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“ Pela Paz, nem Putin nem NATO! (Sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia)

01-04-2022 - António Garcia Pereira

As questões em redor da invasão da Ucrânia pelas forças militares da Rússia, o receio de que a volátil situação existente possa determinar, a mais ou menos breve trecho, o desencadeamento de uma guerra mundial, senão mesmo de uma verdadeira hecatombe nuclear, a sincera e mais que justificada compaixão pelo drama das vítimas inocentes e uma profunda e intencional manipulação da opinião pública têm impedido que se faça uma análise correcta e objectiva daquilo com que estamos a lidar, mas que se impõe fazer para se encontrar uma solução correcta para o grave problema da guerra, análise essa que creio dever assentar em quatro pontos essenciais:

1. Uma intolerável agressão imperialista

Todas as formas de imperialismo são a guerra e devem merecer, por isso, uma clara denúncia e um firme combate por parte de todos os Povos do mundo verdadeiramente amantes da Paz. Assim, a invasão russa da Ucrânia é uma criminosa, agressiva e imperialista guerra, em clara violação do princípio da integridade territorial dos povos[1] e isto é algo que importa afirmar com toda a clareza e sem hesitações de qualquer ordem. Bombardear e invadir um outro país, soberano e independente, é uma atitude comparável às anteriores invasões russas da Hungria em 1956 e da Checoslováquia em 1968, bem como à invasão e bombardeamento do Iraque pelos Estados Unidos, e que deve merecer não apenas o repúdio dos democratas e patriotas do mundo inteiro, como a firme exigência de que a Rússia saia já da Ucrânia. 

2. As graves responsabilidades da NATO, dos EUA e dos seus aliados

Sem que isto represente qualquer atenuante e, muito menos, qualquer justificação para a política imperialista de Putin, importa fazer notar que os Estados Unidos e a NATO têm também responsabilidades, e responsabilidades muito graves. Na verdade, a principal preocupação geo-estratégica da Rússia, após a “guerra fria”, foi a de que – conforme foi, aliás, confirmado e ajustado pelos governos ocidentais (EUA, França e Reino Unido), em particular em 1990, com Gorbachev, como contrapartida da não oposição russa à reunificação da Alemanha na sequência da queda do muro de Berlim – a NATO não se estendesse (ainda) mais para Leste e que, em concreto, a Geórgia e sobretudo a Ucrânia se mantivessem numa posição de neutralidade e não a passassem a integrar. Aliás, o próprio ex-Embaixador dos Estados Unidos na Rússia, Jack Matlock, já reconheceu explicitamente que, se não tivesse continuado essa extensão da NATO para Leste a partir de 1997 (a ponto de a Rússia estar hoje cercada por 14[2] países da Aliança Atlântica, com cerca de uma centena de bases militares) poucos ou nenhuns pretextos restariam a Putin para a recente invasão.

E quando Bush (filho) não apenas ordenou a invasão do Iraque, com a justificação absolutamente falsa das pretensas “armas de destruição maciça”, como também dirigiu secretamente um convite à Ucrânia (tal como os documentos internos americanos, entretanto trazidos à luz do dia pelo wikileaks, bem demonstraram) para ingressar na NATO, esta e o Estados Unidos sabiam perfeitamente que estavam não apenas a transformar a Ucrânia num barril de pólvora como, mais do que isso, a largar fogo ao respectivo rastilho.

Pelo meio, ocorreram a chamada Guerra dos Balcãs, com o monstruoso bombardeamento da Sérvia, causando milhares de vítimas inocentes (com as quais praticamente nenhum dos que agora se apresentam como muito solidários com as vítimas da Ucrânia se importou), a independência do Kosovo (sob a invocação do mesmíssimo princípio de auto-determinação que agora liminarmente se nega às populações de Donesk e Lubansk) e o bombardeamento da Líbia (imediatamente depois de a Rússia ter, após negociações, aceite não vetar uma Resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas, resolução essa que a NATO violou logo de seguida.

