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A MENSAGEM DE ESPERANÇA DE BELÉM

04-01-2019 - Anton Salman

Só caminhando pelas ruas de Belém se pode apreciar plenamente a sua riqueza histórica. Todos os anos, a cidade entra em milhões de lares de todo o mundo, através da imagem da humilde manjedoura onde Jesus nasceu. Mas essa imagem não se compara com conhecer pessoalmente a Cidade Velha. Visitar Belém é uma experiência única que encorajo todas as pessoas a realizar.

Infelizmente, embora o número dos visitantes de Belém tenha aumentado no ano passado, muitos não conseguem explorar a cidade convenientemente. Sob a ocupação israelita, os obstáculos que perturbam o desenvolvimento normal do turismo na Palestina impedem que milhares de pessoas vivenciem o que Belém tem para oferecer.

Por exemplo, ouço frequentemente sacerdotes palestinianos dizerem que “nesta terra, recebemos muitos turistas, mas pouquíssimos peregrinos”. Por outras palavras, há mais visitantes interessados em ver as pedras do que em conhecer as pedras vivas. Esta é uma das consequências do monopólio israelita sobre a indústria do turismo. Israel tem pouco interesse em encorajar os visitantes a interagirem com os palestinianos ou a conhecerem o seu património.

É difícil imaginar que os visitantes motivados pela fé ou pelo sentido da história não queiram conhecer os guardiões dos locais sagrados que visitam. O papa João Paulo II resumiu-o bem durante a sua peregrinação em 2000, quando disse aos palestinianos durante uma visita ao campo de refugiadosDheishe   que “os pastores de Belém foram provavelmente os vossos precursores, os vossos antepassados”.

A Igreja da Natividade tem uma importância fundamental para todos os cristãos, independentemente da sua denominação. Mesmo assim, temos de esforçar-nos para persuadir as pessoas a visitá-la. De modo ainda mais chocante, quando tentámos que a igreja fosse classificada como Património da Humanidade pela UNESCO, alguns países, sucumbindo à pressão israelita e americana, opuseram-se à classificação.

Ainda assim, conseguimo-lo, e agora estamos envolvidos na importante tarefa de preservar este valioso local. Orgulho-me por dizer que este será o último Natal antes da conclusão do restauro da igreja. Brevemente, os visitantes poderão ver mosaicos recém-descobertos e o pavimento original da igreja, que datam do século IV. Depois, podem visitar outros pontos de interesse na Cidade Velha, como a Rua da Estrela, a rota de peregrinação percorrida por José e Maria, que estamos a transformar num lugar cheio de vida.

Na verdade, o património cultural de Belém estende-se para muito além dos muros da Igreja da Natividade. Há muito que a riqueza da cidade foi documentada, nomeadamente por exploradores europeus que a visitaram no século XIX. Na Descrição da Palestina, do francês Victor Guérin e publicada em 1875, encontramos uma cidade cheia de vida, e dividida em pelo menos oito bairros. Os visitantes depararam-se com a arquitectura magnífica do bairro Anatra, e conheceram a escola mais antiga da Palestina ainda em funcionamento, o Colégio Terra Sancta, fundado em 1598. O mesmo não pode ser dito quanto à maioria dos visitantes actuais.

A culinária de Belém também é um tesouro. Desde os produtos acabados de fazer, o   falafel   e o   hummus   até uma mesa de cozinha cheia de produtos naturais dos Jardins de Battir, a abundância de Belém é rara para uma pequena cidade. Os Jardins de Battir, outro património da humanidade apenas a 15 minutos do centro da cidade, incluem deslumbrantes socalcos agrícolas, pistas de caminhada, vinhas e olivais que contrabalançam os desagradáveis colonatos e muros israelitas que circundam a cidade. Devido a estes colonatos, o mandato do governo palestiniano só se aplica a uns meros 13% do território total do distrito.

Belém conhece bem os desafios enfrentados por toda a Palestina. O reconhecimento, pela administração Trump, de Jerusalém como capital de Israel encorajou o governo israelita a intensificar a colonização na zona de Jerusalém Oriental, afectando severamente Belém. Com leis racistas que dividem cada vez mais as nossas famílias, alguns de nós perderam toda a esperança numa solução política, e optaram antes pela imigração.

Mas as marcas da ocupação não contam toda a história. Os milhares de palestinianos que permaneceram em Belém, apesar das constantes dificuldades, englobam uma sociedade civil dinâmica e criativa, que inclui artistas, organizações de direitos humanos e empresários que continuam a perseguir oportunidades em nome da esperança.

A realidade actual dos palestinianos é perfeitamente descrita por uma passagem do Livro de Jeremias: “E dizem “paz, paz”, quando não há paz.” A isso poderíamos acrescentar “Esperança, esperança, quando não há esperança”, porque somos responsáveis por manter viva a esperança. O espírito da esperança é que mantém Belém a brilhar com fulgor, mesmo durante a escuridão da ocupação.

Embora os sionistas cristãos como o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, usem a Bíblia de forma cínica para justificarem a opressão dos palestinianos, como se a negação dos nossos direitos fosse um mandato divino, estamos contudo determinados a defender a mensagem de Cristo, de justiça, amor e paz. Não há nada de divino no sistema de   apartheid   que emerge à nossa volta. O muro ilegal que foi construído no coração da nossa cidade é a antítese da justiça e da liberdade. O seu desmantelamento seria uma bênção.

Para o resto do mundo, Belém é, e deve continuar a ser, um símbolo de esperança. Albergando uma arquitectura secular e cosmopolita e dúzias de igrejas de diversas denominações, a cidade é um bastião da inclusão. O Campo dos Pastores em Beit Sahour, a Igreja de São Nicolau e o vale de Cremisan em Beit Jala, o Mosteiro de S. Jorge em Al Khader e a Lavra de S. Sabas simbolizam a fé sem fanatismo. Mas não devemos esquecer que Belém também alberga três campos de refugiados, que nos recordam a injustiça que se abateu sobre os palestinianos durante a   Nakba   (catástrofe), quando centenas de milhares de palestinianos, expulsos dos seus lares em 1948, aqui procuraram refúgio.

Depois de mais de 2000 anos, a mensagem de esperança de Belém ao mundo permanece imutável. Todos estão convidados a vivenciá-la em primeira mão.

ANTON SALMAN

Anton Salman é advogado e mayor de Belém.

 

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