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O acordo de paz que é só sobre Israel

13-07-2018 - Stanley L. Cohen

Honra, como integridade, não é uma commoditie, como um condomínio dourado em Nova Iorque à venda para quem der mais. Nem habilita mensageiros a sussurrarem pela porta de trás aquilo que não se pode ser dito pela frente, tendo essa porta sido fechada por justiça e respeito.

Ainda assim, mesmo tendo sido repreendido pelas lideranças palestinas devido à mudança vergonhosa da embaixada dos EUA para a capital da Palestina, isso é, precisamente, o que Jared Kushner tem tentado fazer com seu apelo enganoso ao povo palestino em sua mais recente entrevista ao Al Quds.

Seria muito fácil dispensar Kushner como um mero noviço partidário que, com sua família, tem dedicado uma vida inteira a exaltar a primazia do estado judeu como parte de sua ganância pessoal, mascarada de princípio religioso. Para eles, como outro sionistas, a Palestina não é nada além do que um impedimento em uma intentona supremacista que começou com as bênçãos dos EUA bem antes do desencadeamento em Nakba.

Jared Kushner, a família Kushner, e suas ações das Companhias Kushner estão profundamente entrelaçados ao financiamento da ocupação israelense na Palestina e à exploração dos palestinos.

Jared Kushner tem sido um visitante assíduo de Israel desde sua infância. Com 16 anos, ele e milhares de outros jovens judeus foram levados em um tour no campo de concentração de Auschwitz por Benjamin Netanyahu, balançando bandeiras de Israel durante todo o percurso. No final, voaram até Israel como parte de seu “renascimento sionista”.

Os Kushner consideram Netanyahu parte da família, e é sempre dito como o futuro Primeiro-ministro era, durante a infância de Jared, um convidado frequente na casa de Nova Jersei dos Kushners e que ainda dormia em seu quarto.

O mais velho, Charles Kushner, tem doado com frequência aos projetos israelenses incluindo escolas e a IDF e até para os cofres das campanhas do Partido Likud. As Companhias Kushner usam o financiamento israelense extensivamente … incluindo dezenas de milhões dos bancos israelitas, fundos de investimento de empresas de seguro, e investidores israelenses privados … para financiar seu império de débitos imobiliários. Esses laços financeiros continuam até hoje e são tecidos pelas operações e manutenção da fortuna de Jared Kushner. Kushner concretiza o longo compromisso de sua família ao sionismo com contribuições de caridade aos ocupantes da Cisjordânia (incluindo o agrupamento radical Bet-El, construído em terras confiscadas pela IDF, dos fazendeiros palestinos empobrecidos, retirados à mão armada, nos anos 70) e até à própria IDF.

Com facilidade previsível, Kushner, em sua entrevista ao Al Quds, abraça o jogo de culpa sionista padrão que reduz os palestinianos à observadores irracionais de uma história com a qual não têm nenhum interesse pessoal, opinião ou participação. Para ele, é tudo sobre “má liderança” e de jeito nenhum sobre um projeto colonial de 70 anos apoiado e financiado pelos EUA. Continua inalterado até hoje.

Em nenhum lugar isso é mais vivido do que em sua visão da vida e morte em Gaza, que é simplista…quase infantil. Para Kushner, dois milhões de pessoas são reféns não do estado de Israel, terrorista, sistemático e calculista, mas sim do PA e do Hamas que escolheu explorar palestinos como meros peões em uma narrativa de “vitimização” para angariar um momento de “bom sentimento” e simpatia com a imprensa enquanto enterram seus próprios filhos e filhas.

Que Kushner falaria de manchetes não é surpresa. Ele é, afinal, o porta-voz ungido de uma administração consumida não por feitos significantes de preocupação e consequência, mas sim pelo banner do momento ou o twitter mais irresponsável do dia.

Em nenhum lugar na opinião de Kushner sobre Gaza, Israel tem qualquer responsabilidade pelo maior campo de concentração ao ar livre do mundo, que tem crescido exponencialmente cada vez mais sádico.

