MAQUIAVEL E MACRON
07-07-2017 - Leneide Duarte-Plon
O partido do presidente Emmanuel Macron, que não existia há pouco mais de um ano passou como um furacão redistribuindo os papéis na política francesa.
Emmanuel Macron leu Maquiavel.
É o que garante o jornalista e escritor François Bazin em seu livro recém-lançado sobre os cinco anos que antecederam o fenômeno Macron.
Até aí nada demais.
Ter lido Maquiavel parece uma evidência num intelectual francês que frequentou uma faculdade de filosofia e se preparou para enfrentar a arena política.
« Macron leu ‘O Príncipe’. Ele sabe que a tática de conquista não é a mesma da preservação do poder. Na conquista, ele era a raposa, astuciosa e dúplice. Uma vez eleito, ele é o leão, explícito, vertical, jupteriano. E ele se apodera de tudo », resume Bazin.
Com a folgada maioria absoluta que conseguiu no segundo turno das eleições legislativas de domingo, o presidente parece o leão da metáfora de Maquiavel.
Mas ele sabe que a maior parte dos eleitores (57%) não saiu de casa para votar no segundo turno. Essa abstenção é a maior jamais registrada em eleição da Va República.
E isso é um sintoma que tem que ser levado em conta. Os deputados foram eleitos por uma minoria de pouco mais de 42% dos eleitores habilitados a votar.
Distância prudente
Macron fascina a imprensa francesa que multiplica os perfis e tenta penetrar no cérebro do novo presidente, muito mais distante dos jornalistas do que Hollande.
A excessiva proximidade com a imprensa revelou-se nociva ao ex-presidente pois foi um livro de dois jornalistas do « Le Monde » (Un président ne devrait pas dire ça…) que inviabilizou sua segunda candidatura. O próprio título já dizia que Hollande teria ido longe demais. Ele foi acusado, inclusive, de revelar segredos de Estado numa das passagens do livro. Sua credibilidade ficou seriamente abalada.
Macron ama o exercício do poder e sabe tirar lições dos erros de seu mentor e predecessor. Por isso, mantém-se precavidamente longe dos comentários e conversas em « off » tão caros a Hollande.
De certa forma, ele quer ser o anti-Hollande.
Seu primeiro-ministro vindo do partido de direita Les Républicains (ex-UMP), Edouard Philippe, segue a política traçada pelo presidente-monarca. No presidencialismo francês da Va República, cuja Constituição foi feita sob modelo para Charles de Gaulle, o presidente detém mais poder que o presidente americano, como não se cansam de repetir os cientistas políticos.
E Macron não pensa que isso é um problema.
Muito pelo contrário.
Maioria absoluta
As eleições legislativas deram a seu partido, La République en Marche, a maioria absoluta para aprovar suas reformas neoliberais com folga na Assemblée Legislative (Câmara dos Deputados) – 308 deputados mais 42 do partido MoDem da coligação presidencial de um total de 577 deputados.
Uma nova etapa da vida política francesa vai começar com rostos novos e sensível redução da idade média dos deputados (48,6 anos de idade média para 54 na antiga legislatura) e 40% de mulheres. Mais de 75% dos deputados estão começando um primeiro mandato. A mais nova deputada, Typhanie Degois, tem 24 anos e foi eleita pelo partido do presidente.
Muitos caciques de direita e de esquerda não conseguiram se reeleger e muitos ex-ministros de François Hollande não conseguiram sequer a confiança dos eleitores para um primeiro mandato.
O partido do presidente Macron, que não existia há pouco mais de um ano, passou como um furacão redistribuindo os papéis na política francesa.
O partido socialista e o partido de direita (Les Républicains) que davam as cartas se revezando no poder até hoje em alternância, nunca tiveram uma bancada tão pequena. Os socialistas elegeram apenas 30 deputados e o LR elegeram 113. Os dois partidos vão ter de se reconstruir das cinzas e há quem pense que muitos dos eleitos vão acabar aderindo ao presidente e votando seus projetos.
A realidade é que a fascinação por Macron contou muito na eleição dos noviços em política. Muitos expoentes socialistas e republicanos foram derrotados por ilustres desconhecidos que se apresentaram com a etiqueta La République en Marche. A onda Macron transformou-se em verdadeiro tsunami.
Os insubmissos na espreita
Os eleitores, que nunca foram tão escassos numa eleição legislativa francesa, também proporcionaram a entrada no Palais Bourbon de uma esquerda combativa : 10 deputados do Partido Comunista e 17 da France Insoumise, o partido de Jean-Luc Mélenchon. E eles prometem fazer uma oposição ferrenha.
Quarto colocado na eleição presidencial com quase 20% do total de votos válidos, depois de ter empolgado jovens e um eleitorado de esquerda decepcionado com o governo de Hollande, Jean-Luc Mélenchon foi eleito deputado por Marselha e garantiu combate às reformas prometidas por Macron. Nenhum direito a menos é seu lema.
Ele relembrou a seus colegas recém-eleitos pela França Insubmissa que o programa do presidente « quer destruir as leis trabalhistas, reduzir as liberdades públicas e fabricar mudanças para agradar aos ricos ».
No outro espectro do leque político, o partido de extrema-direita Front National (FN) levou Marine Le Pen à Assembléia pela primeira vez e com ela entraram mais sete deputados frontistas, a maior bancada do FN na história francesa. Eles prometem uma oposição firme ao presidente, apesar de não terem um peso numérico. A verve e a notoriedade de Marine Le Pen farão muito barulho na nova Assembleia.
A partir de agora, o presidente Macron tem que mostrar que a leitura de Maquiavel foi útil para o exercício e a preservação do poder.
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