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OS NÓMADAS DIGITAIS FARTARAM-SE DE LISBOA

21-07-2023 - Raquel Lito

Aventureiros altamente qualificados deixam o Chiado, a Graça e outras zonas do centro da cidade porque não conseguem competir com os valores dos norte-americanos e escandinavos. Depois dos portugueses empurrados para as periferias, é a vez deles.

Avida de charme no Chiado tem os dias contados para a nómada digital Aliénor Salmon. O contrato de arrendamento do T1 de 73 m2, por 1.100 euros mensais (mais 140 euros por mês para despesas de água, luz e  wi-fi), termina em outubro próximo. Não será renovado por uma questão de mercado, em máximos históricos pela procura de imigrantes dos países ricos.

Mentaliza-se para sair da Baixa. Depois dos portugueses empurrados para a periferia é a vez de a franco-britânica, de 37 anos,  blogger (da página Bailando Journey), consultora das Nações Unidas e de outras organizações internacionais, solteira e sem filhos, pensar seriamente em mudar-se para a Costa de Caparica, ou para as áreas das linhas de Sintra e Cascais, ou, no limite, sair do País.

A queixa estende-se ao seu círculo de amigos nómadas, europeus e da América Latina. Quando tentam arrendar apartamentos em Lisboa, avançam com uma oferta e, mesmo sendo os primeiros a mostrar interesse, a pressão é tal – dezenas de candidatos para uma só casa – que são preteridos. “Outra pessoa, geralmente norte-americana ou escandinava, propõe pagar um ano adiantado de renda”, conta.

Os novos imigrantes de luxo têm primazia, pelos salários “muito altos ou grandes poupanças”, diz, o que nem sempre é viável para nómadas digitais com estilos de vida flexíveis. “A realidade é que muitos trabalham como freelancers ou têm negócios com rendimentos variáveis.” Nesta corrida às casas, a inquilina ainda tentou segurar o T1 no Chiado, oferecendo mais 400 euros por mês. Foi rejeitada. “O senhorio pondera vender o imóvel e se continuar a arrendar nunca será por menos de 2.000 euros por mês.”

Quando ali chegou, em plena pandemia, em novembro de 2020, tinha noção de que a renda era “dolorosamente elevada” para os padrões portugueses. Mas podia suportá-la enquanto profissional altamente qualificada, abrangida pelo regime fiscal à taxa fixa de 20%, por 10 anos, para residentes não habituais (RNH). Foi bom enquanto durou, mas no fim nem tanto pelo fluxo de gente e “atrações turísticas não autênticas”, lamenta. Agora faz figas, “ fingers crossed”, diz-nos, para encontrar teto digno algures, em novembro.

Gonçalo Hall, presidente da Digital Nomad Association Portugal, dá conta à  SÁBADO da crise habitacional para nómadas digitais em Lisboa. A história repete-se, à imagem da Catalunha: “Dizíamos há 10 anos que Lisboa ia ser a próxima Barcelona e foi-o para o bem e para o mal. Barcelona é incrível. Mas o excesso de turismo tornou-a menos habitável. Difícil andar no centro, casas muito caras... Soa-lhe familiar?”, questiona. Soa. A imigração com forte poder de compra – norte-americanos no topo da lista –, assim como os grandes fundos de investimento no mercado residencial e a falta de construção nova “são a tempestade perfeita” em Lisboa. Mais nacionalidades virão, prevê. Quando analisa os dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) sobre a população imigrante, repara que o Reino Unido, a Alemanha e a Itália estão a crescer. “Temos o potencial de atrair mais trabalhadores remotos com salários elevados.”

