Em Paris, um país dividido no centro do debate
08-04-2016 - Leneide Duarte-Plon, de Paris*
Brasileiros e franceses tentam entender o tsunami político. O editorial do jornal Le Monde deste 31/03 tinha por título 'Brasil: isto não é um golpe'
Voltando a frequentar a primeira página de alguns jornais franceses, o Brasil divide opiniões, cria polémica. Para tentar entender a crise brasileira, uma mesa-debate foi organizada na Maison de l’Amerique Latine na quinta-feira, 31 de Março. À tarde, cerca de 200 pessoas se reuniram na Place de la République contra o impeachment.
O editorial de 31 de março do Le Monde, «jornal de referência» da França, de centro-esquerda, era digno dos jornalões brasileiros a partir de seu título: « Brésil : ceci n’est pas un coup d’Etat », um jogo de palavras com a famosa frase « ceci n’est pas une pipe » do quadro de René Magritte. O texto defendia, entre outras coisas, «uma eleição presidencial, que teria a vantagem de dar a palavra aos brasileiros».
Se o Le Monde pensa que a reforma política e a reforma fiscal, que apontou como necessárias, serão implementadas por um novo governo saído do impeachment, se engana redondamente. Não é nesse sentido que o Congresso brasileiro está se empenhando.
« Numa crise, os pobres pagam sempre o preço mais alto e se tornam mais pobres. Conseguiram estudar, mas se encontram num mercado sem empregos. Quem enriqueceu com as taxas de juros brasileiras, as mais elevadas do mundo, foram os bancos.»
As constatações amargas do professor emérito de economia da Universidade Paris XIII, Pierre Salama, traçaram uma situação conhecida e analisada pela esquerda brasileira. Um Brasil dividido, desigual apesar das políticas de inclusão, se encontra agora em pleno tsunami da maior crise política de sua história recente.
Segundo ele, essa crise será paga com o sacrifício dos programas sociais, do salário mínimo e das aposentadorias desindexadas da inflação, para tentar cobrir o déficit de 10% do PIB, o que representa uma taxa enorme. Comparativamente, a França tem um déficit de 3% de seu PIB.
Salama lamentou a ausência de uma reforma política e de uma reforma fiscal, além de uma política industrial que impedisse a desindustrialização que o Brasil vem sofrendo depois da crise de 2008-2009.
No olho do furacão
Esse país complexo no olho do furacão foi o centro do encontro-debate na Maison de l’Amérique Latine. O tema _ que pretendia esclarecer as «Dimensões políticas, econômicas e ideológicas de um país dividido» _ não pôde ser esgotado. Et pour cause. Vasto demais para tão pouco tempo, uma hora e quarenta e cinco minutos.
O auditório totalmente lotado com muita gente em pé, tinha muitos franceses, brasileiros residentes em Paris ou de passagem. Na mesa de debatedores, apenas o francês Pierre Salama. Os três brasileiros eram Vanessa Oliveira, jornalista e doutoranda, Glauber Sezerino, doutorando em Sociologia e Frederico Lyra, doutorando em filosofia e militant do núcleo do PT em Paris.
Vanessa Oliveira lembrou que a mídia impressa e audiovisual no Brasil está nas mãos de um grupo de 5 famílias detêm mais de 80% dos mercado impresso e controla a maior parte da audiência do audiovisual.
Para tentar impor uma outra narrativa, menos comprometida com os interesses das oligarquias, a mídia alternativa conta com a internet, as redes sociais e os blogs. Essa relação de forças cria uma tensão permanente no atual momento brasileiro.
Vanessa Oliveira ressaltou que depois que Lula deixou o poder o Brasil passou a ocupar menos espaço na imprensa internacional, «provavelmente pela falta de carisma de Dilma Rousseff». Havia uma ausência de interesse dos correspondentes estrangeiros por Brasília. Vanessa destacou a desoladora cobertura da imprensa francesa, com raras exceções, «parecendo uma tradução » acrítica da mídia brasileira.
Crítico, o sociólogo Glauber Sezerino ressaltou a falta de reformas estruturais dos governos petistas, tanto na saúde quanto nos serviços públicos em geral. « O governo é como um violino que se segura com a mão esquerda mas se toca com a direita », comparou.
O sociólogo analisou o rompimento do pacto social costurado por Lula em seu primeiro governo, que se apoiava nos capitais exportadores, na Fiesp e na grande distribuição (supermercados). Com o esgarçamento desse pacto, esses atores se colocaram na oposição ao governo de Dilma Rousseff.
Argentina de hoje é o Brasil de amanhã ?
Na véspera, no mesmo auditório, uma mesa-redonda com dois escritores e uma professora universitária argentina (José Muchnik, Carlos Schmerkin e Inés Vásquez) examinou com detalhes a situação dos direitos humanos na Argentina atual e traçou um quadro preocupante dos 100 dias do novo presidente argentino, Mauricio Macri, que já conta com um saldo de 108 mil novos desempregados do sector público e do sector privado.
Entre outras inovações de Macri a rádio pública foi proibida de falar de ditadura civil-militar, deve dizer somente «ditadura militar». Uma forma de não lembrar a implicação de empresários de todas as áreas no golpe de Estado de 1976. A própria palavra «ditadura» deve ser evitada. Em seu lugar, deve-se dizer «interrupção do processo institucional». É a novilíngua que se instala.
«Até mesmo a lei de mídia foi desvirtuada», informou o escritor Carlos Schmerkin.
Como não pensar que a Argentina de Macri _ com a anulação que vem sendo feita dos avanços feitos em diversas áreas _ é o futuro do Brasil se o impeachment da presidenta Dilma for aprovado ?
Em seu livro Storytelling, o escritor francês Christian Salmon explica que a comunicação política contemporânea se tornou uma questão de marketing nas mãos de verdadeiros gurus que formatam os espíritos dos consumidores e cidadãos.
E o que tem feito a mídia brasileira senão impor sua narrativa, seu storytelling, eficaz para formatar os cidadãos e levá-los às ruas gritando slogans ditados, muitas vezes, pela desinformação e o ódio ?
* Leneide Duarte-Plon é co-autora, juntamente com Clarisse Meireles de "Um homem torturado, nos passos de frei Tito de Alencar", Editora Civilização Brasileira.
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