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A esquerda na França: explosão ou reconstrução?

02-09-2016 - Roger Martelli

Nos últimos dias, tem-se ampliado a lista de candidatos presidenciais franceses para 2017. O “hollandismo” não está em seu melhor momento, mas seus opositores estão divididos. É a interpretação de uma desintegração.
 
Primeiro foram Jean-Luc Mélenchon, Marie-Noëlle Lienemann, Girard Filoche, Philippe Poutou e Nathalie Arthaud. Agora, Cécile Duflot, Benoît Hamon e Arnaud Montebourg são os que querem ser candidatos em 2017. Enquanto isso, o Partido Comunista Francês titubeia, as primárias da esquerda reunida, a esquerda da esquerda, foram interrompidas, e uma parte da chamada esquerda radical começa a pensar que a abstenção é a única forma de “piratear” as eleições presidenciais. Onze anos depois da vitória do “não” no referendo sobre o tratado constitucional europeu, e quatro anos depois dos bons resultados de Mélenchon nas últimas presidenciais, a esquerda está perdida no meio de uma névoa.
 
Cécile Duflot, a incerteza ecologista
 
A candidatura de Cécile Duflot é a consequência imediata de um fracasso prematuro: a candidatura de Nicolas Hulot. Uma vez que o “senhor transversal” por excelência se retirou, os verdes se viram à beira do abismo, e os amigos de Duflot não tiveram outra opção a não ser lançar a aventureira candidatura própria. Cécile Duflot tem, entre seus méritos o facto de ter dirigido o Movimento Ecológico por um período inusual longo (2006-2012), ganhando dimensão nacional através de sua participação na gestão do ex-primeiro-ministro Jean-Mar Ayrault, e por ter rompido a lógica do governo antes que muitos de seus competidores na esquerda. Ela acredita que sua força reside em ser um ponto de equilíbrio numa organização desorientada pelos múltiplos abandonos, principalmente o da sua “direita” (Jean-Vincent Place, François de Rugy, Emmanuelle Cosse). Também pode rentabilizar sua singularidade em tempos de debates marciais sobre a segurança. Provavelmente seja uma das poucas que desafiam a lógica da guerra.
 
Mas sua candidatura também é de alto risco. A imagem dos verdes vem se deteriorando consideravelmente no último período, ao mesmo tempo em que a temática ecologista está se difundido por toda a paisagem política da esquerda. Além disso, a eleição presidencial não é a mais favorável para os ecologistas. Em eleições anteriores, com Dominique Voynet em 2007 e Eva Joly em 2012, os verdes obtiveram resultados calamitosos. De forma geral, os ecologistas tem saído de um cenário incerteza quase consubstancial. Desde o começo dos Anos 90, quando decidiram se situar à esquerda junto com Voynet, os Verdes oscilam entre duas tentações: ser os sucessores de uma social-democracia obcecada numa mutação difícil, que pode empurrá-los a um “social-liberalismo” ou ao espírito “liberal-libertário”, ou empurrar, na medida do possível, a lógica do anti produtivismo, o que levaria a ecologia política ao espaço da esquerda considerada radical. Claro que, nos últimos dois anos, com sua participação no governo provocando uma crise interna, não puderam esclarecer esse posicionamento, com uma organização cada vez máis fragmentada. Consequentemente, as margens de manobra dos ecologistas podem ser estreitas, no contexto de uma oferta política já sobrecarregada. Cécile Duflot está apostando em articular as reivindicações sociais, o paradigma do meio ambiente e a exigência ética e social. Terá problemas se insistir em buscar votos nesses três espaços ao mesmo tempo.
 
Benoît Hamon, o relançamento da social-democracia
 
O compromisso de Benoît Hamon é de outra natureza. Se coloca abertamente na lógica interna da família socialista. François Hollande e Manuel Valls escolheram comprometer o PS com a via do “liberalismo social” britânico, alemão, espanhol e italiano, rompendo com história da social-democracia europeia do Século XX. Como em toda a Europa, essa opção dividiu os partidos socialistas e os submergiu numa forte crise doutrinária e organizativa.
 