Se a invasão da Ucrânia é uma guerra imperialista da Rússia, visando também recuperar o lugar de superpotência que, em particular nas últimas décadas, foi perdendo sucessivamente em favor da China, foi o sucessivo desrespeito pelos compromissos assumidos e a cada vez maior implantação, pelos Estados Unidos, pelos seus aliados e pelas suas organizações, da “doutrina” do “democrata” Clinton, que tornou possível e até relativamente expectável a situação actual.

Essa “doutrina Clinton”, verdadeira síntese da política imperialista dos Estados Unidos, passa por estes se arrogarem ter o direito de actuar unilateralmente sempre que necessário, incluindo com o uso unilateral do poder militar, para garantirem o acesso sem entraves a mercados-chave, a reservas energéticas e a recursos estratégicos![3]

É hoje cada vez mais evidente que a NATO – supostamente criada e mantida para contrabalançar o entretanto defunto “Pacto de Varsóvia” e sem sequer já essa “justificação” – não passa de uma agressiva organização militar ao serviço dos interesses dos imperialistas EUA, que garante o controlo e o saque das matérias-primas e demais recursos estratégicos do mundo, fomentando, conduzindo e executando guerras com esses mesmos objectivos e, sempre sob a falsa e hipócrita capa da defesa dos direitos humanos, apoiando e até “produzindo” governos tão ou mais bárbaros que os entretanto derrubados, só que agora afectos aos interesses americanos, como sucedeu no Panamá, no Iraque, no Afeganistão, na Líbia e com o regime feudal da Arábia Saudita.

3. Uma inaceitável e chauvinista campanha de manipulação

Assistimos hoje a uma intensíssima, chauvinista e mesmo fascizante campanha de manipulação de consciências, levada a cabo em especial pelos serviços de “inteligência” ocidentais (com a CIA em primeiro lugar) e por uma Comunicação Social (que fez literalmente desaparecer o Covid-19 do nosso quotidiano e o fez substituir pela versão americana do conflito) reincidente na mesmíssima postura que já tinha seguido aquando da guerra do Iraque (e da qual verdadeiramente nunca se autocriticou).

Esta campanha – que precisamente esconde e escamoteia os anteriores pontos – é primariamente anti-russa, confundindo, tão propositada quanto abusivamente, o povo russo com o governo de Putin, e até, pasme-se, Putin com qualquer réstia, nem que fosse só em palavras, de comunismo, esquecendo igualmente que foi o Ocidente quem primeiro incensou este ex-dirigente do KGB[4] como o grande impulsionador da destruição dos restos da velha economia soviética e da entrega dos seus principais e mais rentáveis sectores aos grandes interesses económicos privados.

Esta gigantesca campanha manipulatória passa também por outros dois aspectos, igualmente muito relevantes: 

Por um lado, trata-se de uma campanha de ódio intenso e de autêntico cerco e aniquilamento relativamente a todos quanto discordam ou divergem do “Pensamento Único” acerca da guerra na Ucrânia[5], logo os acusando de cúmplices de assassinos e até pregando (e praticando) a violência contra eles. Ao mesmo tempo que, no “democrático Ocidente”, incluindo Portugal, faz-se rigorosamente o mesmo que se critica (mais que justificadamente) em Putin, ou seja, suspender e/ou encerrar os órgãos de comunicação (como a agência Sputnik e o canal de notícias RT-Russia Today) que publicam a versão da outra parte do conflito, é uma lastimável demonstração do que são afinal as concepções e as práticas acerca da liberdade de expressão, de informação e de imprensa dos manipuladores, arvorados embora em defensores da Democracia.

Por outro lado, a mesma campanha manipulatória não hesita em apagar a memória, em reescrever a História e em iludir ainda mais a opinião pública, muito em particular a daqueles que justamente se comovem com a resistência heroica de muitos ucranianos e, sobretudo, com o sofrimento e a morte das vítimas, em particular das crianças.

