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UCRÂNIA E O FUTURO DA EUROPA

04-02-2022 - Joschka Fischer

Ao ameaçar a Ucrânia, o presidente russo Vladimir Putin está agora cedendo totalmente aos seus impulsos imperiais, na esperança de apagar a humilhação do declínio histórico da Rússia. A sua ambição tem implicações de longo alcance para o lugar da Europa no mundo – independentemente de os europeus estarem dispostos a admiti-lo.

O que acontecerá quando o envio de tropas russas ao longo da fronteira ucraniana estiver concluído? O presidente russo Vladimir Putin dará a ordem de ataque em seu esforço para privar um dos vizinhos da Rússia – um estado soberano e membro das Nações Unidas e do Conselho da Europa – de sua independência e forçá-lo a voltar sob o jugo do Kremlin?

Ainda não sabemos, mas os fatos apontam esmagadoramente para uma guerra iminente. Se isso acontecer, as consequências para a Europa serão profundas, pondo em causa a ordem europeia e os princípios – renúncia à violência, autodeterminação, inviolabilidade das fronteiras e integridade territorial – em que se baseia desde o final do séc. Guerra Fria.

Devido à agressão violenta por parte da Rússia, a Europa voltaria a ser dividida em duas esferas: uma “Europa Russa” no leste e a Europa da União Europeia e da OTAN nas partes ocidental e central do continente. Os interesses imperiais seriam mais uma vez colocados contra os das democracias trabalhando juntas sob um estado de direito comum.

Pior, porque palavras, vínculos, compromissos e tratados não seriam mais confiáveis, haveria um aumento do rearmamento para autoprotecção e uma completa reorganização das relações económicas, principalmente no sector de energia. A Europa não poderia mais arriscar o tipo de dependência económica que permite ser chantageada durante as crises. Embora uma reorganização das relações económicas fosse onerosa para a UE, não haveria outra opção. A única alternativa seria a submissão e rendição dos próprios princípios da Europa.1

No centro da crise actual está o fato de que a Rússia, sob Putin, se tornou uma potência revisionista. Não só não está mais interessada em manter o status quo; está disposto a ameaçar e até usar a força militar para mudar o status quo a seu favor.

Se a Europa se submetesse a esses impulsos imperiais, trairia seus valores mais fundamentais e teria que renunciar ao modo como os europeus vivem e querem viver. Significaria desistir de todo o progresso que a UE defende. As consequências são impensáveis ​​e, portanto, totalmente inaceitáveis.

As exigências da Rússia mostram precisamente o que está realmente em questão no conflito ucraniano. Putin quer que a OTAN abandone  sua política de portas abertas não apenas na Europa Oriental, mas também na  Escandinávia  (em relação aos estados membros neutros da UE, Suécia e Finlândia). Não se trata do suposto cerco da Rússia pela OTAN. Trata-se da restauração do império russo e do medo existencial de Putin de que a democracia crie raízes e se espalhe. Em jogo na crise ucraniana está o direito à autodeterminação – a prerrogativa de todos os países soberanos escolherem suas próprias alianças.

Putin quer desesperadamente apagar a humilhação do fim da União Soviética e a perda histórica de poder global da Rússia. Na sua opinião, o império russo deve reerguer-se e dar-se a conhecer. Essa aspiração envolve imediatamente a Europa, porque a Rússia nunca foi uma potência global sem antes se tornar uma força hegemónica na Europa. Hoje, a independência da Ucrânia está no cepo. Amanhã, serão os outros estados pós-soviéticos; e depois disso, espera a dominação da Europa. Os europeus que conhecem sua história deveriam estar muito familiarizados com esse padrão.

Dadas as implicações da agenda de Putin, é de se perguntar o que a Europa está esperando. O que mais precisa acontecer antes que os europeus acordem para os fatos? Se alguma vez houve um momento para deixar de lado os conflitos mesquinhos, é agora. A UE deve se tornar uma potência por direito próprio se seus princípios quiserem sobreviver em um mundo de renovadas grandes potências políticas e rivalidade geopolítica. Esses princípios estão sendo directamente ameaçados. Quando os defenderá?

Certamente, a importância da garantia de segurança dos EUA na Europa é óbvia nas actuais circunstâncias. Mas para que o tratado transatlânticos perdure, a própria Europa deve se tornar mais forte. Isso exigirá que a Alemanha – em primeiro lugar – repensar seu papel. É e continuará a ser o maior estado-membro da Europa económica e demograficamente.

Dada a magnitude das ameaças de hoje, uma disputa interna alemã sobre a promessa do antigo governo de gastar pelo menos 2% de seu PIB  em defesa ainda é um problema? Ou agora é mais importante que o governo alemão emita uma declaração clara e positiva sobre seu compromisso com o apoio à Ucrânia e a defesa dos princípios europeus? Isso enviaria uma mensagem que o Kremlin não poderia entender mal. Mas o tempo esta se esgotando.

JOSCHKA FISCHER

Joschka Fischer, ministro das Relações Exteriores da Alemanha e vice-chanceler de 1998 a 2005, foi líder do Partido Verde alemão por quase 20 anos.

 

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