A aposta de Benoît Hamon é dupla. A curto prazo, espera unir a oposição socialista ao setor de Hollande e Valls, despertar a mobilização dos militantes, bater o futuro candidato do executivo nas primárias e, a partir de então, agregar ao seu eleitorado, ainda no primeiro turno, uma parte da esquerda da esquerda, incluindo o eleitorado comunista. A longo prazo, ele aponta à experiência britânica. O exercício do poder, segundo este exemplo, promove ciclicamente uma opção social liberal considerada mais realista, o que joga a favor do atual presidente do país. Entretanto, a volta à oposição poderia causar uma explosão a favor dessa esquerda, como a que levou Jeremy Corbyn a encabeçar o Partido Trabalhista no Reino Unido. Mas mesmo que Hollande vença batalha das primárias, o mais provável é que a direita radicalizada prevaleça em 2017. Nesse caso, Hamon aparece já como um possível sucessor, um líder crível para a futura oposição de esquerda.
 
Sobre o papel, os cálculos do líder socialista não são absurdos. Porém, ele se enfrenta a um desafio triplo. Terá que convencer primeiro a toda a oposição socialista de esquerda sobre sua capacidade, e se ele mesmo tem carisma suficiente para reunir a família socialista. Por outro lado, seus erráticos caminhos, desde sua participação no governo Valls até sua saída não desejada ou controlada, colocam em dúvida sua determinação. Finalmente, em termos gerais, não é seguro que o retorno a uma lógica social-democrata tradicional seja relevante e atractiva, especialmente contra a radicalização da direita, impulsada por uma Frente Nacional em ascensão. Basicamente, a opção favorecida pela esquerda do Partido Socialista não se diferencia da de Lionel Jospin em 1997 (“economia de mercado sim, sociedade de mercado não”). Mas esse modelo de gestão, entre 1997 e 2002, coincidiu com a maior derrota do socialismo e o maior avanço da Frente Nacional.
 
A tentação de Montebourg
 
Arnaud Montebourg, apesar de suas fortes declarações, continua sendo o último candidato da lista. Colocou sua candidatura em cena nos últimos meses, cuidadosamente, cultivando a imagem de um homem dinâmico, sem complexos mas cuidadoso, capaz de assumir o manto presidencial. Combina um industrialismo ao clássico estilo “Colbert” com o vigor da “desglobalização”. Se considera socialista, mas “não só isso”. Faz elogios ao gaullismo histórico, corteja até mesmo os comunistas com seu discurso nacional, sem chegar a plantear o tema da ruptura com a União Europeia. Em poucas palavras, não diz que está para lá da divisão entre esquerda e direita – como Jean-Pierre Chevènement em 2007 – mas…
 
Num contexto de desintegração dos pontos de referência fundamentais, esquerda e direita, Montebourg não carece de activos. O facto é que o homem da “desglobalização” e da “VI República” é também o que optou por Ségolène Royal em 2006, e que apoiou Hollande contra Martine Aubry no segundo ronda das primárias socialistas de 2011, além de ter feito todo o possível para que Valls fosse chefe de governo após a saída de Ayrault.
 
Com respeito ao programa que apresentou na convenção de Frangy, por um lado implica em medidas perfeitamente aceitáveis para a esquerda, por outro, as inscreve numa lógica global incerta. Quanto aos temas fundamentais, nada o distingue da lógica socialista anterior, que prometia muito, mas sem questionar as lógicas pesadas que estruturam a nossa época. De que serve anunciar um fortalecimento da ação do Estado, se não se atacam os mecanismos financeiros estruturais que acompanharam a globalização neoliberal e precipitaram a crise do Estado de bem-estar? Uma vez mais, muitas promessas que só comprometem os que se as criaram.
 
Em resumo, Montebourg não corresponde às exigências de um período histórico que não se limita aos quatro anos da gestão de Hollande. Em geral, o “industrialismo” é incompatível com a necessidade de repensar os métodos de produção, se centrando no conceito de utilidade social, sobriedade e durabilidade. O “colbertismo” ignora que alabar o papel do Estado não é suficiente, mas sim defender a redefinição do significado dos serviços públicos a partir de conceitos como a autonomia, a participação dos usuários e agentes dos serviços públicos. O keynesianismo não leva em conta a necessidade de redefinir as modalidades da criação de riqueza e do papel do sistema financeiro. Em quanto ao nacionalismo do seu discurso, subestima a necessidade de pensar de um modo novo a relação entre todos os territórios, do local ao global, o que significa a liberação de todos os territórios, sem excepções, da dupla supervisão administrativa da gestão pública.
 