Há uma diferença entre estes e os nómadas digitais sem pouso fixo, que ficam dois meses a meio ano e seguem para outras paragens. “Querem continuar a viajar”, diz. Contudo, na capital há “um aproveitamento claro da presença de estrangeiros para aumentar os preços e pedir garantias que não são normais em Portugal”. E exemplifica: “Conheço muitos brasileiros a quem pediram adiantados 12 meses de renda.” Efeito? Decréscimo deste segmento em Lisboa, desde o início do ano. No alojamento local (AL), a inflação é notória, diz – os preços do Airbnb no coração da cidade (entre €1.400 e €2.300 por mês) são equiparáveis a Berlim.

Tudo isto tem contribuído para o avolumar de queixas na plataforma especializada Nomadlist, amplamente divulgadas pelos media nas últimas semanas.

À procura de valores mais razoáveis, estes jovens adultos, até aos 40 anos, correm o País e vão encontrando respostas no Porto, em Lagos, na Ericeira ou na Madeira – onde, aliás, nasceu em fevereiro de 2021 uma vila para nómadas digitais, a primeira no mundo. Segundo Gonçalo Hall (mentor do projeto, em parceria com o Governo regional), o espaço de  cowork  gratuito e os eventos organizados pelo gestor de comunidade facilitam a integração. Algo inexistente em Lisboa, avalia: “Falta uma melhor estruturação para acolher nómadas.”

Hong Le, vietnamita de 34 anos, sabe do que ele fala. Passou por Lisboa, onde pensou permanecer de seis meses a um ano. Nem um trimestre ficou, chegou no início de maio de 2022 e saiu ao fim de julho. Vivia junto ao miradouro da Penha de França, numa subida íngreme, mas a vista do T2 (que arrendara a meias com um amigo) não compensava tudo.

A especialista em  marketing  digital esperava encontrar uma capital “vibrante”, a fazer fé nos amigos nómadas, mas que, afinal, se revelou mais aborrecida pela dificuldade em fazer novas amizades. Não criara conexão nem com as gentes, nem com a cidade. “Lisboa não é tão grande ou movimentada como Banguecoque [capital da Tailândia] mas demora-se a chegar de um sítio a outro.”

Felizes na Madeira e em Londres

A trabalhar remotamente numa empresa com base na Estónia, Hong Le recorda a dificuldade de encontrar uma cafetaria com boa rede. Tinha de caminhar, pelo menos, meia hora, porque os cafés mais próximos de casa não tinham  wi-fi  fiável, faltavam tomadas elétricas e as mesas eram pequenas. Testou vários nos Anjos e no Saldanha até recorrer a um espaço de cowork a 200 euros por mês. A juntar a isto, as despesas do dia a dia – alimentação e transportes – eram elevadas. “Tornava-se difícil cobri-las para pessoas com rendimentos médios, como eu.”

Partiu para a Madeira no verão passado, não se arrepende e, à distância, vai ouvindo as reclamações de amigos nómadas em Lisboa. Quem consegue arrendar, como uma amiga americana, arrisca-se a subidas abruptas nos preços: “Ela viu a renda ser aumentada em 40%, a casa também fica em Arroios. Se não quiser pagar, haverá outra pessoa disposta, num piscar de olhos.”

Hong Le vive agora na zona balnear de Lido, no Funchal, a dois minutos a pé de um espaço de  coworking , pratica diariamente tai-chi e meditação. A vida social descolou, janta com amigos e almoça com membros da comunidade Madeira Friends. “Estou feliz por ter a Madeira como base e a partir daqui posso explorar outras partes da Europa. Já viajei para mais de 20 países desde que comecei a trabalhar online, há oito anos.”