Previsivelmente, Kushner vê o sofrimento coletivo que é Gaza não como o resultado da destruição e embargo israelense mas sim como uma economia que foi feita de refém por alguns túneis e alguns “foguetes” de defesa que não causam mal algum além de fincar a bandeira geopolitica israelitas de invencibilidade.

De facto, para falar, como ele, sobre investimentos de longo prazo e crescimento econômico como a necessidade imediata de sobrevivência de Gaza é fechar os olhos para realidade de sua angústia diária. Dramaticamente ausente em sua análise de causa e efeito está qualquer reconhecimento do controle israelense sobre o fluxo de comida, água, remédios e movimentação para fora e dentro de Gaza.

Seu silêncio sobre o controle do estado judeu sobre a infraestrutura danificada de Gaza pretendia punir e manipular o direito fundamental dos palestinos de obter água limpa e energia para suas casas, hospitais e escolas. Argumentar que esses direitos humanos básicos são, de alguma forma, contingentes de investimento e oportunidades de reconstrução há uma década é mais do que uma reescrita seletiva fomentada pela negação de Kushner.

No discurso partidário da Casa Branca, tudo o que Gaza precisa fazer é render sua vontade política e direito básico à auto determinação e, como o danificado acordo nuclear do Irão e a recente distensão com a Coreia do Norte, tudo ficará bem do dia para a noite, como mágica. A mensagem bem elaborada de Kushner vai de pura ingenuidade à total falsidade.

Enquanto ele é rápido em culpar a crise humanitária em Gaza nos ventos políticos das administrações anteriores somente, no momento em que Kushner falou na inauguração da embaixada dos EUA em Jerusalém, milhares de homens, mulheres e crianças palestinianas foram reprimidos somente por exercitar o direito de protestar em Gaza. E enquanto snipers israelenses podem ter usado uniforme naquele dia, decorado com a estrela de Davi, não há dúvidas de que, por dentro, a etiqueta dizia fabricado nos EUA.

Mesmo antes da posse de Donald Trump, seu genro estava ocupado tentanto intervir ilegalmente em nome de Israel enquanto tentava reunir estados membros do Conselho de Segurança da ONU para parar uma votação de uma resolução crítica à política ilegal israelense de assentamentos.

Seguindo a inauguração, entre seus primeiros actos, Trump congelou a transferência de $221 milhões em recursos discricionários do USAID para emergência humanitária em Gaza. Em outros tempos, ele mostrou apoio unilateral sem precedentes para Israel que vai desde ameaças de fechar o escritório do PLO em Washington até congelar $65 milhões em fundos dos EUA para o UNRWA por serviços críticos aos refugiados palestinos … até ameaçar suspender todo o dinheiro para a Palestina … “a não ser que sentem e negociem em paz”.

Recentemente, os EUA vetaram uma resolução do Conselho de Segurança que pedia por medidas protetivas internacionais para o povo de Gaza que ganhou o apoio de 10 dos outros estados membros. Antes, os EUA vetaram uma resolução que declarava “…quaisquer decisões e ações que pretendem alterar… o caráter, status ou composição demográfica da Cidade Santa de Jerusalém não têm efeitos legais, são nulos e devem ser rescindidos em conformidade com resoluções relevantes do Conselho de Segurança”. Semana passada os EUA se retiraram do Conselho de Direitos Humanos da ONU citando o “viés politico” do grupo contra Israel.

Os EUA têm, por décadas, posado como interlocutor neutro no chamado “processo de paz” … alegando mediar uma paz justa para os palestinos mesmo armando Israel e induzindo sua expansão para as terras palestinas. Para manter a ficção do seu papel de “juíz”, administrações sucessivas da Casa Branca de ambos os partidos têm enviado representantes com um profundo pedigree diplomático e aparência de justiça…até sinceridade…ao mesmo tempo que bloqueiam qualquer ação internacional contra assentamentos israelenses ilegais e financiam a IDF com biliões dos contribuintes norte-americanos.

