestão de Risco de Desastres (Ásia Oriental e Pacífico) para o Banco Mundial. |
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