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O EFEITO TRUMP TOMA CONTA DA EUROPA

01-03-2024 - Marck Leonard

Se o desastre puder ser evitado nas eleições presidenciais dos EUA deste ano, uma administração Biden no segundo mandato poderá contar com um parceiro muito melhor na Europa, devido ao efeito mobilizador da candidatura de Donald Trump. Os líderes europeus estão finalmente a perceber que precisam urgentemente de agir em conjunto.

Não foi a primeira vez que a figura central na Conferência de Segurança de Munique deste ano foi alguém que não esteve presente. Este ano foi a vez de Donald Trump.

Tal como a maioria dos participantes neste “Davos da Defesa” anual, espero desesperadamente que o presumível candidato republicano permaneça para sempre um antigo presidente. Isto não acontece apenas por simpatia pelos meus amigos americanos, que o vêem como um perigo para o futuro da sua república, mas também porque temo o que ele faria à ordem global. Porém, como europeu, estou um tanto grato pela existência de Trump. Mesmo que perca as eleições em Novembro, poderá acabar por se tornar o salvador involuntário do projecto europeu. Forçou finalmente os europeus a repensar os pressupostos fundamentais que os têm prejudicado no que diz respeito à guerra na Ucrânia, à própria defesa da Europa e à unidade política europeia.

À medida que a guerra na Ucrânia se aproxima do fim do seu segundo ano, sem fim à vista, a candidatura de Trump está a focar as mentes europeias sobre o que a vitória e a derrota podem implicar. O resultado ideal para todos é que a Ucrânia recupere todo o seu território. Ao ver a viúva do líder da oposição russa Alexei Navalny, Yulia Navalnaya,  subir ao palco  em Munique horas depois de saber da morte do seu marido, foi impossível não recuar perante a ideia de dar a Vladimir Putin pelo menos uma polegada quadrada da Ucrânia. Mas à medida que a guerra de desgaste avança, faz cada vez menos sentido considerar a questão apenas em termos territoriais.

Afinal de contas, uma ameaça ainda maior para a Ucrânia do que as perdas territoriais seria um plano de paz de Trump que simultaneamente cedesse território e desmilitarizasse o país, deixando-o assim condenado a um perigoso estado de neutralidade. Os europeus estão a acordar para o facto de que a Ucrânia só pode prosseguir as suas ambições europeias e ocidentais através da dupla adesão à NATO e à União Europeia. Tal como Ivan Krastev  argumentou  recentemente, talvez seja altura de começar a considerar um “cenário da Alemanha Ocidental”.

Trump também deu involuntariamente urgência ao debate europeu em curso sobre defesa e segurança. Ainda esta semana, em Munique, a primeira-ministra dinamarquesa, Mette Frederiksen,  prometeu entregar “toda a artilharia” do seu país aos ucranianos. De um modo mais geral, os europeus já têm contribuído com mais ajuda (militar e outra) para a Ucrânia do que os Estados Unidos. Antes da cimeira da NATO em Washington, em Julho, 20 dos 22 membros da UE na aliança (incluindo a Alemanha) estão no bom caminho  para gastar pelo menos 2% do seu PIB na defesa.

É verdade que a maior parte desta mudança é o resultado do revanchismo de Putin. Mas os recentes comentários  de Trump, encorajando os russos a “fazerem o que quiserem” com os membros da NATO que se recusam a “pagar”, aumentaram a aposta. Os europeus devem não só investir mais, mas também mudar a forma como o dinheiro é gasto, sobretudo através da superação das antigas divisões psicológicas entre a NATO e a UE.

Mas talvez a maior contribuição de Trump tenha sido para a unidade política da Europa. Depois de ter sido eleito em 2016, muitos temeram a ascensão de uma “internacional iliberal” que teria colocado os partidos populistas de extrema-direita na Europa num estreito alinhamento com a Casa Branca de Trump e o Kremlin de Putin. Mas se Trump for eleito pela segunda vez, a sondagem do Conselho Europeu de Relações Exteriores (a ser publicada em breve) mostra que ele não será recebido com entusiasmo na maioria dos países europeus, incluindo até na Hungria.

Uma consequência marcante da guerra (e do Brexit) reside no reposicionamento de muitos partidos de direita. Mais notavelmente, a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, afastou-se cuidadosamente do seu anterior euroceticismo e fez questão de cortar todos os laços da Itália com Putin. Na Polónia, o regresso de Donald Tusk  ao cargo de primeiro-ministro uniu um eleitorado tradicionalmente cético em torno da ideia de uma Europa geopolítica mais coesa. As eleições para o Parlamento Europeu em Junho poderão muito bem resultar numa viragem acentuada para a direita; mas em muitos países, a ameaça de Trump poderá mobilizar os eleitores e ajudar os candidatos que se unem em defesa da soberania europeia.

Estas dinâmicas também não estão confinadas à UE. O Reino Unido provavelmente elegerá um novo governo antes do final do ano. Em Munique, o impressionante secretário-sombra dos Negócios Estrangeiros do Partido Trabalhista, David Lammy, deixou claro que iria pressionar fortemente por uma relação mais próxima possível com os europeus em questões de segurança e defesa.

Mas ninguém resumiu melhor o efeito Trump do que o primeiro-ministro holandês (de saída), Mark Rutte, que implorou  aos europeus que “parassem de se lamentar e de se queixar de Trump” e começassem a concentrar-se em agir em conjunto. Dada a trajetória de longo prazo da política interna dos EUA, os europeus precisariam de fazer isto de qualquer maneira, independentemente de quem vencer em Novembro.

Se o desastre for evitado desta vez, uma administração Biden no segundo mandato poderá contar com um parceiro muito melhor na Europa. Como muitos observadores dos EUA notaram, Trump é ao mesmo tempo a maior ameaça à democracia americana e o mais poderoso mobilizador dos eleitores do Partido Democrata. É um negócio arriscado, mas há uma possibilidade de que o efeito Trump possa deixar a ordem transatlântica mais forte do que tem sido há muito tempo.

MARK LEONARD

Mark Leonard, Director do Conselho Europeu de Relações Exteriores, é o autor de The Age of Unpeace: How Connectivity Causes Conflict  (Bantam Press, 2021).

 

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