Londres tem sido o destino intermitente de Hanna-Mari. A finlandesa, de 33 anos, já esteve em Espanha, nas ilhas Baleares, na Áustria, Holanda e também em Lisboa (depois de ter feito uma road trip até ao Algarve). Perita em marketing digital, Hanna recorda com nostalgia os tempos na capital portuguesa, entre 2015 e 2018. “Apaixonei-me pela cultura, paisagens e estilo de vida.” Partilhava casa, primeiro nos Anjos, depois no Saldanha, em Algés e novamente nos Anjos. Pagava, em média, 300 euros por mês. “Depois mudei-me para Londres em busca de melhores oportunidades de trabalho.” Sem nunca esquecer Portugal, quis repetir em 2022, enquanto trabalhadora remota, e arrendou um T1 na Graça, sozinha, a 850 euros por mês. “Consegui este apartamento através de um amigo, caso contrário teria de pagar muito mais.” Desta vez não gostou, pelo turismo de massas. Achou a cidade “sobrevalorizada” pelos “senhorios explorarem a situação de Lisboa ser tão popular no estrangeiro”. A pressão da procura permite-lhes cobrar “o triplo da renda que normalmente ganhariam”. Assim sendo, não hesitou em voltar para Londres no início de 2023. “Provavelmente, pago o mesmo [em alojamento] que pagaria em Lisboa, o que faz muito mais sentido numa metrópole como Londres.”

Efraín Hinojosa é amigo de Hanna-Mari, em comum têm a saída de Lisboa pelo custo de vida. No caso do colombiano, profissional de marketing, de 32 anos, mudou-se da Graça para o Algarve em novembro de 2021. Em março de 2022 fixou-se nos arredores de Lagos, onde está até hoje, feliz numa casa com piscina e vista para a serra de Monchique. Pratica corrida, faz jardinagem e aos fins de semana vai à praia fazer mergulho e, em breve, aprender  kitesurf .

A rede de amigos alarga-se pelos eventos do Lagos Digital Nomads, promovidos por Joana Glória desde 2020. Efraín não tem dúvidas: “Lisboa está sobrelotada, os nómadas afastam-se porque vem gente com mais dinheiro e claro que quer viver nas zonas bonitas no centro. O que pode ser visto como uma oportunidade para cidades menores.”

Respirar ar puro no Algarve

Quando vai a Lisboa, aos fins de semana, confessa que coloca uns tampões nos ouvidos. “A poluição sonora é tão intensa que depois de viver na paz do Algarve é difícil voltar a dormir lá. Adoro voltar para o Algarve e respirar o ar puro e limpo, que é difícil de encontrar na capital.”

Ao Porto também chegam mais nómadas, que só precisam de um laptop e de uma boa rede para trabalhar. Também pesam, obviamente, “o calor humano, a segurança e a gastronomia”. Quem o diz é a responsável do espaço Vertical Coworking, Francisca Morim, frisando o preço de arrendamento 15,1% mais baixo do que em Lisboa: “Há alojamentos mobilados e equipados entre os €500 e €900 por mês.” Quando os nómadas procuram a cidade ideal para se estabelecerem, começam a pesquisa pela capital, mas “rapidamente mudam de ideias” para o Porto, diz.

A advogada Cristiane Puxian, que faz assessoria para nómadas e trabalhadores remotos, corrobora: em relação ao ano passado, as queixas que lhe chegam de nómadas desiludidos com Lisboa (sobretudo pelas rendas comparáveis às de Paris) aumentaram 50%. Depois do Porto, a terceira opção é Braga, seguida de Guimarães e Viana do Castelo. “Outros nómadas vão para Santarém e Évora.” No dia em que fala à  SÁBADO , recebe o pedido de ajuda de dois brasileiros, ambos a trabalharem em tecnologias de informação, e que se querem mudar de Lisboa para o Porto. Não ponderam sair do País, porque Portugal continua a ser, para todos os efeitos, “a porta de entrada” para a Europa.

Preferem o Porto
Andrii Myroniuk, engenheiro de sistemas, 22 anos, saiu de Lviv em janeiro de 2022 – um mês antes da invasão da Rússia – e decidiu ficar no Porto em maio, pelo custo de vida atrativo. Aluga um T1 por €900/mês. Roman Lenko, 30 anos, também nómada digital e natural de Lviv, optou por Gaia (€919/mês) e elogia o clima e o acolhimento.

Fonte: Sábado.pt

 

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