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Os perigos do financiamento dos meios de comunicação social públicos

23-03-2018 - Marius Dragomir

BUDAPESTE – A empresa pública de meios de comunicação social da Hungria, a MTVA, funcionou no ano passado, com um orçamento de aproximadamente 309 milhões de dólares, sendo a maior parte desta verba proveniente dos cofres do Estado. Isto significa que a MTVA - que gere cadeias de televisão, uma rede de radiocomunicações e uma agência de notícias - tinha um orçamento diário de 846 000 dólares. Para um país com apenas dez milhões de pessoas, isto é a definição de um “quango” esbanjador.

Poderíamos supor que a força financeira da MTVA é uma excepção numa indústria atormentada pela diminuição das receitas e modelos de negócios disfuncionais. Contudo, de entre os meios de comunicação social financiados pelo Estado a nível mundial, o gigantesco orçamento da MTVA é a norma. Desde a Sérvia até à África do Sul, o financiamento das redacções gerado pelos contribuintes está a aumentar. Infelizmente, embora estes lucros possam colocar mais programação no ar, apenas servem para aprofundar os males do sector.

Os governos desempenharam um importante nos meios de comunicação social nacionais nacional durante décadas, utilizando o regulamento das frequências de transmissão e requisitos de licenciamento para moldar o mercado. No entanto, nos últimos anos, os governos também intensificaram a sua influência a nível orçamental. Actualmente, as dotações orçamentais do governo estão entre as principais fontes de receitas dos meios de comunicação social.

O apoio público assume normalmente uma de três formas. Um dos métodos consiste em cobrar taxas de licenciamento aos agregados familiares, um imposto efectivo sobre o conteúdo. Embora os orçamentos públicos não tenham aumentado em toda parte - entre 2011 e 2015, por exemplo, o financiamento dos meios de comunicação social públicos sofreu uma redução de 40% nos 56 países membros da União Europeia de Radiodifusão - as verbas do governo continuam a ter influência. Em Janeiro de 2017, o governo romeno aprovou um  orçamento de 360 milhões de dólares para a emissora estatal SRTV, uma verba impressionante num país com apenas 20 milhões de pessoas. É comum haver injecções semelhantes de fundos públicos noutros países.

A aquisição de publicidade é outro dos método de apoio do governo. Os gastos do Estado nesta categoria podem ser significativos. Durante o primeiro semestre de 2013, por exemplo, o governo da Malásia gastou  mais de 118,5 milhões em anúncios do que o conjunto dos quatro publicitários seguintes.

Por último, os estados dão frequentemente contribuições em dinheiro aos meios de comunicação social em dificuldades, especialmente aos que fazem uma cobertura favorável. Em 2014, o governo do Montenegro, um país com apenas 622 000 habitantes, gastou 33,6 milhões de dólares em auxílios estatais para meios de comunicação social. De acordo com o Center for International Media Assistance, as doações incluíram um apoio "generoso” ao   Pobjeda , um jornal "fiável”, favorável ao governo.

As contribuições financeiras serão sempre acolhidas favoravelmente pelos meios de comunicação social e, especialmente, pelos meios independentes com problemas orçamentais. No entanto, quando o financiamento acarreta condições, como acontece frequentemente com os fundos provenientes do governo, a integridade jornalística pode sofrer. Em muitos casos, as organizações de meios de comunicação social públicos são muitas vezes pouco mais do que porta-vozes do governo, e é frequente as autoridades interferirem nos assuntos editoriais.

A Hungria é um caso típico. Em 2010, não muito tempo depois de o partido populista da direita, Fidesz, ter assumido o poder, os funcionários do governo despediram uma série de jornalistas da MTVA que tinham deito críticas ao Fidesz durante a campanha eleitoral. Desde então, as autoridades introduziram alterações drásticas na legislação relativa aos meios de comunicação social, algo que algumas pessoas receiam que possa “restringir o pluralismo dos meios de comunicação social a longo prazo”.

Na Macedónia regista-se uma situação idêntica; em 2014 a Comissão Europeia criticou o governo por utilizar as verbas de publicidade para consolidar controlo do Estado sobre o conteúdo das notícias. Existe um grande número de outros exemplos análogos de ingerência nos mercados dos meios de comunicação social em todo o mundo.

De um modo geral, os governos tendem a financiar os meios de comunicação social amigáveis ou as organizações de notícias que estão dispostas a aceitar as regras do jogo. De acordo com um relatório de 2014 sobre o futuro do jornalismo digital, co-editado por mim para as Open Society Foundations, os governos recorreram à pressão financeira para manipular as agências noticiosas em mais de metade dos mercados analisados. Não restam dúvidas de que esta percentagem aumentou nos anos seguintes.

De forma mais ampla, ao favorecer o jornalismo “dócil”, ou ao cortar os subsídios aos meios de comunicação sociais críticos, os governos estão a distorcer os mercados dos meios de comunicação social em prol dos seus interesses. Em 2012, uma injecção de fundos por parte das autoridades sérvias na agência noticiosa controlada pelo Estado, Tanjug, conferiu-lhe uma vantagem concorrencial gigantesca sobre o serviço de notícias independente Beta. Também na Hungria, o jornalismo independente debate-se para acompanhar o ritmo dos gigantes financiados pelo Estado. Entre os exemplos figura a   Atlatszo, uma   start-up   intrépida no domínio da investigação. Quase inteiramente financiada por doações, o orçamento anual da  Atlatszo  totaliza menos de metade da dotação diária da MTVA.

Embora os fundos públicos estejam a reformular o sector dos meios de comunicação social, os contribuintes não são os maiores beneficiários em muitos países. Se apenas uma fracção da gigantesca dotação recebida pelos meios de comunicação social estatais fosse redireccionada para as agências noticiosas independentes, o jornalismo iria prosperar e o público beneficiaria de melhor informação. Actualmente, porém, os maiores vencedores no mercado dos meios de comunicação social públicos são os governos que manipulam um sector em dificuldades.

MARIUS DRAGOMIR

Marius Dragomir é Director do Centro de Mídea, Dados e Sociedade da Universidade da Europa Central e dirigiu o portfólio de pesquisas e políticas do Programa de Jornalismo Independente em Londres.

 

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