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Libertar jornalistas não significa libertar a imprensa

08-06-2018 - Gulnoza Said

Durante o primeiro ano e meio do seu mandato, o presidente usbeque Shavkat Mirziyoyev transformou a liberdade de imprensa num ponto central da sua agenda reformista. Depois dos 27 anos de censura e do regime férreo do falecido Islam Karimov, os meios de comunicação social do Uzbequistão nunca estiveram tão livres.

Mas a continuação desta evolução dependerá de mais que promessas de um presidente reformista: obrigará a acabar com o legado de assédio, intimidação e detenções que tem flagelado os jornalistas do país durante décadas. E significará compensar aqueles que mais sofreram, nomeadamente Yusuf Ruzimuradov e Muhammad Bekjanov, dois dos jornalistas que mais tempo estiveram presos em todo o mundo.

A 15 de Março de 1999, Ruzimuradov e Bekjanov foram detidos enquanto trabalhavam no   Erk , um jornal da oposição em idioma usbeque, sediado em Kiev, na Ucrânia. Ruzimuradov era repórter do jornal e Bekjanov era o seu editor principal. Depois de detidos, foram torturados e extraditados para o Uzbequistão, onde foram condenados à prisão com base em acusações forjadas de distribuição de um jornal ilegal e de preparação de um golpe de estado.

Enquanto o mundo seguia de perto o caso de Bekjanov, a sorte de Ruzimuradov permaneceu um mistério durante a maior parte do seu encarceramento. A minha organização, o Comité para a Protecção dos Jornalistas (CPJ), tinha conhecimento da sua prisão, mas nos últimos anos não conseguiu confirmar o local onde se encontrava detido ou o seu estado de saúde. Todos os anos, incluíamo-lo na nossa lista anual de jornalistas detidos, mas as nossas tentativas para simplesmente confirmar se estaria vivo depararam-se sempre com o silêncio.

Durante o regime autoritário de Karimov, as tentativas internacionais para defesa dos jornalistas presos deram pouco resultado. O presidente era conhecido por punir severamente a dissensão, e supervisionava pessoalmente o encarceramento dos seus críticos, nomeadamente membros da sua própria família.

Mas a morte de Karimov, em Setembro de 2016, representou uma oportunidade para a mudança. Em Janeiro de 2017, o CPJ escreveu uma carta aberta exortando o novo presidente a libertar todos os jornalistas presos pelo seu antecessor; a nossa lista incluía Bekjanov e Ruzimuradov. No próximo mês, Bekjanov foi libertado. Depois, em Fevereiro de 2018, Ruzimuradov foi também finalmente libertado.

Falei recentemente com Ruzimuradov sobre o seu cativeiro. Tem agora 53 anos, e diz que pretende voltar um dia ao jornalismo. Mas actualmente está concentrado em recuperar do trauma que sofreu na prisão. Continua fraco: durante o seu cativeiro de 19 anos, foi obrigado a transportar milhões de tijolos, como parte da sua pena. Entrou frequentemente em greve da fome para protestar contra a sua detenção, e ainda sofre de complicações relacionadas com um caso agudo de tuberculose. E embora seja aparentemente um homem livre, o governo continua a limitar os seus movimentos.

Embora Mirziyoyev tenha tomado algumas medidas para melhorar os resultados do país em termos de direitos humanos, continua a copiar algumas das políticas do seu antecessor relativas aos jornalistas. Alguns activistas começaram mesmo a chamar ao jornalismo a “porta giratória” da opressão no Uzbequistão. Por exemplo, apenas alguns meses antes de Ruzimuradov ter sido libertado, dois outros jornalistas foram detidos sob acusações contra o estado. Bobomurod Abdullaev e Hayot Nasriddinov, ambos jornalistas independentes, foram acusados de “conspiração para derrubar o regime constitucional”.

Felizmente, os dois homens foram libertados no mês passado, depois de um tribunal ter retirado as acusações mais graves. Foi um caso emblemático, num país que não estava acostumado a decisões judiciais favoráveis a jornalistas. Com esta mudança positiva, sinto-me cada vez mais optimista de que Mirziyoyev esteja empenhado em ajudar o Uzbequistão a virar uma página. De acordo com  a nossa investigação, pela primeira vez em duas décadas, não existem jornalistas presos no Uzbequistão.

Mesmo assim, o número de jornalistas na cadeia nunca deveria ser a medida do compromisso de um país com a liberdade de imprensa. As autoridades devem agora garantir que os jornalistas conseguem exercer as suas funções sem medo de represálias. Um pedido oficial de desculpas a todos aqueles que estiveram detidos transmitiria essa mensagem para todos.

As compensações também ajudariam. Tanto Ruzimuradov como Bekjanov gastaram uma pequena fortuna em cuidados médicos desde a sua libertação, devidos aos efeitos provocados sobre a sua saúde por quase duas décadas de cuidados médicos. Bekjanov também está a navegar por um campo minado de burocracia, enquanto tenta recuperar bens confiscados após a sua condenação. Se Mirziyoyev quer provar que as suas promessas vão além de compromissos vazios, deverá garantir que nenhum outro jornalista sofrerá as injustiças sofridas por estes dois homens. A sua história merece ser contada no Uzbequistão, para que nunca mais volte a acontecer.

Gulnoza Said

Gulnoza Said, é uma pesquisadora associada para a Europa e Ásia Central no Comité para a Proteção de Jornalistas, com sede em Nova York.

 

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