Assim, e lastimavelmente, já tivemos de quase tudo – desde a utilização de imagens de jogos de vídeo para “comprovar” a derrota das forças militares russas, até ao uso de fotografias como pungentes testemunhos da actual guerra na Ucrânia quando são, afinal, imagens de outras guerras (como uma criança sentada nos escombros de um prédio destruído por bombardeamentos aéreos na Síria ou a de um edifício desfeito por um bombardeamento aéreo, este da aviação israelita, na Faixa de Gaza), de cujas vítimas, todavia, quase ninguém quis ou quer saber agora. Onde estiveram, por exemplo, as manifestações de solidariedade com o povo palestiniano? Ou as manifestações de solidariedade com o povo sírio? Ou as manifestações de solidariedade com o povo do Iémen?

Jogando com os sentimentos de simpatia e de solidariedade para com as vítimas, noticia-se o êxodo, os lamentos e a revolta anti-russa das mesmas vítimas, para depois, e por outras vias, designadamente as redes socias, se descobrir que, afinal, e em particular na fronteira com a Polónia, os refugiados loiros e de olhos azuis são bem-vindos, enquanto jovens asiáticos e africanos a estudar na Ucrânia ou famílias de muçulmanos são retidos, maltratados[6] e até detidos! 

E, claro, este tipo de práticas discriminatórias xenófobas e racistas, bem como o “conveniente” esquecimento das vítimas inocentes de outras paragens (como os palestinianos, massacrados pelas forças militares israelitas, ou os iemenitas, mortos aos milhares por bombardeamentos dos aviões dos EUA ou da Arábia Saudita), assassinados nestes mesmos dias, só pode conduzir, como já conduziram (nomeadamente pelas imagens dos acontecimentos na fronteira Ucrânia/Polónia veiculadas em toda a África pelas redes sociais) à profunda desilusão desses povos e até a algum apoio ao justamente isolado Putin.

4. Branqueamento dos neonazis e dos seus apoiantes

Assistimos ainda a um completo branqueamento feito pelos governos e pelas imprensas ocidentais acerca da natureza e orientação política do governo da Ucrânia, e em particular a do seu presidente Zelensky, por aqueles promovido a herói nacional e símbolo da Liberdade e da Democracia, tratando de censurar e apagar tudo o que possa afectar minimamente a construção dessa mesma imagem.

Ora, insistindo que isto não legitima de todo a injustificável invasão da Ucrânia, mas tão somente serve para clarificar como diversos dos agora promovidos a “democratas” e a “resistentes contra a ditadura” são, na verdade, tão reaccionários, tão anti-democratas e tão ditadores quanto aqueles que dizem combater, convirá desde logo recordar que uma das primeiras e bem significativas decisões políticas do agora tão elogiado presidente Zelensky, em Janeiro de 2020, foi a de retirar a Ucrânia do Comité das Nações Unidas para o Exercício dos Direitos Inalienáveis do Povo Palestiniano, a única instância internacional que dá alguma garantia de que não se negue nem se esqueça a Nakba[7] e o seu prolongamento até aos dias de hoje. 

E em Maio de 2021, o mesmo “democrata” Zelensky, imediatamente após as violentas barbaridades cometidas na faixa de Gaza pelas forças militares de Israel, atreveu-se a declarar que a única tragédia em Gaza era a que sofriam os israelitas!…

Entretanto, em 16 de Dezembro de 2020, quando a Assembleia Geral da ONU aprovou uma importante resolução[8] de “combate à glorificação do nazismo e de outras práticas defensoras de formas contemporâneas de racismo, discriminação racial e xenofobia”, registaram-se apenas dois votos contra: um dos EUA e outro… da Ucrânia do Sr. Zelensky!? E este também outorgou, no Parlamento Nacional da Ucrânia, o título de “herói da nação” a Dmytro Kotsyubaylo (sucessor de Dmitro Yarosh como líder do movimento de extrema-direita “Sector Direito”).