Essa charada dominou por mais de quarenta anos a verdadeira política norte-americana… para transformar seu estado cliente, Israel, em uma fortaleza e potência regional militar capaz de ampliar os interesses dos EUA… enquanto os israelitas perseguiam sua agenda de desapropriar os palestinianos, roubando sua terra e matando-os. Deveria ser claro agora que os EUA nunca pretenderam apoiar nenhum estado Palestino. A má-fé norte-americana inunda os escombros da solução de dois estados com o fedor de traição e morte.

Hoje, não há mais necessidade para a charada ou até para os diplomatas. Jared Kushner, um desenvolvedor imobiliário judeu ortodoxo, chega, agora, como o último enviado norte-americano…um homem tão profundamente investido no sucesso sionista que ninguém pode aceitá-lo como nada além do que homem de vendas do sonho israelita.

Tendo isso em vista, ele se encaixa no molde Trumpiano de “enganar” a oposição: aponte a pessoa mais condenável para o papel ao qual ele é o menos adequado, e veja seus inimigos espumarem de raiva pela boca. O trabalho de Kushner aqui é destruir a tradição de “paz no Oriente Médio”…um jogo educado das potências ocidentais. A intenção de Trump é atrair os interesses norte-americanos completamente para o lado de Israel e tornar qualquer posição futura de negociadores norte-americanos impossível. Depois de Trump, não haverá mais “processo de paz”…assim como não haverá credibilidade norte-americana nas relações internacionais.

O Departamento de Estado dos EUA é estripado por amadores enquanto Trump brinca sozinho quando o assunto é seu catastrófico estilo de diplomacia. Porque qualquer Palestino ouviria Jared Kushner? Mesmo se ele prometesse o mundo com Falafel, seu sogro pode, e vai, tomar de volta com um único twítter no dia seguinte.

Kushner, em sua entrevista, insulta os palestinos e oferece somente vassalagem económica em sua visão de uma zona high-tech de empoderamento econômico… o Vale do Silício no Med. Os Palestinos, estripados de soberania, direitos humanos e civis, e qualquer futuro politico, somente podem servir aos israelitas como força de trabalho cativa sem agenciamento ou controle. Esse é o “acordo” que o último enviado dos EUA oferece…aceitem escravidão agrária ou não existam mais. A agenda de Trump tem tido muito sucesso em enterrar a solução de dois estados. Os palestinos retornarão às barricadas e irão se preparar para a resistência.

Relembrar da história desde Oslo é pegar um caminho de promessas quebradas e provocações vazias acompanhadas pelas lamentações de incontáveis funerais de jovens mulheres e homens que morreram pela coragem de suas vozes palestinas.

A noção de que os EUA podem ou irão ter um papel de agentes justos e honestos em garantir justiça aos palestinos é apenas mito e nada mais.

Israel é ridicularizado pelo seu próprio silêncio tendo anexado ilegalmente boa parte da Cisjordânia ocupada desde Oslo e aprisionado bem mais de cem mil palestinos que, simplesmente, ousaram procurar justiça e igualdade. Muitas centenas de outros perderam suas vidas para a violência nos assentamentos ou nas mãos da IDF. Durante o mesmo período dezenas de milhares de civis foram mortos ou feridos por massacres contínuos em Gaza.

Como seu sogro, Jared Kushner é bem parecido com o ladrão que invadiria sua casa para roubar sens bens mais preciosos e depois prometer retorná-los em troca do seu filho. Cheio de promessas vazias e um pouco mais, não se engane, Jared Kushner fala para Palestina não só como menino de recados de Donald Trump, mas também como carimbo para Netanyahu e seu projeto colonial. O grande “acordo” nada tem a ver com justiça…mas sim com lucros partidários pessoais.

*Tradução de Isabela Palhares | Originalmente publicado no Counter Punch

 

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