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Defender a essência da democracia

05-10-2018 - Shirin Ebadi, Christophe Deloire

No dia 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, afirmando a posição de que “a vontade do povo” - democracia - deveria ser a base de qualquer governo. Mas sete décadas depois, as democracias do mundo estão em perigo. Após um aumento de quatro vezes mais no número de democracias, entre a II Guerra Mundial e o ano de 2000, encontramo-nos num longo período de regressão política. Sociedades que já foram abertas estão a desviar-se em direção às ditaduras e, em muitos países, as tendências para regimes despóticos estão a fortalecer-se.

Estas tendências podem ser invertidas, mas só se estivermos todos de acordo no que diz respeito às causas para o recuo da democracia e direcionarmos as nossas soluções em conformidade.

Neste caso, é mais fácil falar do que fazer. No seu ensaio de 1967 “Truth and Politics”, a filósofa Hannah Arendt constatou que: “A liberdade de expressão é uma farsa, a menos que informações factuais sejam garantidas e que os próprios factos não estejam em desacordo.” Infelizmente, a farsa de Arendt transformou-se na nossa realidade.

Para qualquer democracia ser significativa, os seus cidadãos têm de ter acesso a informações fidedignas produzidas num ambiente livre e pluralista. Mas este requisito básico tem sido testado como nunca antes. Em todo o mundo, os oligarcas estão a comprar meios de comunicação para promoverem os seus interesses e aumentarem a influência que têm, enquanto os jornalistas que informam sobre assuntos como discriminação e corrupção deparam-se com intimidações, violência e assassinatos. Como é que podemos garantir liberdade de expressão sob estas condições?

As tecnologias de informação e comunicação deveriam dar-nos mais liberdade, não menos. Inicialmente, a Internet democratizou as notícias e acabou com o domínio dos editores tradicionais e dos conglomerados pró-governos. Mas esta promessa inicial deu lugar a uma “selva de informação”, em que os predadores bem embolsados ganharam vantagem sobre uma audiência despretensiosa. Hoje, os governos travam guerras de informação; os políticos usam a comunicação social para propagarem mentiras; e os membros de grupos de interesse empresariais fazem circular conteúdos enganosos com facilidade. Tal como um estudo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts recentemente descobriu, na Internet as notícias falsas propagam-se mais rapidamente do que as notícias verdadeiras –muitas vezes de modo significativo.

Simplificando, a globalização da informação inclinou a balança a favor daqueles que viram a falsidade como uma ferramenta de controlo. Os ditadores facilmente exportam as suas ideias para as sociedades abertas, já que os conteúdos produzidos sob condições de liberdade raramente se movem na direção oposta. Este desafio tem sido aumentado pelos crescimentos das empresas multinacionais de tecnologia, que passaram a ditar a arquitetura da esfera pública.

Na história da democracia, os mecanismos evoluíram para melhorar o rigor e a ética do jornalismo. Embora sejam imperfeitas e muitas vezes invisíveis, estas proteções regulamentares trouxeram muitos benefícios, tanto para os utilizadores como para os produtores. Mas o ritmo da mudança na indústria da comunicação social –por exemplo, entre a televisão e a imprensa escrita ou entre as notícias e a publicidade –desfocou as claras distinções nas quais essas regras se baseavam originalmente.

Proteger os ideais democráticos neste ambiente conflituoso é uma tarefa fundamental e histórica. É por isso que a organização Repórteres sem Fronteiras (RSF) está a juntar-se a laureados com o Prémio Nobel, especialistas em tecnologia, jornalistas e ativistas dos direitos humanos para lançarem a Comissão de Informação e Democracia. Como co-presidentes desta iniciativa independente, o nosso objetivo é voltar a focar a atenção mundial no valor de “um espaço público livre e pluralista” e oferecer soluções que permitam aos jornalistas trabalharem sem medo de represálias e possibilitem aos cidadãos terem facilmente acesso a informações precisas.

Nas próximas semanas, iremos elaborar uma Declaração Internacional sobre Informação e Democracia e, em coordenação com os líderes de vários países democráticos, iremos trabalhar para garantir o apoio por parte dos governos de todo o mundo. Os nossos esforços irão acelerar em meados de novembro, altura em que os líderes mundiais se reunirão em Paris para comemorarem o 100º aniversário do Dia do Armistício e para participarem no Fórum da Paz e no Fórum sobre a Governação da Internet.

A democracia, com as suas raízes nos ideais do Iluminismo de liberdade e razão, tem de ser defendida. Os governos democráticos e os cidadãos não devem tornar-se vítimas das notícias falsas, dos “trolls” e dos caprichos dos ditadores. A Declaração Internacional sobre a Informação e Democracia destina-se a fortalecer a capacidade das sociedades abertas de combaterem as forças autoritárias.

Todos nós temos a sorte de estar vivos num período de extraordinário potencial tecnológico. E, no entanto, também temos a responsabilidade de garantir que as novas formas de partilhar informação não se transformam em ferramentas de opressão.

Tal como a declaração de missão da nossa comissão sucintamente refere: A sobrevivência da democracia está em jogo, “uma vez que a democracia não pode sobreviver sem um debate público informado, aberto e dinâmico”.

SHIRIN EBADI

Shirin Ebadi é uma laureada do Nobel e advogada de direitos humanos.

CHRISTOPHE DELOIRE

Christophe Deloire é secretário-geral do Repórteres Sem Fronteiras, conhecido internacionalmente como Repórter sem Fronteiras (RSF).

 

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