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Vacinar contra um efeito boomerang do VIH

03-08-2018 - Christine Stegling

Quando comecei a minha carreira como ativista sobre o VIH na República do Botsuana, há 20 anos, a ideia de existir uma vacina parecia ilusória. Mesmo depois de o país ter realizado ensaios para a vacina, em meados da década de 2000, muitos de nós que estavam na linha da frente no combate contra o VIH duvidavam que essa descoberta fosse alguma vez acontecer.

Mas a pesquisa publicada na The Lancet deste mês acabou com o nosso pessimismo. Os ensaios clínicos que envolveram 393 pessoas na África Oriental, África do Sul, Tailândia e os nos Estados Unidos da América produziram respostas imunogénicas encorajadoras e um perfil “favorável de segurança e tolerância”. Embora estes resultados sejam preliminares e o tamanho da amostra seja pequeno, não deixa de ser entusiasmante imaginar que o mundo pode estar à beira de criar uma vacina viável. Para tirarmos proveito dos benefícios, temos de começar a preparar-nos agora para a sua chegada.

Estes tempos são desafiantes no que diz respeito ao esforço global para se acabar com o VIH. Apesar de os profissionais de saúde se terem focado no controlo da epidemia durante quase quatro décadas, as taxas de infeção continuam resistentemente elevadas. Em 2017, ocorreram 1,8 milhões novos casos e cerca de 15,2 milhões de pessoas não conseguiram ter acesso ao tratamento para o VIH na África Ocidental e Central. Apenas 2,1 milhões das 6,1 milhões de pessoas que viviam com o VIH estavam a receber tratamento anti-retroviral.

Esta história sugere que mesmo com a existência de uma vacina, há muitas questões complexas a nível social, económico e cultural que continuarão a dificultar a luta contra o VIH. Temos de pensar cuidadosamente sobre como introduzir uma vacina sem encorajar, de forma involuntária, “efeitos de boomerang”, como o reaparecimento de práticas que exponham as pessoas ao risco de contraírem o VIH.

Embora uma vacina contra o VIH fosse alterar indubitavelmente as regras do jogo, seria apenas uma entre um leque de ferramentas necessárias para controlar uma das pandemias mais letais da humanidade. Para uma vacina ter o maior impacto possível, temos de continuar a promover outras formas de prevenção – tais como o uso de preservativo, a circuncisão médica masculina e o uso da profilaxia pré-exposição para as populações de risco.

Os efeitos de boomerang relacionados com a vacina são orientadores de pesquisa sobre outras doenças, especialmente a malária. Na África subsariana, por exemplo, os investigadores estão atualmente a avaliar como é que o comportamento humano poderia mudar se a vacina contra a malária se difundisse. Em programas-piloto em curso, os cientistas estão a tentar determinar se as pessoas irão reduzir o uso de mosquiteiros e inseticidas para controlarem a exposição aos mosquitos. Essa reação seria preocupante, principalmente devido ao facto de estudos anteriores terem mostrado que a eficácia das vacinas contra a malária pode diminuir ao longo do tempo.

Uma mudança de comportamento semelhante, como resposta a uma vacina contra o VIH, poderia ser devastadora. Em muitas partes do mundo, o fornecimento de preservativos está a diminuir, ao passo que alguns indivíduos – nomeadamente trabalhadores do sexo, consumidores de drogas e membros da comunidade LGBT – têm dificuldade em ter acesso a serviços de prevenção do VIH, devido a restrições legais ou a práticas discriminatórias. Com os cientistas otimistas de que uma vacina está próxima, não existe melhor altura para garantir que as intervenções de transmissão tradicionais continuam a ser uma prioridade para os governantes, políticos e doadores.

Igualmente importante, os ativistas têm de continuar a trabalhar para retirarem as barreiras estruturais que impedem as pessoas de usar os serviços de prevenção antes de tudo. Afinal de contas, são estes mesmos obstáculos que irão provavelmente impedir que as pessoas tenham acesso a uma vacina no futuro.

Além disso, não é demasiado cedo para ponderar como é que uma vacina contra o VIH seria paga. No seu recente relatório, a ONUSIDA alertou para o facto de, devido à ausência de novos compromissos de doadores, o aumento de 8% nos gastos com o VIH, em 2017, ser capaz de ser um ganho extraordinário.

Em todo o mundo, os doadores estão a reduzir as ajudas para o desenvolvimento aos países com rendimentos médios ao passo que os custos dos cuidados de saúde nacionais estão a aumentar. Estas tendências coincidiram com uma redução global no financiamento de serviços de prevenção e de investigação do VIH. Tendo em conta as curtas finanças, temos de ponderar como é que os países em desenvolvimento irão equilibrar o financiamento para as vacinas com outras necessidades de prevenção do VIH.

Numa visita recente a Mianmar e ao Vietname, testemunhei o progresso que os governos, as agências doadoras e os ativistas comunitários estão a desenvolver na luta contra o VIH. Mas também ouvi muitas histórias sobre como os orçamentos decrescentes estão a obrigar as organizações a fazerem escolhas impossíveis em relação aos seus esforços de prevenção. Estas são decisões que nenhum governo deveria ter de tomar e a comunidade internacional tem de organizar a vontade política para que garanta que a prevenção do VIH continua a ser apoiada.

Por enquanto partilho o entusiasmo de muitos de que uma nova ferramenta para lutar contra o VIH pode estar no horizonte. Este panorama será um tópico de muita discussão quando os estrategos da prevenção se reunirem em Amesterdão, esta semana, para a 22.ª Conferência Internacional sobre a SIDA. Mas, independentemente do que acontecer com esta mais recente descoberta relacionada com a vacina, o mundo terá ainda um longo caminho a percorrer até que o VIH seja erradicado. De forma a aumentar as nossas hipóteses de sucesso, a programação da prevenção tem de permanecer no topo da agenda.

Christine Stegling

Christine Stegling é directora executiva da International HIV/AIDS Alliance.

 

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