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Garantir a revolução digital

07-12-2018 - Julian King

Merece compaixão a pessoa que investiu fortemente nos canais de navegação nas vésperas da disseminação dos caminhos de ferro. Pode entender-se, pois, por que motivo o gestor do canal de Bridgewater (talvez o primeiro canal de Inglaterra) se opôs veementemente ao projeto de linha férrea entre Liverpool e Manchester.

Contudo, não foi possível parar o avanço da tecnologia, nem os novos desafios que isso colocou. O mesmo se aplica às atuais inovações digitais. Quando começou, finalmente, a funcionar, em 1830, a linha férrea entre Liverpool e Manchester revelou-se um êxito revolucionário, impulsionando a era do vapor e a mudança do mundo, de uma forma imprevisível.

À medida que a era dos comboios avançava, com os carris metálicos a espalharem-se por todo o mundo como os veios de uma folha, atingiam-se novos níveis de conectividade, que os criminosos se apressaram explorar, de tal modo que teve de ser criada uma nova força de polícia para atacar o problema.

Estando o mundo está à beira de nova revolução na conectividade, especialmente em termos de infraestruturas que alterarão radicalmente a forma como nos ligamos uns aos outros, não devem ser ignoradas as lições desta experiência. Ao contrário da aparição dos caminhos de ferro, a nova revolução afetará muito mais do que os transportes.

Esqueçamos a Internet das Coisas! Aquilo de que estamos a falar aqui é da Internet de Tudo: um futuro digital mais descentralizado, que ligará pessoas, dados e objetos como nunca.

Em termos de segurança, temos de garantir que não ficaremos instalados como numa lenta barcaça de canal, a ver passar a toda a velocidade o comboio das 8h15 para Manchester. É preciso olhar para as vulnerabilidades estratégicas que estas tecnologias criam e antecipar a forma como as pessoas mal-intencionadas podem tentar explorar as novas infraestruturas digitais em benefício próprio, ou para as utilizar como arma.

Alguns desafios já são claros, como a utilização indevida das redes sociais para espalhar a desinformação - inclusivamente com ferramentas de vanguarda, como os vídeos com falsificação profunda e a inteligência artificial.

O que está em causa é, sobretudo, a própria infraestrutura. O lançamento da quinta geração de tecnologias de comunicações móveis, o 5G, representa um grande desafio, uma vez que será a espinha dorsal da conectividade global. Tal levanta questões estratégicas e de segurança sobre aspetos como aspetos como o acesso aos produtos ou a sua proveniência.

Como garantir a segurança das componentes utilizadas nas futuras gerações de tecnologia europeia, e não apenas no 5G? Neste momento, a segurança da cadeia de abastecimento digital está longe de ser hermética; basta ver, por exemplo, as recentes informações de empresas sobre chips misteriosos detetados nas placas-mãe dos seus servidores, aparentemente adicionados no momento fabrico.

O Governo britânico aconselhou as empresas de telecomunicações a avaliarem os seus fornecedores muito cuidadosamente, e os Estados Unidos procuram restringir alguns tipos de investimento direto estrangeiro em tecnologias-chave como os semicondutores e a robótica.

Para garantir a segurança da cadeia de abastecimento da infraestrutura digital, é necessária uma maior transparência quanto à proveniência das componentes tecnológicas. Também é essencial manter a diversidade dos fornecedores.

Além disso, são necessárias normas e padrões comuns para determinar a fiabilidade dos parceiros internacionais. Esta é a base de uma proposta recente do presidente francês, Emmanuel Macron, descrita no manifesto de Paris para a confiança e a segurança no ciberespaço.

Segundo Macron, a Internet tornou-se num local de conflito, em que os intervenientes mal-intencionados exploram as vulnerabilidades dos produtos e serviços digitais. Assim, propõe que a Europa crie uma Internet da Confiança, com base na legalidade e na cooperação. Estou de acordo. Os europeus devem poder continuar a desfrutar das facilidades em linha com a certeza de que os seus valores e direitos fundamentais, como a liberdade de expressão, são protegidos.

Precisamos de uma estratégia que estabeleça um equilíbrio entre a nossa necessidade de tirar partido da inovação tecnológica, a fim de salvaguardarmos o nosso futuro económico, e a necessidade de evitarmos que, nesse processo, se crie uma enorme vulnerabilidade de segurança.

A tomada de medidas urge, porque o comboio da tecnologia já vai muito avançado. Temos de pensar em termos de atenuação dos riscos e, ao mesmo tempo, garantir que nos preparamos para evitar que esta situação se repita.

Na reação a este enorme desafio, temos de evitar respostas míopes, como o protecionismo e outras medidas que asfixiam a inovação. A resolução da questão implica cartografar a escala e a extensão do risco e determinar o que é verdadeiramente estratégico. Para a Europa, isto significa não só proteger as cadeias de abastecimento, mas também investir em grande escala e de forma coordenada nas nossas indústrias tecnológicas. A Comissão Europeia encontra-se numa posição privilegiada para conduzir este trabalho intersetorial.

Não é demasiado tarde para a Europa proteger o seu futuro digital. Até o dono do canal de Bridgewater acabou por ver de onde o vento soprava e investiu fortemente na empresa ferroviária rival.

Julian King

Julian King, a former British ambassador to Ireland and France, is the EU Security Union Commissioner.

 

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