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O 'brexit' e a eleição de Macri: cinco semelhanças

08-07-2016 - Marcelo Justo

A vitória do 'brexit' e a eleição de Mauricio Macri na Argentina, no final do ano passado, permitem encontrar novas similitudes entre as duas sociedades.

Há alguns anos, o analista político Victor Bulmer Thomas, prestigioso especialista britânico em América Latina, me falou sobre os paralelos que encontrava entre o Reino Unidos e a Argentina do Século XX. Uma das coisas que mais impressionava o acadêmico, autor de The Economic History of Latin America Since Independence e outros livros importantes, era o mito que ambos os países alimentavam sobre uma época dourada e uma época perdida: a identidade nacional presa a essa sensação de nostalgia. Pois a recente vitória eleitoral do “brexit” e a eleição de Mauricio Macri na Argentina, no final do ano passado, permitem encontrar novas similitudes entre as duas sociedades.

1) Voto ajustado, sociedades polarizadas. A vitória do “brexit” foi ligeiramente mais folgada que a de Mauricio Macri no segundo turno. Macri obteve 51,34% dos votos contra 48,66% do rival kirchnerista Daniel Scioli: uma diferença de 680.607 votos. O “brexit” reuniu 51,9%, enquanto os pró-europeus tiveram 48,1%, o que significa mais de um milhão de votos de vantagem. Em ambos os casos, a campanha mostrou sociedades divididas em partes irreconciliáveis. Alguém dirá, com razão, que isso sempre acontece em votações plebiscitárias, ou em segundos turnos, com esse clima de tudo ou nada. Mas mais adiante podemos ver que há um paralelo em como esses resultados foram obtidos, após campanhas onde se confrontaram os mesmos conceitos, inclusive usando quase literalmente as mesmas palavras, tanto antes quanto depois das urnas.

2) O voto castigo e alternativo. Na vitória de Macri, houve um voto claramente antikirchnerista: muitos diziam que eram capazes de votar no diabo antes que num candidato apoiado por Cristina. Curiosamente, aquele que representou esse voto alternativo e de protesto foi alguém com o histórico de Macri. No caso do “brexit”, aconteceu o mesmo fenômeno. Representantes da direita mais reacionária – desde o ex-prefeito de Londres Boris Johnson ao ministro de Justiça Michael Gove, sem contar o líder ultraxenófobo do partido UKIP, Nigel Farage – se apresentaram como símbolos do voto antiestablishment, que daria voz aos excluídos, que essa seria sua válvula de escape. No cinturão industrial do Norte da Inglaterra, historicamente favorável ao Partido Trabalhista, os eleitores preferiram o “brexit”. Em algumas das favelas da Província de Buenos Aires, aconteceu algo similar, a favor do macrismo. Uma possível vitória do multimilionário Donald Trump nos Estados Unidos poderia mostrar uma fórmula, já que as pesquisas apontam que muitos eleitores de classes baixas se entusiasmam com sua campanha. Seria o caso de questionar se estamos diante de uma tendência profunda nas democracias ocidentais.

3) Os arrependidos e a hashtag. Com os antecedentes políticos dos vencedores, tanto de um lado quanto de outro, não surpreende a quantidade de eleitores arrependidos, mas sim a velocidade com que essa frustração se manifestou. No Reino Unido, a hashtag mais popular da última semana foi #regrexit – amálgama entre “regret” (lamento) e “brexit”. Muitos eleitores apareceram na imprensa dizendo que votaram para expressar sua insatisfação contra o governo, e que jamais pensaram que o “brexit” ganharia. O caso mais assombroso é o do ex-editor do jornal The Sun, o furiosamente antieuropeu Kevin McKenzie, que confessou o seu remorso, em artigo publicado na última quarta-feira, e a sensação de que é preciso ter cuidado com aquilo que se deseja. “Tenho medo do que pode acontece, será que sou o único?”. Na Argentina também apareceram rapidamente os arrependidos por votar em Macri. Poucas semanas depois da sua posse, já havia campanhas no Facebook: “eu votei em Macri e me arrependo”, e a célebre mensagem em twitter da jornalista esportiva Mona Mosi: “oficialmente despedida, votei pela mudança e agora estou pagando essa conta”. Além disso, numerosos vídeos foram difundidos, manifestando um arrependimento que naquele momento já era inútil. O paralelo se estende assombrosamente a um equivalente argento do editor do The Sun: o radialista Baby Etchecopar.

4) Adeus às promessas de campanha. O voto anti establishment de Macri, assim como o do “brexit”, se sustentou com promessas questionáveis e slogans que de sucesso. O termo mais bem sucedido da campanha da direita argentina foi o “Pobreza Zero”, uma forma de roubar a bandeira da justiça social do kirchnerismo, e ao mesmo tempo tirar um peso histórico de cima da direita. No caso do “brexit”, uma réplica do tradicional ônibus vermelho de dois andares percorreu o Reino Unido exibindo a seguinte consigna, repetida pelos seus defensores em cada entrevista: “we send the EU 350 million pounds a week. Let’s fund our NHS instead” (“Enviamos 350 milhões de libras por semana à União Europeia. Vamos financiar nosso Serviço de Saúde com esse dinheiro”).

A promessa se baseava numa mentira aberta, porque a contribuição britânica real era a metade do afirmado, mas a mensagem era que, milhões de libras mais ou menos, o dinheiro economizado financiaria o NHS (Serviço Nacional de Saúde). Tanto o macrismo na Argentina quanto os líderes do “brexit” no Reino Unido já desmentiram suas promessas, e escolheram a mesma ideia para justificar a mudança de discurso. As promessas eram a “vontade” do presidente, segundo o chefe de gabinete do governo argentino, Marcos Peña Braun. Cerca de 10 mil quilômetros de distância de Buenos Aires, seu colega pró-brexit, o ministro de Saúde, Chris Grayling, indicou que a suposta cifra economizada, que seria investida no NHS, era um “valor desejado”. Diferenças entre ambos? Sim: na televisão britânica e em outros meios, houve duros questionamentos a Grayling, recordando as exatas palavras defendidas durante a campanha, algo que deixou o ministro sem resposta. Nada equivalente a isso acontece na Argentina com os ministros de Macri.

5) O projeto do medo. O macrismo e os apoiadores do “brexit” acusaram seus rivais de querer intimidar o eleitorado com uma “campanha do medo”. No debate presidencial, Mauricio Macri disse ao rival kirchnerista Daniel Scioli que ele parecia um colunista do 6,7,8 (programa televisivo conhecido por sua linha editorial de esquerda), por dizer que ele iria a desvalorizar o peso, que os preços disparariam e que o emprego de muitos argentinos estava em perigo.

O brexit também atacaram os pró-europeus pelo que denominaram project fear. No caso argentino, a suposta “campanha do medo” acabou sendo superada pela realidade que a Argentina vive depois de seis meses da eleição de Macri, que vem sendo muito mais neoliberal que o esperado. No caso britânico, houve algumas exagerações apocalípticas por parte de um ou outro ministro do governo de David Cameron, mas a maioria das predições já se concretizaram: a volatilidade da libra esterlina, a queda forte da bolsa, a incerteza generalizada e a muito provável recessão que hoje até mesmo alguns dos mais raivosos defensores do “brexit”, como o deputado Nigel Farage, já admitem.

Tradução: Victor Farinelli

Fonte: Página/12

 

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