Em resumo, a lógica de uma candidatura “pega-tudo” não pode ser, atualmente, a de uma esquerda desorientada por décadas de retrocessos socialistas, que Arnaud Montebourg tem acompanhado pacientemente até há pouco tempo. O chamariz é sempre tentador. Mas, mais do que nunca, está cheio de graves perigos. Uma pitada de Jaurès, uma colher de Chevènement e a receita da “esquerda popular” não funciona…
 
A esquerda da esquerda
 
Assim, uma vez mais, a esquerda da esquerda se enfrente ao desconhecido. Em nome do reagrupamento de “toda a esquerda”, pode se encontrar de novo com um leque de variáveis social-democratas incertas, fontes de futuros desastres a curto ou longo prazo. Por enquanto, o Partido Comunista não deu sinais de rejeitar essas opções. Se não o fizesse, seria um golpe mortal à tradição comunista e o espírito consequente da esquerda. Ainda assim, não obterá nenhum benefício eleitoral imediato, especialmente nas perigosas legislativas de 2017. E impossibilitará que a cultura comunista encaixe na reconstrução ambiciosa de uma esquerda que recupere maioritariamente a lógica de ruptura com o sistema.
 
No atual panorama político, a posição mais consistente da esquerda da esquerda ainda vem sendo a de Jean-Luc Mélenchon, seja lá o que se pense de um ou outro dos seus comentários. Diferente de todos os outros candidatos da esquerda, ele vem se situando de forma contínua, durante quase quinze anos, na corrente crítica da esquerda francesa, a que participa do movimento por justiça global e por uma opção antiliberal, a que rega a dinâmica da Frente de Esquerda – a que, de 2005 a 2012, vem encarnando a esperança de um movimento social em ascensão e de uma esquerda que recuperava seus valores fundamentais.
 
Esta parte do espaço social e político é a única coisa capaz de reviver a esperança social e democrática de uma sociedade desorientada. Sua ambição deve ser ampla, não deve se retrair sobre si mesma e se abster de qualquer espírito de exclusão, com respeito a qualquer pessoa que queira romper com o espírito dominante: é óbvio, embora ainda não seja assim. Mas tudo isso não impede que seja o eixo da recomposição necessária. Isto requer uma grande quantidade de inovação e o rompimento com os velhos hábitos. Mas dar as costas a esta história comum recente seria uma loucura.
 
Os comunistas seriam fiéis a eles mesmos, se situando nessa óptica e unindo forças com Mélenchon. Porém, em troca deve, mais do que nunca, se afastar de todos os que, de uma forma ou de outra, podem colocar em perigo a volta da dinâmica virtuosa de 2012. Deve-se ter em conta o esgotamento do sistema de partidos, é uma coisa a qual devem encontrar opções, novas formas mais flexíveis, mais fluídas, para se envolver com pessoas independentes. Porém, no caso francês, nada seria mais contraproducente que ignorar que o novo e o velho continuam a se entrelaçar, que dezenas de milhares de pessoas ainda estão inscritas no universo dos partidos políticos, e que o Partido Comunista, embora debilitado, é uma força militante, um patrimônio que não consiste só nos “comunistas de carnê”.
 
Não podemos confirmar a continuidade do projeto contido no programa “primeiro o humano” e nos acostumar com a divisão dos que outrora o defenderam. Chegou a hora da responsabilidade. A proliferação de candidaturas críticas ao “hollandismo” é ao mesmo tempo uma realidade, uma oportunidade e um risco. As forças que compunham a Frente de Esquerda têm uma grande responsabilidade: o sectarismo impede a agrupação de forças, a confusão desmantela o carácter subversivo das possíveis alianças. Se nos damos as costas uns aos outros, se necrosará o que alguma vez foi, e continua sendo, um fermento de esperança.
 
Que cada um tire suas consequências.
 
Tradução: Victor Farinelli

 

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