Passou-se, aliás, em particular nestas últimas semanas, uma coisa completamente singular e que é esta: a imprensa ocidental dita de referência (como o Washington Post ou o The Guardian”) até muito recentemente assinalava com preocupação o aumento do número e da importância dos grupos neo-nazis na Ucrânia[9], denunciando a crescente existência de casos graves de violência de extrema-direita, com pogroms[10] neonazis contra ciganos, furiosos ataques contra organizações e activistas feministas e LGBT, proibição de livros e mesmo a glorificação, com o patrocínio do Estado, de colaboradores nazis, como Stepan Bandera[11]. E, todavia, e desde que começou a guerra, a mesma imprensa (estrangeira e nacional) calou-se por completo e os militares e paramilitares neonazis passaram a ser, também eles, a serem apresentados como heroicos combatentes da Liberdade…

O mais tristemente célebre destes grupos é o regimento Azov, composto por muitos integrantes do partido neofascista Sector Direito (“Pravyy Sektor”), liderado por Andriy Biletsky, significativamente conhecido como o “Führer Branco”, que defende, de forma aberta, a pureza racial da nação ucraniana. Este regimento, cujos membros exibem e usam orgulhosamente as insígnias das “SS” e o símbolo heráldico neonazi do gancho do lobo (Wolfsangel), desempenhou um importante papel nas movimentações de 2013, que duraram 93 dias e que conduziram à queda do então presidente (considerado pró-russo) Víktor Yanukóvytch. Destacado em 2014 para reprimir os protestos nas regiões separatistas de Donetsk e Lugansk, no dia 2 de Maio desse mesmo ano atacou violentamente e incendiou a sede do Partido Comunista em Odessa, feriu mais de 400 pessoas e fez com que 42 fossem queimadas vivas dentro do edifício. A partir de 2015, passou a receber voluntários e mercenários neonazis de várias nacionalidades, nomeadamente alemães, italianos e ingleses[12], calculando-se que o seu número seja actualmente superior a 10.000[13].

Em conclusão: Pela paz, nem Putin nem NATO!

Por fim, importa sublinhar que os interesses dos trabalhadores ucranianos e dos trabalhadores russos rigorosamente nada têm que ver com os respectivos governos, como representantes e defensores que são dos grandes interesses financeiros, e que aliás já se puseram convenientemente a salvo.

Quem protesta contra a guerra nas ruas de Moscovo e noutras cidades russas, e aí enfrenta a polícia de choque e o exército de Putin, é irmão de quem é enviado pelo governo russo para a frente de combate e de quem resiste às tropas, aos tanques e aos bombardeamentos das forças militares russas nas cidades ucranianas. Como é irmão de quem luta contra a repressão sionista na faixa de Gaza ou contra os bombardeamentos no Iémen, na Somália ou na Síria.

E a Paz, a verdadeira Paz entre os Povos, apenas será possível quando se puser termo a todas as formas de opressão e de exploração, tenham elas a cor, a bandeira ou a aparência que tiverem.

Ora, é precisamente por tudo quanto antecede que a invasão da Ucrânia por tropas russas merece a maior indignação dos trabalhadores, dos jovens e dos democratas de todo o mundo, que se impõe denunciar e repudiar como uma intolerável guerra imperialista. Importa afirmar com toda a clareza que nem Putin nem NATO, e deixar claro que estar contra a guerra do imperialismo russo não é, nem pode representar, estar do lado do imperialismo americano. 

Por isso também nem um só soldado português deve integrar as forças da NATO, a qual deve ser extinta, como organização agressiva e promotora da guerra que é[14]. Devemos também denunciar o papel de mero capacho dos EUA que a União Europeia aceitou, mais uma vez, desempenhar, despejando armamento para toda a fogueira da guerra em vez de trabalhar firmemente pelo seu fim.

Devemos, assim, manifestar a mais profunda solidariedade com as vítimas desta guerra, que são os filhos do povo ucraniano, mas que são também os filhos do povo russo, mandados morrer numa guerra profundamente injusta e não aceitar nem a gigantesca manipulação da opinião pública, a discriminação, a censura de tudo o que seja, ou pareça ser, russo[15], nem o silenciamento dos pontos de vista discordantes ou os ataques sem princípios e fascizantes contra todos aqueles que os expressam.

Só assim serão suficientemente firmes e suficientemente coerentes as justas exigências da Paz, da retirada imediata das forças invasoras russas, do termo das sucessivas e provocatórias operações de cerco levadas a cabo pela NATO e do respeito pela auto-determinação e independência dos povos! “

Fonte: NotíciasOnline

 

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