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O sistema comercial internacional corre o risco de entrar em colapso

28-09-2018 - Anne O. Krueger

Dez anos após a falência do Lehman Brothers, sabemos que a ação multilateral foi crucial para evitar que a tão chamada Grande Recessão se tornasse ainda pior do que aquilo que foi. Nessa altura, era o sistema financeiro global que estava desequilibrado. Hoje, é o sistema comercial internacional que está em perigo.

Ao longo dos últimos 70 anos, o multilateralismo tem funcionado bem no mundo. Grande parte devido ao seu mérito, os Estados Unidos da América evitaram retaliações e compensações depois da II Guerra Mundial. Em vez disso, lideraram a criação das grandes instituições económicas – o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio (outrora com o nome Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio - GATT) –que formam a base da ordem económica internacional que ainda está vigente.

Cada uma destas instituições contribuiu de forma importante para o crescimento económico global, embora a OMC se tenha destacado. Graças à expansão de um sistema comercial multilateral aberto sob a liderança do GATT e da OMC, o comércio internacional cresceu, desde a II Guerra Mundial,   1,5 vezes mais rápido   do que o PIB global.

Apesar de o multilateralismo não ser menos importante hoje do que era durante a época pós-guerra, as ameaças contra a OMC estão a aumentar. As principais, entre elas, são os ataques contínuos feitos pelo governo do presidente dos EUA, Donald Trump, que está a tentar enfraquecer a instituição tanto na letra como no espírito.

Há dez anos, durante o início da crise financeira, muitos recearam que os países erguessem novas barreiras comerciais, à semelhança do que tinha acontecido da década de 1930 e durante outras recessões pós-guerra. Mas as restrições comerciais foram em grande medida evitadas graças à intervenção da OMC e do G20 para facilitar a cooperação multilateral. O volume global de comércio não diminuiu tanto quanto poderia; e até 2011,   recuperou   o seu nível anterior à crise.

As 164 economias que fazem parte da OMC comprometeram-se a apoiar um sistema multilateral aberto, e as normas e os procedimentos comuns que têm como objetivo ajudar o sistema a crescer. Estas normas fazem pelo comércio internacional o mesmo que os códigos comerciais nacionais fazem pelos contratos e transações entre partes, dentro de uma dada jurisdição.

De acordo com as   normas   da OMC, as empresas de comércio internacionais estão sujeitas aos mesmos regulamentos nacionais do que as empresas nacionais e os comerciantes têm os mesmos direitos do que os nacionais perante os tribunais dos parceiros comerciais. Os governos não podem discriminar contra outros membros da OMC (ou seja, se há um benefício para um parceiro comercial, esse benefício deverá estender-se a todos). As tarifas só são permitidas sob certas circunstâncias. E alegadas violações das normas são encaminhadas para o Orgão de Resolução de Litígios da OMC.

A garantia de que as empresas comerciais recebem um tratamento jurídico e regulamentar justo, por parte dos governos dos Estados-membros, é essencial; e o principio da não discriminação tem sido um pilar do sistema comercial internacional, desde o seu arranque. Estas são as disposições que tornam o sistema verdadeiramente multilateral.

No âmbito da OMC, o princípio das nações mais favorecidas (NMF) permite negociações comerciais multilaterais entre iguais. Através dessas negociações, a tarifa média aplicada nos bens manufaturados entre economias avançadas reduziu, passando de mais de 40%, nos finais da década de 1940 para 4%, nos dias de hoje – muito em proveito de todos os membros.

Os mecanismos de resolução de litígios (MRL) da OMC também são vitais para o comércio internacional. Quando as autoridades de um país acreditam que um parceiro comercial está a violar normas mutuamente acordadas, podem apresentar o caso à OMC. Os painéis de arbitragem da OMC irão, então, considerar os argumentos de cada lado e aplicar sanções quando necessário. Por sua vez, os EUA   ganharam mais de 90%   dos casos de resolução de litígios que apresentaram.

Tal como a mola principal de um relógio mecânico, também a OMC atua como o mecanismo interior do sistema comercial internacional. Não é visível, mas é absolutamente essencial para manter o mecanismo a funcionar.

E ainda assim, apesar da vital importância da OMC, ela está a ser enfraquecida. A ameaça mais imediata é aos MRL. São necessários, pelo menos, três juízes arbitrais para ouvir um recurso, mas a administração Trump tem bloqueado todos os candidatos que pretendem substituir aqueles cujos mandatos estão a expirar. Se não houver quórum, os recursos interpostos não podem ser ouvidos e alguns países podem começar a violar as normas da OMC com impunidade.

Outra ameaça significativa à estrutura da OMC é a utilização de regulamentações de segurança nacionais por parte da administração Trump, para justificar as suas tarifas discriminatórias sobre o aço e o alumínio importados. É óbvio que os EUA não enfrentam uma ameaça genuína contra a segurança nacional proveniente de países aliados, como o Canadá ou o Japão, o que significa que as tarifas que aplicam são certamente uma violação do espirito – e provavelmente também da letra –das normas da OMC.

As tarifas aplicadas pelos EUA já prejudicaram o crescimento global e enfraqueceram a OMC. Num mundo de cadeias de fornecimento transfronteiriças e interconectividade crescente, a interrupção desnecessária do comércio de ferro e aço resultará em menos produção, não apenas nos países exportadores, mas também nos EUA. E a probabilidade de outros países retaliarem torna a situação mais perigosa.

Em qualquer caso, as tarifas discriminatórias não irão, quase certamente, cumprir o objetivo declarado de Trump: uma redução nos desequilíbrios comerciais bilaterais dos EUA. O saldo da conta-corrente de qualquer país é a diferença entre as suas poupanças internas (públicas e privadas) e o investimento nacional. A menos que as poupanças aumentem ou o investimento diminua, não se consegue reduzir a disparidade na conta-corrente.

Qualquer esforço para prejudicar o comércio internacional – um dos principais motores do crescimento económico global desde o final da II Guerra Mundial –irá, inevitavelmente, impor custos elevados a todos, inclusive aos membros da classe trabalhadora da base política de Trump. A comunidade internacional, além dos EUA, tem de fazer frente a Trump e reafirmar os princípios de um sistema multilateral aberto –antes que seja demasiado tarde

Anne O. Krueger

Anne O. Krueger, ex-economista-chefe do Banco Mundial e ex-vice-diretora do Fundo Monetário Internacional, é Professora Sênior de Pesquisa de Economia Internacional na Escola de Estudos Internacionais Avançados da Universidade Johns Hopkins e membro sênior do Centro Internacional Desenvolvimento, Universidade de Stanford.

 

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